Sinceramente, pensava que o PREC estava morto e enterrado , que era
coisa da história e do passado, feito de
mil historias para contar a filhos e netos.
Aliás, a história que por aí se conta do PREC é apenas uma parte da
história, contada pelos “vencedores” e por muitos que querem fazer esquecer o
seu passado nesse período, pois estiveram , então, na liderança , à direita ou
na extrema-esquerda, do que de pior então se fez (seria curioso ver onde estão
hoje os que atearam fogo à embaixada de Espanha, cercaram a assembleia da
república, tomaram de assalto a Rádio Renascença e o “República”, os “ferro-em-brasa”
da UEC, da JCP, da AOC ou do MRPP, aqueles outros que andaram a por bombas nas sedes dos partidos da esquerda, assassinaram o Padre Max e outros militantes de esquerda, ou andaram a
boicotar os comícios do PCP acusando-o de “social-fascista”, “burguês”, “traidor
à revolução”, “revisionista” e “ colaboracionista” com os “partidos burgueses” –
PS e PSD , acusando-o, enfim, de ser
muito “moderado”!!!!!) .
Nem o PREC foi aquela história para assustar criancinhas que por aí se
conta. Foi um processo previsível num país que saia de quase cinquenta anos de
ditadura e treze de guerra colonial, num período de crise económica
internacional, bem pior que a actual, e no meio de uma das fases mais acesas da
“guerra-fria”.
No meio de tudo isso até se pode dizer que correu tudo muito bem, quase sem mortos, sem cair numa
ditadura, sem guerra civil. Talvez porque quem tutelava a revolução era um
grupo de jovens militares onde a amizade contava mais que as divergências
politico-ideológicas, secundados por líderes político (Álvaro Cunhal, Mário
Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral…) com uma envergadura que foi
irrepetível na geração seguinte (a actual).
No fundo, o PREC aconteceu porque ,citando Sophia de Mello Breyner
Andresen, vivia-se “a madrugada” esperada, o “dia inicial inteiro e limpo”
que emergiu “da noite e do silêncio”,
onde “livres habitamos a substância do
tempo”, e todos procurávamos um rumo
para esse país novo, entre a segurança dos dogmas na moda e a aventura de criar
tudo de novo.
No fundo, quem viveu o PREC teve o privilégio de ter vivido , num mesmo
tempo, todos os tempos do século XX, a Revolução Russa, as Festas da Libertação
do nazi-fascismo, o Maio de 68, e, por antecipação, a queda de todos os Muros.
Claro que o PREC foi vivido e percepcionado de forma diferente conforme
se pertencesse:
- a uma
juventude mais ou menos esclarecida, que
tinha tudo pela frente , libertando-se da perspectiva de ter de ir para a
guerra ou de emigrar para fugir ao destino que o regime deposto lhe tinha
traçado;
- aos “velhos” oposicionistas, que trouxeram para o
PREC a suas velhas rivalidade da clandestinidade;
- aos acólitos do Estado Novo, que beneficiaram, participaram ou
colaboraram na ditadura deposta e perderam os seus privilégios de classe e políticos;
- aos envolvidos directamente nas
decisões políticas da época, que viveram no "centro do furacão";
- aos muitos espoliados da descolonização tardia e apressada, inevitável
nas circunstancias políticas, nacionais e internacionais, da época ;
- à “maioria silenciosa” da
população iletrada, pobre , rural e católica, habituada a obedecer e calar,
receosa das mudanças, “educada” no servilismo salazarista.
Cada um desses “grupos” tem uma imagem diferente do PREC, que não foi
um processo linear, coerente, estruturado, calculado, programado por qualquer mente malévola, como muitos pretendem fazer crer.
Mas o PREC foi irrepetível e quem pretende fazer comparações destes
nossos tempos com esses tempos só o pode fazer por uma das seguintes razões ou
por todas elas: por desonestidade intelectual, por ignorância, por má-fé, por
intolerância , por fanatismo ideológico ou para espalhar o medo.
Aliás, se alguma coisa houve de tão radical como naqueles tempos, mas
de sinal contrário, foram os último dez anos de governação “socrática” e “passoscoelhista”,
destruindo a já de si periclitante classe média, retirando direitos sociais
fundamentais aos trabalhadores, rompendo compromissos com os cidadãos, desrespeitando
a Constituição, submetendo o social ao financeiro, impondo a propaganda de um
novo “totalitarismo” do “caminho único”, “sem alternativa”, destruindo a
capacidade de criar, imaginar e melhorar o mundo que nos rodeia.
Se houve radicalismo nos últimos tempos foi o da propaganda neo-liberal e o da direita que se radicalizou, destruindo o centro político.
Curiosamente, como agora se revelou, os mitos e os fantasmas do PREC
não foram desenterrados pela esquerda, que, como se vê, já tem essa história
resolvida, mas pela direita que, como se vê, continua presa a mitos do passado,
talvez porque muitos dos seu actuais ideólogos e propagandistas no comentário
político-económico e nas “redes socias” tenham participado no lado negro desse PREC e
estejam agora preocupados em limpar a imagem negativa que se lhes colou, pelos
menos por parte dos muitos que ainda conhecem e não esquecem o seu percurso…
Por isso, mais do que desenterrar os velhos “fantasmas” do PREC, a
actual situação política pode contribuir para enterrar em definitivo esses
fantasmas.
O que vem aí é uma incógnita, mas o PREC está morto e enterrado.
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