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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

O 25 de Novembro dos pequeninos


Anda por aí um grande reboliço à volta das comemorações do 25 de Novembro.

Uma certa direita revanchista e intolerante, apoiada na ignorância atrevida das redes sociais,  pretende fazer dessa data uma espécie de anti-25 de Abril, tentando reescrever a história.

Muito do que se passou nesse tempo ainda é desconhecido ou vive sob uma cortina de fumo lançada pelo combate e pelo preconceito ideológico que marcavam a época e, hoje, cada vez mais, marcam a interpretação desses factos.

Contudo, já existe um bom leque de historiadores que nos esclareceram, de forma objectiva sobre o verdadeiro significado dessa data, um Pacheco Pereira, uma Irene Flunser Pimentel, uma Maria Inácia Rezola, um António Costa Pinto…., sem esquecer a memórias de muitos protagonistas, de um Vasco Lourenço a um Salgueiro Maia, de um Costa Gomes a um Victor Alves, e tantos outros.

Por eles, pelo menos, ficamos a saber o que não foi o 25 de Novembro:

Não foi o tão apregoado fim do PREC ou do Gonçalvismo. Estes já estavam em declínio ou arredados do poder;

Não foi uma tentativa de tomada do poder pelo PCP, este apenas pretendia garantis a sua influência junto dos sindicato e de certos sectores do Estado;

Não foi uma tentativa de controle soviético do país, pois essa não era o objectivo do poder soviético para Portugal;

Não foi um golpe de estão esquerdista, apenas um protesto mal amanhado de uma parte militar;

Não foi o fim das conquistas do 25 de Abril;, pois estas foram consagradas na Constituição de 1976;

Não foi o regresso do “fascismo”, pois o grupo revanchista que se colou ao 25 de Novembro, o de Jaime Neves e outros, foi igualmente travado nessa data;

Não foi a vitória da democracia sobre o “totalitarismo”, pois não, só não existia um regime totalitário, como a democracia só se viu totalmente consagrada e consolidada entre 1976 e 1981;

Tudo isso são mitos cridos por ambos os lados da barricada.

Não foi muitas outras coisas que vamos ouvir hoje a ser dita na Assembleia da República nas bancadas mais à direita….

Quanto muito o 25 de Novembro foi o momento de recolocar nos carris o projecto inicial do 25 de Abril, que só se completaria em 1976 com as eleições para os vários órgãos de poder democrático e popular e a aprovação da Constituição.

O 25 de Abril foi um dia inicial, o 25 de Novembro foi um dia de passagem a caminho desses objectivos iniciais.

Fazer do 25 de Novembro aquilo que alguma direita pretende, e apoucar a sua verdadeira dimensão, é fazer um 25 de Novembro dos “pequeninos”.

 

 

 

O RESPIGO DA SEMANA : "O que se está a comemorar não é o 25 de Novembro...", por José Pacheco Pereira

 

"A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025, mais aquilo que traduz esta capa do Diabo, a ideia de que a liberdade e a democracia nasceram impolutas apenas no 25 de Novembro de 1975. O 25 de Abril não dera aos portugueses a “verdadeira liberdade”.

Era isto que, em 1974 e 1975, diziam, afirmavam e em função disto actuavam os partidários da ditadura que, de 1926 a 1974, oprimia os portugueses. Estas frases têm implícitas várias afirmações. Uma é de que não falo de “saudosistas” da ditadura, porque a palavra é mole. Eram muito mais que “saudosistas”. E digo oprimir porque, durante 48 anos, os portugueses não mandavam no seu país, naquela que foi a mais longa ditadura da Europa no século XX, com excepção da URSS. Não é pouco, é muito, e a capa do Diabo glorifica esse muito, mistificando o que aconteceu no 25 de Novembro de 1975 para atacar o 25 de Abril.

Há quem vá dizer que uma coisa é o Diabo, outra o “espírito” do 25 de Novembro, que seria o que presidiria às comemorações da Assembleia da República. Infelizmente para a nossa democracia não é verdade.

Começo por perguntar por que razão o 25 de Novembro é comemorado aos 49 anos, quando o 25 de Abril foi aos 50. As datas de comemoração normalmente correspondem a números redondos, e não se percebe a pressa de antecipar um ano a comemoração do 25 de Novembro, a não ser para o colocar no mesmo plano do 25 de Abril, ou, pior ainda, considerar que se pode comparar o seu significado histórico. Está-se a um passo de materializar a posição que está por detrás da capa do Diabo. O resto da capa, o “escapar à ditadura comunista”, também não tem qualquer fundamento histórico.

