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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Você entregava o seu destino a esta Gente?

Você entregava o seu dinheiro, os seus impostos, o seu tempo de trabalho, a educação dos seus filhos, a guarda do seu cão nas férias, a chave do seu carro, o sofá da sua sala,enfim, o seu destino e o do país a esta gente (faltam alguns mais...)?






















Ops!…Já entregou, não foi!
Agora amanhe-se!

Mas, alegre-se, que ainda sobra alguém em quem confiar:


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Há dias assim

Um foi-nos ao bolso...


...os outros perderam...



Há dias assim!

A Greve Geral nas primeiras páginas da imprensa espanhola de hoje:








Zapatero, que até começou bem, deixou-se encantar com o PEC,  intimidou-se com os piratas das agências de rating e tomou medidas, não tão graves como as do seu amigo Sócrates, e agora enfrenta a primeira Greve Geral desde que está no poder.
Apesar da greve, ontem, o governo espanhol anunciava querer negociar com os sindicatos depois da greve. Felizmente para os trabalhadores espanhóis, Zapatero não é Sócrates.
Contudo, penso que a arrogância do PEC e das imposições da srª Merkel e do BCE só se resolvem como uma greve geral em toda a Europa, acompanahada por manifestações nas capitais europeias, todas no mesmo dia e à mesma hora.
Assim sim, os fanfarrões burocratas que estão a levar a Europa para a derrocada eram capaz de tremer e mudar de rumo nas suas políticas neo-liberais.
Mas, por agora, fiquemo-nos com um "Viva a Espanha"!

Primeiras imagens da Greve Geral em Espanha:





















terça-feira, 28 de setembro de 2010

Para essa já paguei...


O Público on-line de hoje divulga os dados de uma sondagem europeia, segundo a qual a maior parte das “pessoas acreditam que os seus governos gastam mal mais de metade do dinheiro que os contribuintes pagam em impostos”.

Quem anda por cá há muitos anos e sempre pagou atempadamente os seus impostos, não é apanhado de surpresa pelos resultados dessa sondagem realizada em 22 países europeus.

Em Portugal a situação é agravada pela fuga aos impostos e pela corrupção e compadrio políticos.

Quando a carga fiscal portuguesa já é superior à da média dos cidadãos europeus, nomeadamente à dos países nórdicos, geralmente apontados como exemplo da existência de uma pesada carga fiscal, não deixa de ser surpreendente que um serviçal da OCDE tenha vindo a Portugal defender o aumento de mais impostos.

Por mim, até não me importava de pagar mais impostos se soubesse que eles eram utilizados para garantir reformas e serviços sociais decentes, meios de transporte públicos rápidos e eficientes, com a saúde e a educação garantida para todos.

Infelizmente todos nós começamos a perceber para onde vão os nossos impostos: para pagar as mordomias dos órgãos de gestão de institutos, empresas e fundações públicas, que servem apenas para empregar a clientela política do centrão, para as negociatas com empresas privadas da construção civil e com escritórios de advogados e para ajudar a banca em dificuldade com a situação que a própria criou.

Talvez seja tempo dos cidadãos europeus, em especial os portugueses, dizerem, alto e a bom som…BASTA!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

No Bicentenário da Batalha do Buçaco

Comemorando-se hoje o bicentenário da Batalha do Buçaco, recordamos aqui esse acontecimento, com base na descrição feita pelo então futuro gereral Marbot, que era então o segundo ajudante de campo do marechal Massena
"A BATALHA DO BUÇACO

"Antes de romper o dia, tinham os franceses constituído cinco colunas de ataque. Três destas pertenciam ao 6.° corpo, e eram pessoalmente comandadas pelo marechal Ney.

Formavam elas a direita dos atacantes, opondo-se por conseguinte à esquerda dos aliados. Tinham por objectivo o convento, e deviam avançar pela estrada que de Mortágua se dirigia, para, aquele. Atacavam, pois, a esquerda e o centro.

