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quinta-feira, 25 de março de 2021

Não é "mais um livro" sobre os Beatles...é muito mais!


Numa das minhas últimas visitas ao Barreiro, ao pavilhão do Ephemera, a “ephemerense” Rita Maltez ofereceu-me um livro da autoria de outro conhecido “ephemerense”, o Luís Pinheiro de Almeida.

Confesso que, no início, pensei : “mais um livro sobre os Beatles”!

Mas, sabendo que o Luís Pinheiro de Almeida é um “fanático”  colecionador e conhecedor de tudo o que diz respeito aos célebres músicos de Liverpool,  levado também pela curiosidade de saber quem era o “caro Jó” do título, peguei no livro e levei-o comigo para Lisboa, num dia em que tive de levar a minha filha à faculdade, para evitar os transportes públicos, e em que tinha de esperar por ela no carro, umas duas horas, porque estávamos numa das fases complicadas do confinamento, e acabei por ler, de uma assentada, o “com os Beatles caro Jó”.

Ultrapassou todas as expectativas, pois o livro consegue transmitir o espírito de uma época e todo o entusiamo adolescente na descoberta de novas realidades.

A vivência dessas descobertas remeteu-me para o meu próprio percurso, apesar de as ter vivido cerca de uma década depois do meu caro amigo Luís: a descoberta de novos grupos musicais, banda sonoro da nossa vida de adolescentes; a partilha, com os amigos, dessas descobertas; as gravações das musicas que passavam na rádio; as amizades para a vida, forjadas à volta de gira-discos partilhados em casa de uns de e de outros; as tentativas de imitar em guitarras, em congas e em tudo o que fizesse “barulho”, os grupos mais apreciados…

Apesar da década de diferença que me separa do autor, ainda sou do tempo do vinil, de procurarmos nas casas onde eles se vendiam as últimas novidades, a audição atenta das emissões de FM na (no meu tempo) Rádio Comercial, muitas vezes com antenas improvisadas com fios de cobre, porque existiam muitas interferências, culminando tudo, no meu caso, no movimento das rádios piratas, onde participei activamente, fazendo programas, amadores e mal feitos, em más condições técnicas, mas com muito entusiasmo e muita loucura, isto, da minha parte, já nos anos 80.

A minha “banda sonora” não foi exactamente a do Luís Pinheiro de Almeida, embora apreciasse os Beatles ( também colecionei as figuras das pastilhas elásticas referidas no livro), mas comecei a ouvir rock com mais frequência no final da década de 60, principio da de 70 (tinha 12 anos em 1968…), no quintal do meu amigo Mário Rui Hipólito, o único com algum poder económico para comprara as novidades, para além do seu pai possuir uma enorme colecção de "vinis".

Ainda apanhei os Beatles, mas já no final, sendo, contudo, mais apreciador da irreverência dos Rolling Stones.

Os meus primeiros ídolos foram os super grupos do rock sinfónico (Emerson, Lake and Palmer, Yes, Pink Floyd, Genesis..), depois, em tempo de universidade ( e a descobrir Lisboa, tal  como o o autor descreve…mas, o meu caso, uns 10 anos depois,  a partir de 1976), o punk e a New Wave, explorando muito a década de 80, quando já tinha algum poder de compra e me envolvi nas rádios piratas. Mantenho-me actualizado, muito graças à minha enteada e à minha filha, mas, para mim, a musica dos anos 80 foi o mesmo que os Beatles e os grupos da época foram para amigo “ephemerense”.

Descobri, no seu livro,  referências a muitos grupos dos quais nunca tinha ouvido falar. Estou a pensar em explorar essa descoberta no Youtube com a ajuda do  livro.

Mas há outro facto curioso. É muito provável que, em 1959, nos tenhamos cruzado, eu, o autor e o “célebre” Jó,  numa das ruas do bairro Carmona em Coimbra. Apesar de ter apenas 3 anos na altura, vivi aí com os meus pais durante uns 4 meses,  na rua da Guiné, uma transversal à Rua de Angola, muito citada nas cartas do livro, e lembro-me de um bairro de pequenas vivendas de 2 andares (nós morámos num primeiro andar) e que, no andar de baixo, onde eu vivia, haver uma miúda com a minha idade, com quem brincava no quintal que rodeava essa vivenda, assim como me lembro da proximidade do comboio que apanhávamos para ir ao centro de Coimbra, acompanhando a minha mãe às compras e para visitar os meus avós paternos, que viviam junto à Sé Velha.