O 25 de Novembro pode e deve ser comemorado, mas é como ele foi, “como ele foi” foi sem dúvida importante no processo que, do 25 de Abril à plena democracia, teve várias etapas. O nascimento da nossa democracia, a partir da conquista da liberdade em 25 de Abril, demorou mais ou menos dez anos. Esses anos foram convulsivos, conflituais, mas o que é que se esperava da queda de uma ditadura, que conduzia uma Guerra Colonial, com censura todos os dias, com uma polícia política sem lei, com prisões e repressão, com altas taxas de analfabetismo, emigração em massa e enorme pobreza? Queriam que essa transição fosse “higiénica”, sem pecado? Muito bem, ajudassem a derrubar a ditadura mais cedo, a acabar com a guerra, pagando as consequências, e para isso

Por que razão o 25 de Novembro é comemorado aos 49 anos?

Muitos dos que se queixam do tumulto do pós-25 de Abril, com efeitos trágicos em particular nas colónias, não mexeram uma palha. O nascimento da democracia teve avanços e recuos e várias etapas que se estendem desde a revolução à derrota do 11 de Março (silêncio), às eleições para a Assembleia Constituinte, à vitória do 25 de Novembro, à vitória da AD, ao fim da tutela militar da democracia e, por fim, à eleição do primeiro Presidente civil.

Nesses avanços e recuos, o 25 de Novembro foi crucial para travar não uma “ditadura comunista” — o PCP continuou no governo e algumas das mais importantes nacionalizações são posteriores a Novembro —, mas sim o risco de um confronto entre fracções militares que se podia transformar numa guerra civil. Aliás, quando se confronta os defensores da versão “diabólica” do 25 de Novembro com as provas da participação comunista num golpe, não passam da “entrevista” de Cunhal a Oriana Fallaci, que qualquer pessoa que conheça o pensamento de Cunhal, com o que se sabe da estratégia do PCP nesses meses e da posição da URSS, sabe que ele não poderia ter dado aquelas respostas. Acresce que, quando confrontada com os desmentidos à sua “entrevista”, Fallaci prometeu divulgar as gravações, o que nunca aconteceu. O PCP tem muitas culpas no cartório no PREC, mas esta não tem.

Na verdade, os derrotados do 25 de Novembro são, a 25, a ala esquerdista ligada ao Copcon, que por razões intrinsecamente militares e corporativas sai à rua, ficando isolada e derrotada. A 26, os derrotados são outros, todos aqueles que queriam ilegalizar o PCP.

A mistificação histórica e política do 25 de Novembro apouca-o, porque o seu significado real justificava uma comemoração digna nos seus 50 anos, em 2025. O problema é que as pessoas a serem homenageadas seriam, com excepção de Jaime Neves — o herói solitário das comemorações “fake” de 2024 —, o Presidente general Costa Gomes, os militares do Grupo dos Nove, que são os mesmos que hoje se recusam a ir a estas comemorações, os seus vivos como Vasco Lourenço ou Sousa e Castro — demasiado “esquerdistas” para os propugnadores das comemorações “diabólicas” —, Ramalho Eanes e, no plano civil, Mário Soares, os seus companheiros da luta da Fonte Luminosa e os homens do PPD, Sá Carneiro e Emídio Guerreiro.

Ou seja, tudo gente que merecia a “verdadeira” homenagem, e não a que tem na sua propositura na Assembleia um destacado membro da resistência armada ao 25 de Abril e os membros da direita radical no CDS e no PSD. Vão todos participar numa mistificação histórica, que é ao mesmo tempo uma menorização do valor do 25 de Novembro. Mas os tempos estão para estas coisas, que a prazo se pagam caro."

José Pacheco Pereira (Historiador).

In Público - Edição Lisboa, 23 Nov 2024

quarta-feira, 24 de abril de 2024

O 25 de Abril é a “Data fundadora da Democracia”.


A afirmação foi de Ramalho Eanes, numa entrevista dada à SIC.

O primeiro presidente eleito quis assim reassumir a importância dessa data, criticando implicitamente aqueles que querem fazer um distinção entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro.

Para ele o 25 de Novembro não pode ser interpretado separado da data fundadora da democracia, respondendo assim, de forma indirecta, àqueles que querem comemorar o 25 de Novembro separando a data do 25 de Abril.

Recorde-se que alguma direita (Moedas e Passos Coelho), a direita radical (CDS e Iniciativa Liberal) e a extrema-direita (CHEGA) têm insistido em desvalorizar o 25 de Abril, enfatizando a “superioridade” do 25 de Novembro em relação ao “dia inicial inteiro e limpo” (citando Sofia de Mello Breyner).

Não deixa, assim, de ser importante que o militar que comandou as operações do 25 de Novembro venha recordar a importância do 25 de Abril, considerando que o 25 de Novembro foi o reassumir do compromisso democrático inicial.

Recorde-se que o 25 de Novembro foi conduzido por militares do 25 de Abril, de  Ramalho Eanes a Salgueiro Maia, de Victor Alves a Melo Antunes e de Vasco Lourenço, entre outros.

Eanes deita por terra a tentativa de uma certa direita fazer do 25 de Novembro uma data revanchista em relação às conquitas do 25 de Abril.