As outras duas colunas foram destacadas do segundo corpo, o do comando de Reynier. Formavam à esquerda do exército atacante, e tinham por objectivo avançar contra a direita dos defensores, vindo pela estrada que conduzia de Mortágua a Santo António do Cântaro.

A cavalaria ficou inutilizada, porque o terreno não permitia intervir na acção. Postou-se na retaguarda ao. centro da linha atacante.

Formavam as tropas francesas num terreno pedregoso o qual descia em declive muito áspero para uma garganta imensa que as separava da montanha de Alcoba. Esta era alta e escarpada desse lado, como temos dito.

Os defensores, dominando inteiramente o campo dos atacantes, distinguiam todos os movimentos, que eles operavam, ao passo que estes apenas viam os postos avançados, que ficavam a meia encosta, entre o convento e a garganta, de tal modo profunda. nesse ponto, diz Marbot, que a vista desarmada podia a custo descobrir nela o movimento das tropas desfilando; e essa espécie de abismo era tão apertado, que as balas dos carabineiros ingleses alcançavam de um lado a outro.

«Podia considerar-se, portanto, essa ravina, prossegue Marbot, como um fosso enorme cavado pela natureza, para servir de primeiro resguardo ás fortificações naturais, consistindo estas em rochedos imensos cortados a pique, quase por toda a parte, em forma de muralha.

«A isto acrescente-se que à nossa artilharia metida em péssimos caminhos e obrigada atirar de baixo para cima, só podia prestar insignificante serviço, e que a infantaria tinha de lutar não só contra uma infinidade de obstáculos e contra uma subida das mais rudes que se possa imaginar; mas ainda contra os melhores atiradores da Europa, porque, até essa época, as tropas inglesas eram as únicas que estavam perfeitamente exercitadas no tiro das armas portáteis; desse modo o seu fogo era infinitamente superior ao dos infantes das outras nações.

«Embora pareça que as regras de combater devam ser semelhantes em todas as nações civilizadas, variam contudo infinitamente, mesmo quando as circunstâncias são idênticas.

Assim, quando os franceses tem que defender uma posição, depois de -terem guarnecido de atiradores a frente e, os flancos, coroam ostensivamente as alturas com o grosso das suas tropas e as reservas, o que tem o grave inconveniente de fazer conhecer aos inimigos o ponto vulnerável da nossa linha.

«O método empregado pelos ingleses em caso análogo parece-me infinitamente preferível, como a experiência o demonstrou muitas vezes nas guerras da Península. Efectivamente, depois de terem, da mesma maneira que nós, guarnecido de atiradores à frente da posição, colocam as suas principais forças de maneira a subtrai-las à vista, tendo-as em todo o caso, bastante próximas do ponto capital da posição para elas poderem cair rapidamente sobre os inimigos se eles conseguirem aproximar-se; este ataque, feito de improviso sobre assaltantes que, depois. de terem sofrido numerosas perdas, se crêem já vencedores, é bem sucedido quase sempre. Tivemos disto uma triste experiência na batalha do Buçaco».

Pertenceu à divisão Merle, do segundo corpo, romper o ataque. Com ela vinha o 31 de ligeiros. Dirigiu-se esta força contra a serra, direita a Santo António do Cântaro. Sustentava-a a brigada do general Foy, da segunda divisão, e a artilharia, impossibilitada de fazer fogo sobre os aliados que a dominavam.

A reserva era formada pela cavalaria do segundo corpo, igualmente manietada também, e pela divisão Houdelet.

A força atacante trepou arrojadamente pela encosta da serra, estimulada a natural ardência pela braveza do declive, ao primeiro aspecto, inexpugnável, e galgando até ao cimo dela, aí encontrou a terceira divisão anglo-lusa, do comando de Picton, com o ,regimento português de infantaria 8, postado na sua vanguarda. Era tal o impulso que a coluna francesa trazia, tal o denodo com que avançava, que conseguiu levar a divisão e o regimento diante de si, desordenando-lhes num momento as fileiras cerradas.