Foi pouco tempo, mas foram das minhas mais remotas memórias.

Cheguei a ir mais vezes a esse bairro, para visitar um grande amigo do meu pai, o sr. Eurico Serra Caetano , pessoa e família de quem perdi o rasto depois do falecimento do meu pai.

Pois é, o mundo é mesmo pequeno.

Mas, já agora, quem é o célebre Jó? Nada mais, nada menos, do que o amigo de infância do Luís Pinheiro de Almeida, que tinha ficado no tal bairro de Coimbra, o destinatário das cartas que o autor lhe enviava, a partir de Lisboa, contando-lhe as novidades e as descobertas.

Foi o “Jó” que, tendo guardado religiosamente ao longo doa anos essas cartas, permitiu que este delicioso livro se escrevesse.

Como diz o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no prefácio ao livro, referindo-se ao seu amigo e autor Luís Pinheiro de Almeida, “admiro essa tua maneira de não envelheceres. Encontrando nos Beatles uma forma de continuar a sonhar com sonhavas há meio século…”.

Todos nós temos as nossas estratégias para encarar o envelhecimento. Recordar as “bandas sonoras” da nossa vida e os sonhos a elas associados,  é uma delas.

quinta-feira, 18 de março de 2021

No Moinho do “Casal do Aleixo”


Avista-se de muitos pontos da cidade e é visível em muitos postais antigos do princípio do século passado.

Avisto-o todos os dias da minha casa e, quando vim viver para aqui, há uns 25 anos, ainda ele trabalhava.

Depois deixou de trabalhar, os panos das velas romperam-se e tornou-se uma espécie de fantasma a recortar o cimo da serra a nordeste do centro da cidade e a nascente da minha casa.

Fica no alto do Bairro Vila Morena, a seguir aos depósitos de água e do Casal do Aleixo.

Embora o aviste todos os dias, nunca tinha ido até lá.

Tem de se ir a pé alguns metros, a partir dos depósitos, numa subida ingreme, mas vale a pena, pois tem-se uma das vistas mais magníficas sobre a cidade e os montes e vales circundantes, até ao litoral do concelho, avistando-se a cidade de um lado e o vale dos Cucos do outro.

Finalmente, no último domingo, pus-me a caminho e tirei estas fotos, com uma máquina mais antiga e de reserva, prometendo voltar lá com outra mais potente.






domingo, 14 de março de 2021

Recordações do Festival de Cinema da Figueira da Foz


A Guilhermina Pacheco, num seu post recente no facebook, para recordar o saudoso Jorge Barata, no seu dia de aniversário, veio  lembrara-me os dias passados no Festival de Cinema da Figueira da Foz.

Então nos meus 20 anos, deslocava-me anualmente a esse importante Festival de Cinema, aí pelos finais dos anos 70, início dos 80, ao longo de mais de 6 anos.

O Festival realizava-se em Setembro, ao longo de 10 dias, e era a “pré-temporada” antes do inicio das aulas, que então só começavam em Outubro, marcando o encerramento das férias de Verão, geralmente antecedido pela habitual romagem à Festa do “Avante”.

Recorde-se que esse festival realizou-se, pela primeira vez, em 1972, então ainda apenas uma “semana internacional de cinema”, destacando-se, entre os organizadores, o padre José Viera Marques, que no início dessa década também colaborou com o Cine Clube de Torres Vedas, tendo um papel importante na reanimação desta associação torriense.

Nos primeiros tempos, porque ainda estava a estudar e, depois, porque estava no início da minha vida profissional, o dinheiro era pouco e deslocava-me para o festival à boleia, levando quase um dia inteiro para chegar à Figueira, saindo de Torres Vedras, umas vezes sozinho, outras acompanhado.

Lembro-me de, para além das horas intermináveis à beira da estrada, muitas vezes no meio do nada, à espera da próxima boleia, ter apanhado alguns sustos, o maior de todos numa boleia que me deu um camionista, numa camioneta de carga muito velha, que se deslocava lentamente pela N1 (não havia então autoestradas), com uma enorme fila de carros atrás a apitar e a circular aos ziguezagues, porque, descobri já em andamento, o homem estava completamente embriagado. Felizmente este percurso foi curto.