Transcrevemos em baixo a reportagem publicada no site da Rádio Renascença, sobre essa entrevista, que também pode ser ouvida no site da SIC :

 

“O antigo Presidente da República António Ramalho Eanes defendeu, em entrevista à SIC, que “faz inteiramente sentido" que o 25 de Novembro de 1975 seja celebrado, tal como o 25 de Abril de 1974 e entende que quem quer separar as duas datas está "a cometer um erro histórico”.

“Os erros históricos nunca são convenientes, porque a história quando é apresentada na sua totalidade, permite-nos que a ela voltemos, para nela aprender e evitar cometer erros que foram cometidos no passado”, assinalou.

O comandante operacional do 25 de Novembro e primeiro Presidente da República eleito em democracia sublinhou, no entanto, que “há uma data fundadora da Democracia, é o 25 de Abril, que assume perante o povo português o compromisso de honra de lhe devolver a soberania e a liberdade, de fazer com que os portugueses façam aquilo que entendem para viver o seu presente e desenhar o seu futuro”.

“Houve, como toda a gente sabe, sobretudo os mais velhos, aquela perturbação terrível a que chamaram PREC e, houve, obviamente, ameaças significativas à intenção original do 25 de Abril, que era a intenção democrática. O 25 de Novembro reassumiu esse compromisso original”, explicou.

Nesta entrevista, fazendo um balanço dos 50 anos do 25 de Abril, Ramalho Eanes destacou as mudanças positivas, sobretudo, nas áreas da Saúde e Educação e na parte social, referindo que em 1974 havia “uma miséria pungente” que foi atenuada, mas que ainda não desapareceu.

Já sobre o que mudou menos desde a revolução, o general apontou a economia, que não se modernizou, nem se desenvolveu.

A finalizar a entrevista, deixou ainda um apelo aos portugueses: “Se me permite, gostaria de deixar um apelo, tendo em consideração que sou um velho. Tenho quase 90 anos. Gostaria de dizer aos portugueses que é muito importante que se debrucem sobre 25 de Abril, que façam uma reflexão sobre aquilo que se conseguiu”.

“Mas acho que é mais importante ainda fazerem uma reflexão daquilo que querem que venha a ser o país. Uma reflexão que lhes permita ver o que é necessário para que tenhamos um presente melhor. De maior inclusão e, sobretudo, que tenhamos um futuro que corresponda ao desejo dos portugueses. Eu digo isto não por mim, porque sou um velho, nem pelos homens da minha geração. Mas, sobretudo, para as gerações mais novas e para as gerações vindouras, porque a elas cabe assegurar a continuidade da pátria”, concluiu”.

Poe Olímpia Mairos, no site da Rádio Renascença, 22 abril de 2024 - 08:35

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A melhor canção sobre o 25 de Novembro : José Mário Branco - Eu vim de Longe


Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de maio começou
Eu olhei para ti
Então entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha na outra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou pra longe
Pra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não hesitei
E os hinos cantei
Foram feitos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão
Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei pra ti
E então entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou
Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
Tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi pra esta força que apontou
E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei
Se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou pra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
Quando eu finalmente eu quis saber
Se ainda vale a pena tanto crer
Eu olhei para ti
Então eu entendi
É um lindo sonho para viver
Quando toda a gente assim quiser
Tenho esta viola numa mão
Tenho a minha vida noutra mão
Tenho um grande amor
Marcado pela dor
E sempre que Abril aqui passar
Dou-lhe este farnel para o ajudar
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei pra aqui chegar
Eu vou p´ra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar
E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar a solta
Que já não hesito
Os hinos que repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer
Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei prá aqui chegar
Eu vou pra longe
P´ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos pra nos dar


quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O meu 25 de Novembro de 1975


O que aqui escrevo hoje, escrevo de memória e ao correr da pena, não é  um ensaio histórico, é apenas a minha visão, pelo que pode conter algumas ligeiras incorrecções temporais.

Para falar do “meu” 25 de Novembro é necessário recuar um pouco no tempo.

Todo o período entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro apanhou-me numa idade muito especial, entre os 18 e o 19 anos, uma idade que, em qualquer época e geração, é uma idade de descobertas e de utopia, situação que potenciou muito a esperança e a utopia desse período, que foi marcante para o destino da minha geração.

Para essa geração não havia ainda uma componente ideológica muito assumida, não havia uma grande consciência política ou das consequências económicas e sociais provocadas por um período de grande euforia e criatividade, avesso a qualquer lógica de poder e onde dominava o voluntarismo em todas as atitudes.

Também não trazíamos connosco as velhas rivalidades históricas no seio da oposição ao Estado Novo, entre republicanos e comunistas, comunistas e maoistas, e entre todos estes e os socialistas, sem esquecer os trotskistas, os anarquistas, os guevaristas .Estas só começaram a vir ao de cima ao longo do desenrolar do processo revolucionário.