Estava a serra coberta de nevoeiro espesso, uma cerração completa que a coroava e revestia, não podendo os aliados, por esse motivo, ver a aproximação dos assaltantes, nem estes, a verdadeira temeridade da sua empresa, senão por cada dificuldade pessoalmente vencida. Assim ganharam os franceses a crista do monte e tiveram o gozo momentâneo de sentir as colunas dos aliados retrocederem ante o vigor do ataque.

Nisto, duas bocas de fogo, por ordem de Wellington, começam de improviso a metralhar-lhes os flancos; pela frente recebe-os uma fuzilaria viva. Apesar disso avançam, cedendo os nossos. Inclina-se a vitória para o seu lado, anunciam-na em gritaria estimulando-se mais e mais, e ei-los que, cheios de jubilo, se reputam já senhores da brecha natural, por onde as colunas que os seguem hão-de, dentro em breve, entrar na posição inimiga, e alastrar-se por todo o planalto.

Acode Wellington, mandando contra eles dois regimentos ingleses e o regimento português, recobrado já do primeiro assombro. Thomas Picton é quem os dirige, superiormente. Calam baionetas e atiram-se para a frente impetuosos. As colunas dos franceses fraquejam por sua vez, sem contudo deixarem de disputar palmo a palmo o campo. Resvalam para a vertente, onde os homens mal se firmam no terreno que lhes foge sob os pés; os do alto sentem o proveito da posição dominante que os favorece, e não estão resolvidos a ceder; os, outros, rasgados os peitos pelas baionetas e varados à queima-roupa, caem e sucumbem, como que arrastados para um abismo, pelo declive que os engole, formando com os corpos palpitantes, socalcos onde, os que avançam de novo, conseguem por um momento apoiar-se. Mas os que chegam, nem tempo têm para desfechar as armas, ante a coroa de fogo que os saúda, e a muralha viva que os repele. Dura a luta uma hora quase, e os assaltantes, batidos, recuando sempre, convictos por fim de que são inúteis quantos esforços façam, acabam por não insistir na sua baldada temeridade, e por abandonar o terreno, deixando-o profusamente juncado de mortos.

Mas não retiram ainda em debandada. A cinquenta passos, fazem de novo frente aos seus perseguidores. Com uma bravura verdadeiramente desesperada, mas inútil, rompem outra vez o fogo a que os nossos respondem, sustentando com firmeza o seu posto. Bem mais de mil dos assaltantes pagam com a vida o extraordinário arrojo. As tropas inglesas e as nossas chegam a descer a encosta até meio, fuzilando os repelidos com descargas sucessivas, que eles não retribuem já, de tal modo a sua posição é inferior e o seu ânimo se sente abalado.

Então os oficiais, dizimados também pela fuzilaria incansável que os vem acossando pela montanha abaixo logram a custo dispersar as suas tropas em atiradores, fazendo-os seguir isolados pelas ribanceiras e pelas quebras do terreno, sob o chuveiro de balas que do alto desce. Assim conseguem chegar à falda do monte, os que não ficaram dormindo, pelos declives dele, o eterno sono.

O general Graindorge, dois coronéis e oitenta oficiais doutras patentes, além de mais de mil soldados, foram o primeiro tributo que à bravura e a audácia francesas tiveram de pagar nesta avançada inglória.

Diz, Marbot, e diz bem, que depois de tal revés, a prudência ordenava que se não mandassem, de novo, tropas enfraquecidas por numerosas perdas contra inimigos ensoberbecidos pelo êxito e continuando a manter-se nas mesmas posições. O general Reynier, porém, não o entendeu assim, e ordenou ás brigadas Foy e Sarrut que voltassem à carga, sendo esse novo ataque permitido por Massena, testemunha fria e impassível de semelhante loucura.

Uma hora de esforços inauditos durou a segunda escalada do monte, sem desta vez conseguirem atingir-lhe a crista, pois antes disso viram despenhar-se do alto dele a avalancha de fogo, que inutilizou todos os esforços e malogrou o ataque. Repetiu-se o morticínio em número igual ao do assalto anterior, sendo o general Foy um dos feridos de mais gravidade.