Quando já tinha algum dinheiro, deslocava-me de comboio, pela linha do Oeste, uma longa viagem de várias horas, por vezes com transbordo na Bifurcação de Lares, uma estação que era uma espécie de ilha no meio do Mondego, onde se fazia a ligação entre a linha do Oeste e a linha entre de Coimbra e a Figueira, na qual, muitas vezes, aguardávamos horas por uma ligação, com a Figueira à vista ao longe e com milhões de mosquitos a rodear-nos.

Chegado à Figueira, acampava-se onde desse. Da primeira vez fiz campismo selvagem, na margem sul  do Mondego do outro lado da Figueira, junto de um parque privado, mas do lado de fora para não pagar nada.

De manhã viajava num barco que levava passageiros desse parque para a Figueira, mas à noite, quando acabava o festival, não havia essa ligação e então tinha de percorrer alguns quilómetros a pé, atravessando a velha ponte, hoje demolida para dar lugar à actual, sozinho, em plena escuridão.

Certa vez, ao aproximar-me da tenda, fui cercado por uma matilha de cães e só me safei porque costumava levar um rádio de pilhas, para tornar a jornada nocturna menos penosa, e pus o som no máximo. Os pobres cães, esfaimados, mas ainda mais assustados, lá me largaram, e eu escapei sem uma única dentada.

Mais tarde, quando já tinha mais dinheiro, ía acampar no parque a norte da Figueira, que mesmo assim ficava bastante longe do local onde se realizava o Festival.

Na Figueira encontrava-me com amigos de Torres Vedras, gente do movimento cineclubista, e colegas da faculdade que também costumavam ir ao Festival.

Nos primeiros tempos, em que andava mais teso, lembro-me de a Guilhermina e o Jorge, que íam partir para outras viagens nesse dia,  me terem deixado uma sandes de omelete para o meu jantar, uma iguaria para quem andava sempre esfomeado para poupar.

Quando comecei a ir como repórter do jornal “Badaladas” e, num dos anos, também do “Diário de Lisboa”, a situação era um pouco melhor, pois tinha direito a senhas de refeição, para além dos bilhetes de borla para as sessões de cinema, realizadas em várias salas, mas principalmente no Casino.

Nessa altura era a minha vez de ajudar amigos esfomeados, levando-os comigo às recepções de lançamento de filmes e apresentação dos realizadores, para as quais tinha convites, e onde serviam excelentes e saborosos aperitivos, que substituíam bem as refeições.

Lembro-me também de, em certa ocasião, já não tendo mais dinheiro para pagar o campismo e tendo esgotado as senhas de refeição, preparando-me para regressar no dia seguinte, dando uma volta naquela que seria para mim a última noite no festival para me despedir da Figueira,  ter encontrado, no chão, uma nota de cinco “contos” (cerca de 25 euros na moeda actual), muito dinheiro para época, e que me permitiu ficar mais 3 dias, dando até para pagar refeições a quem me acompanhava.

A maior parte do tempo era passado dentro das salas de cinema e nos debates, começando o dia às 8 da manhã e terminando aí por volta das 2 da manhã.

Por vezes, quando os filmes eram menos interessantes, aproveitava-se para dormitar e recuperar de noites mal dormidas.

Fora das salas, o tempo era ocupado com as refeições, a visita a uma livraria junto ao casino, apenas para ver novidades que não existiam em Torres, pois raramente dava para comprar alguma coisa, e conversar com amigos no café frente ao Casino.

Na mesa cruzavam-se os amigos de Torres , do cineclubismo ou da Faculdade e outros feitos no Festival, como o Mário Dorminski, que criou o Fantasporto, para cuja inauguração me convidou,  o João Lopes, critico de cinema que conhecíamos da presença nos debates do Cine Clube de Torres, o Carlos Pessoa, jornalista fundador do Público, conhecido dos tempos dos fanzines, o António Loja Neves, do mundo cineclubista e, nas mesas vizinhas, juntavam-se figuras mais ou menos conhecidas, como um Eduardo Prado Coelho, presença habitual no festival, muitos cineastas e artistas conhecidos e, num certo ano, a escritora Marguerite Duras, que veio apresentar ao festival um filme realizado por ela

Uma vez cheguei mesmo a fazer parte do júri do festival, como representante do público, o que me obrigava a ver atentamente todos os filmes em competição.