Também não tínhamos uma  grande consciência sobre os impactos da Guerra Fria, cujos representantes se movimentavam na sombra e já eram marcantes nas decisões dos grandes partidos surgidos da revolução (PSD e CDS)  ou saídos da clandestinidade(MDP, PCP, PS).

Para a minha geração, educada no autoritarismo do Estado Novo, cujo destino cada vez mais próximo era ir combater nas colónias ou, entre os mais esclarecidos, exilar-se na Europa para fugir à tropa, o 25 de Abril surgiu como libertação desses medos e sempre associado à total liberdade, em oposição ao clima opressivo, no quotidiano, nas relações sociais e na cultura, que se vivia com o salazarismo.

Ao longo desse período a minha vida cruzou-se em várias realidades, uma como estudante do liceu e membro activo da sua associação de estudantes, outra como membro activo do Cine-clube local, actividade que vinha de antes do 25 de Abril, desde 1973 e outra como um jovem que despertava para a realidade política, esta também iniciada nos finais de 1973 participando activamente e na clandestinidade na organização local do MDP-CDE, colaborando com o PCP, mas não militando nesse partido.

Considerava-me então social-democrata e nutria alguma admiração por Mário Soares, pelo que aderi ao PS logo a seguir ao 25 de Abril, em Junho de 1974.

Se os primeiros meses foram de grande euforia e de grande voluntarismo, o tal “dia inicial inteiro e limpo” tão bem descrito por Sophia De Mello Breyner Anderson, a partir dos princípios de 1975, mas principalmente a partir do 11 de Março, a ingenuidade política começou a perder-se e as clivagens e conflitos começaram a avolumar-se, tendo como pano de fundo a radicalização do confronto político pelo poder entre os grandes partidos políticos e no seio dos próprios militares .

Nos finais de 1974 comecei a entrar em ruptura com o PS e, em Janeiro de 1975, acompanhei a saída de Manuel Serra, que, no primeiro congresso do Partido Socialista na legalidade, realizado em Dezembro de 74, havia perdido a sua candidatura à liderança do partido para Mário Soares.

Aderi então a um dos poucos partidos da esquerda radical que não era stalinistas, e trazia em si uma imagem romântica, a LUAR de Palma Inácio, que muitos consideravam que era uma espécie de “braço armado” do PS.

Devo dizer que só vi uma arma por uma ocasião, numa noite do verão de 75, onde se anunciava um golpe de estado iminente e nos “preparámos” para nos defendermos, passando uma noite em claro na “Galeria 70” com uma pistola, que nunca soube se estava carregada ou não, que eu mexia a medo, receando que disparasse por si, e que ficou á minha guarda até que, no principio da madrugada, um responsável da organização, conhecido por Fernando Belga, e que se deslocava num Porche de matrícula belga, a veio recolher, já que o tal golpe de Estado da direita não tinha tido lugar.

A situação política começou a azedar-se ao longo do ano de 1975, a sociedade dividiu-se em quatro grande tendências, a tendência terrorista de direita, do MDLP e do ELP, a tendência “democrática”, legitimada pelas eleições Constituintes de 25 de Abril de 1975, do PS, PSD e CDS, liderada por Mário Soares , com o apoio do embaixador dos Estados Unidos e da “europa” democrática, e à qual se juntou o chamado “Grupo dos Nove”, formalizado em Agosto de 1975 sob a liderança de Melo Antunes, a tendência "comunista", MDP , PCP e CGTP, organizada à volta de Vasco Gonçalves, e a tendência “esquerdista” e “revolucionária”, que juntava vários grupúsculos da esquerda radical, à volta de Otelo Saraiva de Carvalho, sendo nesta tendência que eu e a Luar então gravitávamos. Havia ainda outras tendências menos significativas, mas bastante activas e barulhentas, os maoistas do PCP(m-l) e do MRPP, para além dos anarquistas, um grupo já muito envelhecido e pouco activo, com quem tive alguns contactos, nomeadamente como assinante de "A Voz Anarquista"  e do jornal "A Batalha", tendo conhecido o velho e histórico Emídio Santana, célebre pelo atentado contra Salazar em 1937.

O Verão de 1975 foi vivido sob constantes rumores de golpes e contra-golpes, com manifestações de rua cada vez mais descontroladas e violentas, com a extrema-direita muito activa, desencadeando vários ataques bombistas, assassinatos políticos e destruição de sedes de partidos de esquerda .

Em 8 de Agosto de 1975 tomou posse o V governo provisório, liderado por Vasco Gonçalves, com a oposição frontal do PS e dos partidos à sua direita e no qual, pela primeira vez, não participava nenhum representante do PS ou do PSD. Também não participava nenhum elemento de topo do PCP, embora fosse apoiado por este partido.

Se olharmos para a composição desse governo ficamos perplexos com a s acusações que sobre ele recaiu de “extremismo de esquerda”. Nela participaram figuras como Mário Ruivo, Mário Murteira, ou Pereira de Moura, ou ainda o conhecido economista, recentemente falecido José da Silva Lopes.