Este segundo ataque foi ainda feito contra a frente da mesma terceira divisão, do comando de Picton, apenas um pouco mais longe, sobre a sua direita. Desta vez, porém, a coluna foi repelida por um regimento inglês, e pela brigada portuguesa composta dos regimentos 9 e 21, e comandada pelo coronel Champalimaud. Este valoroso chefe recebeu um grave ferimento, e foi tirado do campo de batalha, semi-morto.

Logo que as forças de Picton se encontraram. empenhadas no combate, o general Leith fez habilmente um movimento lateral sobre a esquerda, apoiando-as, e contribuindo para a derrota dos franceses, pelo papel que fez desempenhar a três dos seus batalhões. 0 general Hill, também, por sua parte conduziu tropas frescas ao ponto atacado, ao passo que Reynier, privado de reservas e de artilharia, via-se sem recursos para continuar a avançada, e tinha as suas colunas completamente desfeitas.

Passava-se isto na esquerda do exército francês, não sendo, nesse meio tempo, mais favorável a sorte ao corpo de Ney, que lhe formava a direita.

Massena tinha resolvido que o ataque fosse simultâneo, em todos os pontos, e ainda ás sete horas da manhã renovara, nesse sentido, as suas ordens. As colunas de Reynier avançaram, como vimos; mas as tropas de Ney apenas começaram a mover-se ás oito e meia.

Desculpou-se o marechal, posteriormente, alegando como motivo da sua demora e das suas hesitações, a enormíssima dificuldade que a posição oferecia à investida nesse ponto. Com efeito, se a serra era escabrosa e empinada na encosta que as tropas de Reynier tiveram de galgar, mais áspera e difícil, sem nenhuma comparação, era a parte da vertente designada para o ataque, ás forças de Ney.

Como quer, que fosse, os franceses tinham acabado do cometer uma falta irremediável, empenhando o segundo corpo na acção, antes do sexto estar em circunstanciais de operar simultaneamente com ele. Nova falta, maior ainda se é possível, é a que o marechal Ney acaba também de cometer, não dando unidade nem simultaneidade ao movimento atacante das divisões Loison, Marchand e Mermet.

No alto da serra; junto ao convento, estava, como dissemos, a divisão ligeira de Crawfurd e a primeira brigada portuguesa, de Pack. Era a posição dominante, e dela penetravam as vistas nos pontos mais baixos e recônditos do vale fronteiro. Subir por ali era empresa temerária e quase louca. Ousasse, porém, o inimigo tentá-la. Crawfurd tinha tomado as mais hábeis disposições para recebe-lo.

Nas ondulações da chapada, que ficava entre ele e o convento, postara, ocultos por elas, dois regimentos ingleses.

À retaguarda destes, coisa de um quarto de milha, em terreno mais alto, e mais perto do convento, colocara a brigada alemã, já por nós mencionada. Confiara-lhe, a ela sozinha, a defesa dessa parte da, posição. Eram estes os seus apoios da retaguarda.

Na frente. das ondulações onde a infantaria se abrigava, havia quebras profundas no solo, rasgando de alto a baixo toda a encosta, e dominando a respectiva subida. Por elas se distribuiu, na crista da serra, como se fossem canhoneiras naturais, a artilharia da divisão. Toda, a frente da montanha era ocupada por atiradores e por dois batalhões de caçadores em ordem dispersa.

Mal rompera o dia, e não se via nada, com o espesso nevoeiro, a que nos referimos já; ouviam-se apenas, tiros de espingarda, vindos de baixo, do vale profundo, subindo a encosta, avançando. Tudo a postos, tudo à espera do imprevisto quase, do desconhecido. Longe, afastada, para, a direita, trovejava a artilharia. 0 que iria passar-se? 0 que se estava passando?