Por vezes passeava-se pela praia, famosa por ter o mar bastante longe.

Certo dia, passeando com um amigo de Lisboa, o Rui da “avenida de Roma”  (não me lembro do apelido e perdi-o de vista, até hoje), que chegou a ser uma espécie de manager dos Xutos e Pontapés (ou os Minas e Armadilhas, já não me lembro), encontrei duas colegas da faculdade, com quem passámos a tarde na conversa e  a fazer horas, porque havia um filme importante que ía ser estreado essa noite, e não o podíamos perder. Em certa altura, essas colegas convidaram-nos para ir passar a noite com elas ao hotel onde estavam, mas nós, mais interessados no filme, declinámos. Claro que elas nunca mais nos falaram, nem quando as encontrava mais tarde na faculdade de Letras.

Outra vez, estando numa das salas do Casino, vendo afixado um belo cartaz do filme “Cerromaior”, olhando para todos os lados, e vendo apenas uma pessoa sentada num sofá, resolvi arriscar e arrancar o cartaz da parede para ficar com ele, com o olhar complacente e um riso irónico nos lábios da tal pessoa.

O filme “Cerromaior” era exibido nesse dia e, geralmente após a exibição, seguia-se um debate com o realizador. Qual não foi o meu espanto quando foi apresentado como realizador o tal “tipo” que. sentado no sofá, assistira horas antes ao meu “roubo”. Era o realizador Luís Filipe Rocha, com quem me voltei a encontrar uns anos depois, em Torres Vedras, quando aqui exibimos um outro filme seu, tendo-nos então divertido muito com essa história do “roubo do cartaz”.

Quando as aulas começaram a ter início em Setembro deixei de poder ir ao festival, que entretanto entrou em decadência, até acabar de vez em 2002, engolido por festivais mais sofisticados, por uma certa decadência do cinema não comercial, e por um consumismo menos dado a experimentalismos da programação do festival.

Muitas outras histórias ficam por contar, mas aqui ficam algumas para diversão de quem nos lê e para avivar a memória de quem participou nesse saudoso festiva de cinema.

sexta-feira, 12 de março de 2021

“Marcelotólogos”


Antigamente, nos tempos da União Soviética, uma sociedade fechada e censurada, desenvolveu-se no ocidente uma disciplina que procurava interpretar os mais pequenos sinais que pudessem permitir interpretar o que se passava no teatro de aparências em quem se movia a elite governante desse país.

Eram os “sovietólogos”, que procuravam interpretar o significado políticos, por detrás das aparências dos gestos da liderança soviética, fosse uma simples mudança de posição numa fotografia oficial, fosse o longo desaparecimento de alguma figura pública das primeiras páginas da imprensa oficial, fosse uma palavra a mais ou a menos num discurso político.

Claro que, tal como em todas “profissões” terminadas em “ólogos” (astrólogos , politólogos…), umas vezes acertavam, outras vezes enganavam-se, mas a actividade devia dar bons empregos na comunicação social, tal a profusão de “sovietólogos”.

Claro que hoje já ninguém se lembra que tais mentes iluminadas nunca previram um Gorbachev , ou o rápido fim da União Soviética.

Contudo, parece que tais “especialistas” estão hoje de regresso com outras vestes, outros fins e outros objectos de “estudo”.

São os “Marcelotólogos”, que se revelaram ontem ao mundo, a tentar especular, cada um com a teoria mais absurda, sobre a razão porque Marcelo Rebelo de Sousa não falou ontem ao país acerca das medidas do “plano de reabertura progressiva” (erradamente referido como “medidas de desconfinamento”).

Hoje uma jornalista abordava o presidente, que está numa visita de Estado em Roma, pondo na boca dos “portugueses” uma dúvida que apenas surgiu na cabeça dos “marcelotólogos”, a ideia que o silêncio do presidente era um “sinal” (dos “céus”!!!) da sua divergência com o governo.

Marcelo respondeu simplesmente com o óbvio. Não falou porque estava de viagem e, matando logo ali a nova profissão, confirmou a sua concordância com as medidsa ontem anunciadas.