Esse governo, o único verdadeiramente “gonçalvista”,  durou pouco mais de um mês, sendo derrubado em 19 de Setembro e substituído por aquele que seria o último governo provisório, liderado por Pinheiro de Azevedo e com a participação activa do PSD e do PS.

Os meses que se seguiram à tomada de posse deste VIº governo foram de grande vertigem política e de grande radicalismo, uma luta cada vez mais acesa entre a “esquerda” , que fugia cada vez mais ao controle do PCP, e a “direita” que se mostrava cada vez mais agressiva .

A contagem de armas entre as três facções militares do MFA, “otelistas”, “gonçalvistas” e “melo-antunistas”, pareciam conduzir o país para a guerra-civil ou para um golpe militar.

Pessoalmente, comecei nessa altura a desiludir-me com  a vida política e a “fechar-me” mais noutro tipo de actividades, mais ligadas à vida cultural. Por outro lado, tinha acabado o liceu e iniciava um período de “travessia no deserto”, que durou até Outubro de 1976, e de espera para entrar na faculdade, pois tinha sido criado um ano de interregno para entrar no ensino superior, o chamado “serviço cívico”, que daria lugar, mais tarde, ao “ano propedêutico” e que “corresponde” ao actual 12º ano.

Pessoalmente sofreria um drama pessoal com o falecimento do meu pai, no dia 9 de Outubro de 1975, o que muito me destabilizou emocionalmente .

Durante algumas semanas, após o falecimento do meu pai, isolei-me voluntariamente de quase tudo, voltando à actividade cultural e política em  meados de Novembro, indo cair numa realidade cada vez mais tenebrosa e perigosa.

O mês de Novembro de 1975 foi fértil em acontecimentos preocupantes.

Entre 11 e 13 de Novembro os trabalhadores da construção civil cercaram a Assembleia Constituinte, exigindo aumento de salários, abandonando o cerco depois do governo ceder às suas reivindicações, mas deixando grandes marcas no clima crispado que então se vivia.

Depois de termos assistido a um governo que mandou fazer rebentar uma bomba no retransmissor da Rádio Renascença, que tinha sido há meses ocupada por trabalhadores conotados com a esquerda radical, esse mesmo governo, liderado por Pinheiro de Azevedo toma uma decisão mundialmente inédita, entra em “greve” suspendendo a sua acção, em protesto contra a oposição que lhe é feita nas ruas, isto no dia 20 de Novembro.

No dia seguinte, Otelo Saraiva de Carvalho é destituído de comandante da Região Militar de Lisboa, substituído por um homem dos “nove”, Vasco Lourenço, o que é visto como uma provocação pelos sectores militares mais à esquerda.

Também, por essa altura, o chefe do Estado maior da Força Aérea, Morais da Silva, decide passar à disponibilidade mil militares pára-quedistas de Tancos, o que provoca grande descontentamento nesta unidade, conhecida por ter sido apoiante de Spínola no golpe de 11 de Março, mas que agora estava virada à esquerda.

Na noite de 24 de Novembro, antecipando-se ao golpe de estado eminente, a CAP, ligada à extrema direita, corta as estradas de acesso a Lisboa na zona de Rio Maior.

Este foi um episódio nunca devidamente esclarecido e comprometedor para a narrativa dos que defendem que o 25 de Novembro resultou de uma conspiração da esquerda.

Este acto é uma das provas que o 25 de Novembro não foi um golpe perpetrado pela “esquerda”, de forma pensada e ponderada, mas que teve origem no objectivo do sector “moderado” do MFA de levar a esquerda  militar a cair na armadilha da provocação.

E foi isso que aconteceu no dia 25 de Novembro, quando os pára-quedistas, descontentes com a decisão de Morais e Silva, resolvem ocupar Tancos e várias bases aéreas.

Reagindo, mais na defensiva do que num qualquer movimento de tomada de poder revolucionários, várias unidades militares conotadas com a esquerda ocuparam posições. O RALIS toma posições em Lisboa, a Escola Prática de Administração Militar ocupa a RTP e a Polícia Militar toma a Emissora Nacional.

Mas não recebem, nem o apoio de Otelo, retido entretanto pelo Presidente Costa Gomes em Belém, nem do PCP, que, embora de prevenção, se recusa a mobilizar os seus militantes para qualquer acção revolucionária ou golpista.

Costa Gomes decreta o Estado de Sítio em toda a região militar de Lisboa.

Entregues a si próprios, os militares que caíram na armadilha são rapidamente dominados, pois o “grupo do 9” tinha tudo preparado para aproveitar qualquer passo em falso da esquerda militar para tomar conta da situação e conseguir afastar de vez qualquer hipótese de tomada do poder por revolucionários.

O acontecimento mais sangrento aconteceu no dia 26, quando os comandos da Amadora, liderados por Jaime Neves, assaltaram o Regimento de Polícia Militar na Ajuda, provocando 3 mortos. A atitude de Jaime Neves, que terá agido por conta própria, contrastou com a de Ramalho Eanes que resistiu aos apelos de sectores da direita para bombardear as unidades de Lisboa.