Decorreu mais de uma hora. No entanto, ia-se desfazendo a neblina, perante o sol, que subia,. Estava limpo, quase, o planalto, e o nevoeiro como que descia o dorso negro da serra, em rolos, indo pousar nas profundezas do vale, para se demorar ali. Era matagosa a ladeira, escavada, e coberta de moitas, Por entre estas, cobrindo-se à cautela, agarrando-se aos penhascos; rasgando-se nos espinhos, começaram então a ver-se as três divisões, lentamente, subindo. Na frente delas, isolados, os atiradores, à vontade, e em grande numero.

A divisão Marchand, dentro em pouco, arranca-se das quebradas e dos matagais e atira consigo à estrada, marchando rápida, disposta a tornear a posição pela direita. A divisão Loison continua a avançar em frente, pronta para o ataque directo e peito a peito. A divisão Mermet deixou-se ficar constituindo a reserva da força atacante.

Então da divisão Loison, destaca-se para diante uma brigada, a do comando do general Simon, incumbida do assalto. Filas inteiras são derrubadas pela fuzilaria dos atiradores de Crawfurd e pela metralha da artilharia. Avança ainda a brigada de Ferey e o vigésimo de linha; a metralha varre-os; dos nossos caçadores nenhum tiro é perdido.

Os que escapam vão avançando sempre, galgam os rochedos escarpados, alcançam as cristas da serra, e caem a braços sobre a artilharia, conseguindo apoderar-se de três peças. O general Simon tem o queixo partido por uma bala e cai prisioneiro, agarrado a uma das bocas de fogo acabadas de tomar.

Crawfurd não tivera impaciências; esperara a ocasião oportuna. À frente de 2.000 ingleses e de um batalhão português do terceiro regimento, dispara sobre os franceses três descargas à queima-roupa, mata-lhes ou fere-lhes quase todos os oficiais superiores, lança no meio deles a confusão e a morte, e traz diante de si, nas pontas das suas baionetas, pela serra abaixo, aquelas massas desordenadas, fazendo nelas mortandade enorme.

Vendo isto, a divisão Marchand, que se encaminhava pela estrada, levando o fito em tornear a direita de Crawfurd, reconhece que é uma imprudência continuar marchando em corpo cerrado.

Divide-se, portanto, em fracções, que mutuamente se apoiam, e assim dividida prossegue no seu objecto. Crawfurd, reconhecendo-lhe o intento, manda sustentar a sua direita pela sexta brigada portuguesa de reserva, formada por caçadores 2 e infantaria 7 e 19, e comandada pelo brigadeiro Colman.

A brigada toma posição, e espera o atacante. Mal se vêem assomando na encosta as primeiras avançadas francesas, é imediatamente destacado contra elas, e encarregado de repeli-las, um dos batalhões portugueses, do 19 de infantaria, sob o cominando do tenente-coronel Mac Bean.

O batalhão carrega à baioneta, com tal intrepidez e vigor, que os assaltantes não podem aguentar-lhe a carga, e vêm de tropel pela encosta abaixo, trazer a desordem e o pânico ao resto da divisão.

Soldados aguerridos e vitoriosos, de Iena, de Wagram. e de Friedland soltavam imprecações e mordiam-se de desespero e de vergonha. Queriam tentar de novo o ataque, queriam voltar a combater. Pesava-lhes a vida debaixo daquela afronta, e invejavam a sorte dos companheiros, mortos, abraçados ás suas armas, estendidos por aqueles montes.

Tudo era inútil; o desastre era completo, a derrota formal e não havia remédio para ela. De encontro àquelas muralhas naturais, àqueles penhascos inacessíveis, acabava de despedaçar-se o prestígio da França, a glória de Napoleão.

Ali estavam, confusos, aniquilados, impotentes, reduzidos ao silencio e à inacção, os maiores generais e marechais do império, confrangidos diante dos restos desordenados das suas tropas, eles que tantas vezes as tinham conduzido à vitória, e que naquele dia funesto apenas souberam levai-as a uma derrota miserável, a uma vergonha, a uma humilhação, piores do que a morte.