Veremos se chega para acabar com a “disciplina” de “marcelotologia”.!!

sábado, 6 de março de 2021

PCP – Algumas reflexões sobre um partido centenário

(Fonte: Ephemera)

Não é por acaso que um partido consegue sobreviver cem anos, ainda por cima sem nunca ter estado no poder, e num mundo como o deste seculo XXI, onde palavras como “solidariedade”, “igualdade” e “direitos” são violentamente esmagadas num dos períodos mais selvagens da história do capitalismo.

A razão dessa longa existência deve-se, quanto a nós, ao facto do PCP ter feito  a diferença, em relação a outros partidos da mesma tendência e entre os partidos da esquerda, em vários aspecto:

- desde logo, a sua formação estrutural de origem, um partido criado no seio do movimento sindicalista e operário, em vez da habitual origem dos partidos comunistas numa cisão em partidos socialistas ou social-democráticos;

- depois, foi um partido que construiu e consolidou a sua história na luta contra uma das mais longas ditaduras do século XX, sofrendo perseguições e violências várias, aos contrário dos partidos “irmãos”, muitos deles construídos, pelo contrário, como violentas ditaduras ditas “socialistas”;

- ao contrário de outros partidos comunistas, arvorando-se arrogantemente como uma “elite de iluminados”, contruindo-se de cima para baixo, o PCP soube consolidar-se junto dos trabalhadores e das populações, não hostilizando e respeitando os seus usos e costumes culturais e até religiosas, mesmo os mais conservadores. É esta atitude que explica também que este partido, ao contrário de outros congéneres, nunca tenha sido anticlerical;

- apesar da retórica ortodoxa de algumas teorias por si oficialmente defendidas, o PCP teve sempre uma capacidade de agir, em democracia, com pragmatismo,  moderação e responsabilidade institucional ;

- sem nunca ter exercido, pelo menos solitariamente, o poder central, soube construir uma imagem de eficácia, de diálogo e abertura, nos locais onde exerceu o poder, como aconteceu no exercício do poder autárquico, onde foi pioneiro na defesa da cultura, do património e do ambiente, hoje realidade normal, mesmo em autarquias dominadas por partidos adversários, mas que, com raras excepções, não o era no início do poder autárquico democrático;

- soube desenvolver uma grande abertura cultural, imagem que se consolidou na forma como organiza a Festa do Avante;

- soube afirmar-se como uma rara força política que se apresenta, de forma coerente, como defensora credível de uma alternativa à afirmação do neoliberalismo, na defesa intransigente do mundo do trabalho e dos seus direitos, dos mais desfavorecidos e do Estado Social, e no combate às desigualdades;

- tem-se revelado impermeável à corrupção e às negociatas de bastidores, sendo as possíveis excepções o “norma” noutros partidos;

Contudo, se estes são os pontos fortes que têm garantido o seu prestígio, mesmo no seio dos adversários, e a sua  excepcional longevidade, existem também graves fragilidades que estão a provocar o seu crescente desgaste:

- continua a negar ou a desvalorizar muitos dos crimes perpetrados em nome do “comunismo” e as razões da decadência e do fracasso do “socialismo real”;

- mantem um discurso imobilista, fabricado com chavões datados e pouco atractivos para as novas gerações;

- sofre de uma tendência revanchista em relação a ex-dirigentes, importantes em certos períodos da sua construção, caídos em desgraça ou dissidentes, ignorando-os ou banindo-os da sua história oficial;

- mostra uma grande dificuldade em renovar os seus quadros dirigentes, revelando pouca abertura à diversidade de opiniões e ao funcionamento da democracia interna, não se distinguindo, neste aspecto, aliás, da maior parte dos partidos ditos “burgueses”;

Esperemos que este centenário tenha o condão de contribuir para que os militantes e dirigentes desse partido reflictam sobre os seus valores e as suas fragilidades.

O enfraquecimento do PCP seria grave, pela orfandade em que deixaria os que vivem do seu trabalho e os sectores mais fracos e desfavorecidos da sociedade, que encontram nesse partido o único defensor coerente na defesa dos seus direitos.

Essa orfandade só beneficiaria os crescente populismo de extrema-direita.

Mas a sua sobrevivência depende muito da sua própria vontade e capacidade de abertura, de renovação e de transparência.