Neste mesmo dia Melo Antunes trava a tentativa de aproveitamento revanchista da direita, declarando que o PCP era “indispensável à consolidação da Democracia”.

Pessoalmente, embora o ambiente fosse escaldante, de pré guerra civil, e frequentes os rumores de golpes de estado eminentes, fui apanhado de surpresa pelos acontecimentos desse dia que, inicialmente, encarei como mais uma mera manifestação de desagrado de sectores da extrema esquerda militar pela demissão de Otelo.

Ao longo do dia, entretanto, fui-me apercebendo que algo de mais grave se passava e recordo-me que, no início da noite, passando na Avenida 5 de Outubro, já não me lembro de/ou para onde ía, passar frente ao café Vera Cruz, situado frente ao local onde hoje está a Câmara Municipal de Torres Vedras, toda a gente virada para a televisão onde falava Duram Clemente e de repente este dizer que lhe estavam a fazer sinal, que a emissão tinha de ser interrompida e, de repente,  todo o écran ficar escuro e a  RTP passar a exibir um filme, para grande alegria dos que estavam nesse café, muito frequentado por gente da direita, alguns até, dizia-se, ligados ao MDLP.

Nessa noite, e perante a censura à imprensa então imposta, lembro-me que o pessoal da minha área se juntou na sede da UDP, o único partido da esquerda radical que possuía sede em Torres Vedras, situada no inicio da escadaria da rua dos Cavaleiros da Espora Doura, que dava acesso ao Castelo.

Não era militante da UDP, continuava ligado à LUAR,  mas tinha aí amigos que me tinham acompanhado na associação de estudantes no ano lectivo de 1974/75. Esta associação tinha, no inicio de 1975, sido vencedora das eleições contra um lista da UEC (do PCP), e tinha sido formada por uma coligação de gente de vários grupúsculos de esquerda para onde tinham ido muitos antigos militantes dissidentes  da Juventude Socialista, reunindo gente anarquista, do MRPP, da futura UDP, trostskistas, da LUAR, do PRP e outros sem filiação e com o apoio, não declarado, das juventudes do PSD e do CDS, que votaram na nossa lista.

Como a única informação que rompia a censura eram os comunicados da UDP, participei na distribuição, ao longo dessa noite de 25 de Novembro, pelas ruas de Torres Vedras , dos comunicados desse partido, com a sua versão dos acontecimentos.

Lembro-me de um episódio que me surpreendeu.

Fui distribuir esses panfletos no café Avenida, no final da Av. 5 de Outubro, onde hoje está o prédio com o túnel de ligação entre essa avenida e o Largo da Graça, e que era um café frequentado maioritariamente por gente do PCP, julgando que esse partido estava do mesmo lado do resto da esquerda, mas, para grande surpresa minha, fomos recebido com hostilidade, o que me levou a concluir que o PCP nada tinha a haver com o 25 de Novembro. Soube-se mais tarde que o PCP já se tinha comprometido em nada fazer nesse dia.

No dia seguinte, dia 26,  as notícias continuavam escassas e, à noite, junto ao Largo do café Império, onde me costumava encontrar com o pessoal amigo, alguns de nós resolvemos ir a Lisboa para saber o que se passava. Tínhamos de voltar cedo por causa do recolher obrigatório, mas lá partimos, num carro conduzido pela Guilhermina, nossa amiga e  professora no liceu, um Fiat 127, salvo erro de cor avermelhada, eu, o Carlos Ferreira, e o saudoso Jorge Barata.

Devemos ter partidos pouco depois das oito horas da noite. A viagem para Lisboa levava então cerca de hora e meia, não havia auto-estrada. Chegados a Lisboa, pouco depois das nove da noite, fomos a casa de um amigo da Guilhermina, o Carlos Godinho, que vivia na rua Actor Taborda , perto do Saldanha. Aí recolhemos mais informações, não sei se alguns documentos para distribuir em Torres e metemo-nos à estrada, já eram quase onze da noite, um pouco preocupados porque só chegaríamos a Torres depois da meia-noite, já com o recolher obrigatório em vigor.

Quando entrámos em Loures, numa curva pronunciada, junto ao posto da policia de viação, onde hoje há o desvio para a A8, junto ao jardim, o carro começou a derrapar porque havia uma fuga de água que atravessava o asfalto nesse sítio e o Barata, que segui ao lado do condutor, assustado, puxou o travão de mão e o carro começou a entrar em pião só parando contra uma árvore. A Guilhermina desmaiou com traumatismo na cabeça, eu parti a cabeça, os outros ficaram apenas aturdidos.Escusado será dizer que nessa altura ninguém usava cintos de segurança.