Cinco mil soldados franceses, dentre quantos tinham visto despontar o sol daquela manhã, não o viram já dardejando os raios do meio-dia. Estavam ali, a quinhentas léguas da pátria, mordendo o chão sagrado do povo heróico, que contra eles se defendia. Duzentos e cinquenta oficiais, entre mortos, feridos e prisioneiros, perdia a França naquela jornada calamitosa para as suas armas e para a sua política.

Em torno de Massena reinava o silêncio das sepulturas; nenhuma voz ousava ser a primeira a quebra-lo; os pensamentos de cada um eram de chumbo; dentro das almas coava incomportável tristeza; tudo estava perdido.

Os mortos eram os mais felizes. Lá estava entre eles, um dos primeiros atravessados pelas balas, o general Graindorge, do exército de Reynier. O coronel Monnier, do 31 de ligeiros, que chegou a levar o seu regimento à crista da montanha, morrendo crivado de golpes, à frente das tropas que conduzia. O coronel Bechaud, do 66 de linha, partido ao meio por urna bomba, o coronel Amy do sexto de ligeiros, a quem foi decepada a cabeça por uma bala de artilharia. O coronel Berlier, morto também. Depois desses, os generais Merle, Maucune e Foy perigosamente feridos; o general Simon, ferido e prisioneiro. Feridos igualmente os coronéis Merle e Desgraviers, e treze chefes de batalhão, alguns dos quais morreram depois, dos seus ferimentos.

De soldados não falemos. Quinhentos homens perdeu o 69, do comando do coronel Fririon, dentre os mil e quinhentos de que se compunha, exposto durante oito horas pelos fraguedos da montanha, ao fogo dos atiradores inimigos.

O tiroteio prolongou-se até à noite, estando os aliados em segurança relativa, atrás das escarpas pedregosas, e das dobras de terreno, que pela encosta abaixo os abrigavam e protegiam. Os soldados franceses, cheios de exaltação, abandonados por assim dizer, respondiam do vale, de seu moto próprio, ao fogo mortífero. Não havia quem lhes desse uma ordem, quem mandasse calar aquele fogo inútil, quem os tirasse dali.

Se a bravura dos aliados era grande, não era menor a dos atacantes, nem a sua teimosia menos deliberada.

Era já ao cair da tarde, e uma companhia francesa ousava ainda, com incrível audácia, alojar-se numa aldeia, que ficava a meio tiro de espingarda da divisão ligeira. Intimada a retirar-se, negou-se a fazê-lo, e dispunha-se a fortificar-se na posição escolhida. Então, Crawfurd, num acesso de verdadeiro furor, mandou assestar doze peças contra o lugarejo, e durante meia hora fez chover balas sobre a posição onde tinham ousado estabelecer-se aqueles arrojados contendores.

Depois de haver tributado ao capitão francês tão insigne honra, diz Napier, o general inglês recuperou finalmente o seu sangue frio e mandou descer da montanha uma companhia do 43 de linha, que varreu a aldeia, dos seus já raros ocupantes, em poucos minutos.

No meio, porém, destas cenas de carnificina, surge a contrastar com elas um episódio quase romanesco e verdadeiramente tocante.

O criado de quarto do general Simon é informado que seu amo, gravemente ferido, está, além disso, prisioneiro de guerra no alto da Alcoba. Resolve partir, a encontrar-se com ele, para lhe prestar os serviços da sua dedicação naquele horrível momento. Aproxima-se das linhas inglesas e é recebido a tiro. Vai desarmado, gesticula, implora, ninguém compreende o que esse homem quer, o que intenta dizer. Redobra o fogo sobre ele, e apenas por milagre nenhuma bala lhe acerta. Vendo que toda a teima em avançar, só pôde trazer-lhe como consequência inevitável a morte, assim repelido, resolve-se a retroceder, e recolhe-se finalmente aos postos franceses.

