Ao longo da História portuguesa, a “bufaria” foi uma das actividades preferidas de gerações de portugueses.
Era assim nos tempos da “Inquisição”, foi assim nos tempos do Estado
Novo, devendo este regime muita da sua longevidade a essa edificante actividade,
e, ficamos a saber agora, mantem-se bastante activa nos nossos dias
democráticos, nas redes sociais e entre autoridades oficiais.
Tudo isto a propósito de mais um “caso”, num país onde a política não
se faz de projectos para o país e para os seus cidadãos, mas da exploração
demagógicas de “casos”.
Tão bufo é quem (Câmara de Lisboa), num ataque de “excesso de zelo”, resolve avisar os visados
por manifestações, como é aquele (um tal Moedas) ,ou aqueles (comunicação
social) que, meses depois do sucedido, denunciam, no momento político mais “adequado”,
mais um caso, para gáudio das redes socias e para aumentar audiências.
Mas vamos por partes.
A notícia de que, em Janeiro último, foram fornecidos dados à embaixada
russa em Portugal, sobre os organizadores
de uma manifestação anti-Putin, é gravíssima e uma vergonha para o nosso país.
Contudo, o “tempo e modo” como essa notícia foi divulgada, e tudo o que
sobre o assunto se tem vindo a saber desde então, levanta uma série de dúvidas
e interrogações.
Pelo que se sabe, tudo tem origem numa lei de Agosto de 1974, sobre a
realização de manifestações, publicada poucos meses depois do 25 de Abril, dois
anos antes de haver uma Constituição.
Mas…calma lá! Não venham já acusar o 25 de Abril ou o “gonçalvismo”!!!.
Era óbvio que, derrubado um regime onde não eram autorizadas manifestações, a
não ser as “manifestações espontâneas” de apoio a Salazar, era necessário
legislar sobre aquilo que passou a ser uma “novidade”, o direito de
manifestação.
Desconheço as alterações que essa lei conheceu ao longo dos tempos,
mas, no essencial, até 2011, ela era da competência dos Governos Civis.
Extintos estes, da forma atabalhoada que toda gente sabe, para “ir além da
Troika”, “rapidamente e em força”, a competência de autorizar e organizar as
manifestações passou para as Câmaras Municipais das capitais de distrito.
Que se saiba, a lei exige que se informe o município onde se realiza a
manifestação, 48 horas antes, sobre o seu percurso e sobre os responsáveis pela
sua organização. Se for um sindicato, um partido ou uma associação, não é
necessário outro conjunto de dados, sendo fácil responsabilizar essas
instituições pelo decorrer da mesma. Contudo, se a manifestação for convocada sem
cobertura de instituições legais, a informação deve conter o nome de três
organizadores, com as respectivas moradas e profissões, para se saber quem
responsabilizar e para as autoridades poderem organizar os fluxos de trânsito e
a segurança das mesmas.
Até aqui nada de mal.
O problema está no hábito de se avisarem as entidades, alvo da
manifestação, o que também se pode justificar, mas essa informação nunca pode
incluir os nomes dos organizadores, principalmente se estivermos perante
regimes autoritários, que não respeitam os Direitos Humanos e, até, perseguem,
raptam e assassinam os seus opositores fora do seu território nacional, que é o
que acontece com a Rússia, mas também com regimes “amigos” como Israel e até já
aconteceu com os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha, sob o mesmo
pretexto de Putin de “combater o terrorismo”, sem esquecer a perseguição
política da nossa vizinha Espanha em relação aos nacionalistas catalães.
O que é estranho, em tudo isto, é o momento escolhido para denunciar
essa situação.
Debitemos, então, algumas das estranhezas que este assunto nos
desperta:
- se o caso se reporta a Janeiro último, foi conhecido pela Câmara de
Lisboa em Abril, reconhecendo esta o “erro” e procedendo a mudanças de
orientação quanto à forma de agir, a partir dessa data, e sendo o tema, segundo
as palavras de um dos manifestantes visados, do conhecimento da comunicação
social desde essas datas, porque é que só agora, no início de uma campanha
autárquica, é que essa mesma comunicação social denuncia a situação?;
- se, já anteriormente, havia queixas desse procedimento, desta vez por
parte de manifestantes em favor da causa palestinianas, e da forma como Israel
e os seus assassinos da Mossad foram avisados, porque é que a mesma comunicação
social e os mesmos políticos, que agora denunciam o caso dos manifestantes
russos, não o fizeram, anteriormente, numa situação idêntica?
- por último, percebendo que os manifestantes denunciados às
embaixadas, por “erro burocrático” ou excesso de zelo, se sintam preocupados
com as suas vidas e as dos seus familiares, não percebo porque não se coibiram de dar a cara
na comunicação social, como se os serviços secretos russos precisassem dos
dados do mail da Câmara para conhecerem e identificarem os manifestantes ou
como se a embaixada não visse a televisão portuguesa?
É urgente averiguar quais foram os casos em que aquele procedimento burocrático colocou em perigo a vida de pessoas perseguidas, condenar os responsáveis, se se justificar, bem como alterar a lei de forma a proteger os cidadãos da violação de Direitos Humanos, sem desvirtuar o direito de manifestação.
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