Quando chegou a ambulância já estávamos todos fora do carro, a Guilhermina já tinha acordado e fomos levados para o Hospital de Santa Maria. Aqui a Guilhermina, como tinha desmaiado, teve de ficar internada, eu fui cozido na cabeça  com 5 pontos, e deram-me alta juntamente com o Carlos e o Barata.

Só que agora tínhamos um problema. Lisboa já estava sob recolher obrigatório e não havia transportes.  O polícia de plantão no hospital não nos deixou telefonar para casa e só se comprometeu em telefonar para que uma ambulância nos viesse buscar para nos deixar nalgum sitio em Lisboa. Nós só conhecíamos um lugar, a casa do Carlos Godinho, mas também não lhe podíamos telefonar. O Policia lá mandou vir a ambulância.

Estávamos eu, o Carlos e o Barata sentado no lado de fora das urgências do hospital, quando entra uma ambulância em grande velocidade e a apitar muito, tendo eu comentado “vem aí alguém muito mal”. Para grande surpresa nossa sai o condutor da ambulância a perguntar “onde estão os feridos para levar?”. Olhámos uns para os outros e dissemos: “Ah!! Devemos ser nós!!!”. O polícia deve ter-se explicado mal no telefonema que fez, pois os homens da ambulância esperavam alguém em pior estado e ficaram aborrecidos connosco, mas lá nos levaram à casa do Carlos Godinho.

Atravessámos a cidade de Lisboa, entre o Hospital de Stª Maria e a Rua Actor Taborda, atravessando o Campo Grande, o Campo Pequeno e o Saldanha, conseguindo ver,  atrás das janelas da ambulância, a grande quantidade de  tanques,  carros militares e tropas que estavam nas ruas, com  a ambulância sempre a apitar para não serem parados pelo exército.

Ainda antes de nos deixarem na casa do Carlos Godinho, fomos à sede da “Ordem de Malta” aí perto, à qual pertencia a ambulância,  para poder telefonar para casa, já que só se podia fazer um telefonema. Falei com a minha mãe e pedi-lhe  para avisar o pai do Carlos  e a mãe do Barata, mas, como o recolher obrigatório já estava a decorrer  também em Torres Vedras, a minha mãe só pode avisá-los na manhã seguinte. Era esta a situação numa época em que não havia telemóveis.

Lá fomos na ambulância para casa do Carlos Godinho que nos recebeu com surpresa, pois também não o tínhamos podido avisar.

No dia seguinte de manhã, andámos por Lisboa, antes de apanhar o comboio para Torres e lembro-me que avida nas ruas decorria com a normalidade do costume, só com a interrupção frequente dos voos rasantes dos aviões militares, os célebres "Fiat's".

Regressados a Torres, na noite do dia 27, ainda andámos a vender as edições proibidas do jornal “República” , então ocupado por trabalhadores da esquerda radical, rompendo com a censura geral à imprensa.

Neste mesmo dia Ramalho Eanes é nomeado Chefe de Estado-Maior do Exército.

Reconheço que tememos pelo desenlace desse momento. Ver Ramalho Eanes de óculos escuros, fazendo lembrar Pinochet, ao lado de um cowboy camuflado, Jaime Neves, remetia-nos para o pior dos cenários.

Felizmente havia um Melo Antunes e um Costa Gomes que souberam evitar qualquer revanchismo da direita e o próprio Ramalho  Eanes, apesar da sua figura, que na altura nos parecia algo sinistra, era um militar responsável e moderado.

O Estado de Sítio foi levantado a 2 de Dezembro.

A pouco e pouco tudo voltou à normalidade e a democracia prosseguiu o seu caminho de consolidação.

Em 1976 realizaram-se eleições legislativa, eleições municipais e Ramalho Eanes foi eleito Presidente da República.

Há muito que o “dia inicial, inteiro e limpo” se tinha transformado num “dia penoso, esfrangalhado e muito escuro”, à beira do precipício, e o 25 de Novembro foi o resultado óbvio desse final de “festa”.

Hoje, a esta distância, reconheço que o 25 de Novembro foi um momento necessário para a consolidação da democracia e para se evitar que o país tivesse entrado em guerra civil ou se desse um golpe militar sangrento  ao estilo da América Latina.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Na Morte de Jaime Neves – o homem que “me" quis matar”.



Na edição de hoje do jornal Público pode ler-se uma excelente biografia sobe o recém falecido Jaime Neves. 

Intitula-se esse trabalho, da autoria do jornalista Paulo Moura, “o anti-herói da revolução – Jaime Neves”, contrapondo-o aos dois “heróis” da revolução, Otelo e Salgueiro Maia.

Nessa biografia ressaltam as qualidades militares, mas também a ambiguidade e o carácter tendencialmente violento daquele militar, sendo ainda hoje obscura a razão que o levou a atacar a sede da Polícia Militar em 26 de Novembro de 1975, já depois destes se terem rendido, o que provocou vários mortos e quase um banho de sangue, entre eles um conhecido meu.

