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sábado, 6 de março de 2021

PCP – Algumas reflexões sobre um partido centenário

(Fonte: Ephemera)

Não é por acaso que um partido consegue sobreviver cem anos, ainda por cima sem nunca ter estado no poder, e num mundo como o deste seculo XXI, onde palavras como “solidariedade”, “igualdade” e “direitos” são violentamente esmagadas num dos períodos mais selvagens da história do capitalismo.

A razão dessa longa existência deve-se, quanto a nós, ao facto do PCP ter feito  a diferença, em relação a outros partidos da mesma tendência e entre os partidos da esquerda, em vários aspecto:

- desde logo, a sua formação estrutural de origem, um partido criado no seio do movimento sindicalista e operário, em vez da habitual origem dos partidos comunistas numa cisão em partidos socialistas ou social-democráticos;

- depois, foi um partido que construiu e consolidou a sua história na luta contra uma das mais longas ditaduras do século XX, sofrendo perseguições e violências várias, aos contrário dos partidos “irmãos”, muitos deles construídos, pelo contrário, como violentas ditaduras ditas “socialistas”;

- ao contrário de outros partidos comunistas, arvorando-se arrogantemente como uma “elite de iluminados”, contruindo-se de cima para baixo, o PCP soube consolidar-se junto dos trabalhadores e das populações, não hostilizando e respeitando os seus usos e costumes culturais e até religiosas, mesmo os mais conservadores. É esta atitude que explica também que este partido, ao contrário de outros congéneres, nunca tenha sido anticlerical;

- apesar da retórica ortodoxa de algumas teorias por si oficialmente defendidas, o PCP teve sempre uma capacidade de agir, em democracia, com pragmatismo,  moderação e responsabilidade institucional ;

- sem nunca ter exercido, pelo menos solitariamente, o poder central, soube construir uma imagem de eficácia, de diálogo e abertura, nos locais onde exerceu o poder, como aconteceu no exercício do poder autárquico, onde foi pioneiro na defesa da cultura, do património e do ambiente, hoje realidade normal, mesmo em autarquias dominadas por partidos adversários, mas que, com raras excepções, não o era no início do poder autárquico democrático;

- soube desenvolver uma grande abertura cultural, imagem que se consolidou na forma como organiza a Festa do Avante;

- soube afirmar-se como uma rara força política que se apresenta, de forma coerente, como defensora credível de uma alternativa à afirmação do neoliberalismo, na defesa intransigente do mundo do trabalho e dos seus direitos, dos mais desfavorecidos e do Estado Social, e no combate às desigualdades;

- tem-se revelado impermeável à corrupção e às negociatas de bastidores, sendo as possíveis excepções o “norma” noutros partidos;

Contudo, se estes são os pontos fortes que têm garantido o seu prestígio, mesmo no seio dos adversários, e a sua  excepcional longevidade, existem também graves fragilidades que estão a provocar o seu crescente desgaste:

- continua a negar ou a desvalorizar muitos dos crimes perpetrados em nome do “comunismo” e as razões da decadência e do fracasso do “socialismo real”;

- mantem um discurso imobilista, fabricado com chavões datados e pouco atractivos para as novas gerações;

- sofre de uma tendência revanchista em relação a ex-dirigentes, importantes em certos períodos da sua construção, caídos em desgraça ou dissidentes, ignorando-os ou banindo-os da sua história oficial;

- mostra uma grande dificuldade em renovar os seus quadros dirigentes, revelando pouca abertura à diversidade de opiniões e ao funcionamento da democracia interna, não se distinguindo, neste aspecto, aliás, da maior parte dos partidos ditos “burgueses”;

Esperemos que este centenário tenha o condão de contribuir para que os militantes e dirigentes desse partido reflictam sobre os seus valores e as suas fragilidades.

O enfraquecimento do PCP seria grave, pela orfandade em que deixaria os que vivem do seu trabalho e os sectores mais fracos e desfavorecidos da sociedade, que encontram nesse partido o único defensor coerente na defesa dos seus direitos.

Essa orfandade só beneficiaria os crescente populismo de extrema-direita.

Mas a sua sobrevivência depende muito da sua própria vontade e capacidade de abertura, de renovação e de transparência.

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