Aí, o pobre homem, verdadeiramente dedicado a seu amo, chora, lamenta-se, por lhe não ser dado cumprir o seu dever. Ouve-o uma esbelta vivandeira do 26 de linha, rapariga de dezassete anos, desembaraçada e formosa. O 26 de linha pertencia à brigada de Simon; ela, porém, só conhecia o general, de nome.

Pega na pequena bagagem, que o criado de quarto do general trazia para a levar a seu amo, coloca-a em cima do burro da cantina, e pondo este a andar adiante dela, diz apenas: «Vamos a ver se os ingleses se atrevem a matar uma mulher!. . . »

E sem dar ouvidos a nenhuma observação, ela aí vai a caminho, ladeira acima, sossegada, indiferente, sublime de coragem, avançando tranquilamente por entre os atiradores dos dois partidos!

O fogo é suspenso, de parte a parte, como por encanto; abrem-lhe passagem amigos e inimigos, e o tiroteio só continua, quando ela está efectivamente a salvo e fora do alcance dos tiros.

Na crista do monte, ao entrar no campo dos aliados, é saudada por estes e galhardamente recebida. Mandam-na acompanhar junto da barraca onde o general Simon jaz dolorosamente ferido. Levam-na à presença dele, a quem ela conta com simplicidade o que se passou, o modo como conseguiu estar ali. Trata-o, pensa-lhe os ferimentos o melhor que pôde, demora-se ao serviço dele os dias precisos, até que o criado do general veio rendê-la e, então, recusando toda e qualquer recompensa, monta de novo o seu burrinho, atravessa outra vez o exército inimigo já em marcha sobre Lisboa, e consegue juntar-se ao seu regimento, sem ter sido alvo do mais ligeiro insulto.

É um refrigério da alma este episódio humano e pacífico, no meio das aflitivas cenas de carnagem de que foram testemunhas as bravezas inóspitas daquelas duras penedias.

Caíu a noite. Antes disso, numa pequena trégua, andaram juntos, em confraternidade, defensores e atacantes, uns e outros procurando, levantando do campo, tentando arrancar ainda à morte os seus feridos. A noite, diz Marbot, foi horrível. No quartel-general ninguém dormiu. Contavam-se os mortos, calculavam-se as perdas, remordia nos espíritos o pungir das irremediáveis imprevidências, via-se o presente desgraçado, o futuro destruído. Não havia, porém, recriminações ainda. Ninguém ousava fazê-las; cada um aceitava humilde, silencioso, o quinhão que lhe tocava na responsabilidade enorme. Ali estavam juntos, em grupo, olhos postos no chão, abatidos pelo inesperado desastre, os marechais, os generais do império. O «Filho querido da vitória» fora abandonado de todo pela deusa sua mãe. Ali estava a um canto, mirrado, perplexo, vencido do Buçaco, aquele que ainda homem era o vencedor de Wagram!

Começam a despontar do nascente os alvores do novo dia. Traz a manhã, como de véspera, um sudário cândido de neblinas. Nisto, os ecos da Alcoba são despertados pelos clangores das trombetas, pelo rufar dos tambores, e logo em seguida as bandas marciais inglesas e portuguesas, soam estrepitosamente por aqueles recôncavos, tocando urna alvorada de alegrias. Desfilam os regimentos, galopam os esquadrões, roda a pesada artilharia. Atroam os ares, urras e vivas.

É Wellington, que se mostra ás tropas vencedoras, que passa o seu exército em revista. Os raios do sol matinal, acabado de nascer, arrancam faíscas de luz, ás pontas das lanças e das baionetas, rubras ainda de sangue inimigo.

Lá em baixo, no vale profundo, amortalhado em nevoeiro, jaz silencioso e lúgubre o exército francês vencido".

Fonte:

Fernandes Costa,
Memórias de um Ajudante de Campo, Crónica Pitoresca da Terceira Invasão Francesa Tomo I,
Lisboa, M. Gomes, Editor («Biblioteca Militar Ilustrada, vol.III»), 1896, pp.239-253.