Paulo Moura conta que Jaime Neves, já depois de consolidada a vitória dos militares moderados que fizeram o 25 de Novembro, foi pedir ao então Presidente da República, Costa Gomes, “mais sangue”, pois “queria que todos os líderes da esquerda militar fossem presos ou mesmo (segundo alguns testemunhos) executados, que o Partido Comunista, todos os partidos da extrema esquerda e a Intersindical fossem ilegalizados”.

Felizmente imperou o bom senso de um Costa Gomes, de um Ramalho Eanes, de um Melo Antunes ou de um Salgueiro Maia. O próprio Otelo revelou mais bom senso na altura, ao recusar dar ordens às tropas sob o seu comando para reagirem ao golpe do 25 de Novembro. E até Álvaro Cunhal impediu uma reacção dos militantes e simpatizantes do PCP.

Se tivessem vingado as teses defendidas por Jaime Neves o 25 de Novembro ter-se-ia transformado numa sangrenta  e vingativa “pinochetada” e muitos, como eu, que tinham andado envolvidos no sonho que se abriu com o 25 de Abril, talvez já não estivessem cá hoje para escrever isto.

É caso para dizer que, com a morte de Jaime Neves morreu o homem  que me “quis matar”.

 Que descanse em paz!.


Público - Jaime Neves, o anti-herói da revolução

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Há 35 anos: 25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário?

25 de Novembro: E se tivesse sido ao contrário? - Portugal - DN (clicar na frase para ler a notícia)

Há 35 anos, como tem sido meu “hábito” ao longo da vida, estava no lado errado da história.

Claro que nessa altura já não tinha grandes ilusões sobre o desfecho da “revolução” de Abril. Desde o verão desse ano que já não se lutava por ideais ou por uma sociedade mais culta e mais justa, mas apenas pelo poder.

A esquerda dividia-se em grupos e grupinhos, o PCP começava a abandonar o barco e só lá andava para controlar qualquer iniciativa popular que lhe pudesse fugir ao controle. O PS já se tinha “vendido” ao sr. Carlucci.

Com a distancia do tempo passado devo dizer : ainda bem que o desfecho do 25 de Novembro foi o que aconteceu: os sectores moderados do MFA (grupo dos 9) conseguiram controlar o desejo de sangue por parte dos sectores mais radicais (Jaime Neves e outros), Otelo travou o avanço das tropas sob seu comando, evitando um banho de sangue e, eventualmente, a Guerra Civil, e Costa Gomes revelou-se como um elemento fundamental no equilibro de tensões.

O bom senso acabou por imperar, a democracia, mesmo coxa e muito imperfeita, consolidou-se e o país conheceu alguma estabilidade que lhe permitiu, como todos os indicadores sociais o comprovam, algum desenvolvimento que nos colocou perto da prosperidade.

Claro que o neo-liberalismo dos anos 80-90 e a corrupção política que se seguiu e a ele se associou, não deixou que o país se desenvolvesse como gostaríamos.

Hoje estamos mal, mesmo muito mal, mas estaríamos ainda pior se o desfecho desse dia de há 25 anos tivesse sido diferente do que foi.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O "Meu" 25 de Novembro...


Vasco Lourenço, o homem que humanizou o 25 de Novembro


Onde estava eu no 25 de Novembro?

No lado errado da história, como me aconteceu muitas vezes, umas com razão, outras , nem por isso.
Hoje, à distância de 34 anos, ainda bem que aconteceu o 25 de Novembro, aquele e não o que muitos ainda imaginam que foi ou devia ser.

Por essa altura a esperança do 25 de Abril já tinha começado a azedar.
À esquerda e à direita contavam-se armas.
O extremismo tinha tomado conta do diálogo, da liberdade e da descoberta que tinham sido despoletadas em 1974.
À direita praticavam-se impunemente actos de terrorismo, matando gente suspeita de ser de esquerda, incendiando-se sedes partidárias, procurando um “Pinochet” local que a vingasse.
À esquerda ocupavam-se fábricas, casas, terras, umas vezes com razão, muitas, talvez a maioria, apenas para demonstrar quem era o mais radical, arruinando quem não merecia ser arruinado. Estupidamente, essa mesma esquerda espalhava o poder pela rua, ateando fogo à embaixada de Espanha e cercando a sede do poder democrático.
Hoje, muito dessa gente prolifera nos partidos do centrão, nas imprensa, nas “empresas”, nas administrações de empresas públicas, gente séria e engravatada, a debitara loas ao neo-liberalismo e ao mercado livre.

Todo este clima se reflectia nos quartéis, provocando divisões entre a única estrutura de poder credível, o MFA, levando o país à beira, ou da Guerra Civil, ou de um golpe militar da esquerda ou da direita radicais.
O governo tinha um desvairado à sua frente, Pinheiro de Azevedo, que apagava o fogo com gasolina e havia decidido, num acto de plena loucura, declarar uma greve do governo, depois de aprovar a destruição à bomba das antenas da Rádio Renascença.

Hoje sabe-se que o 25 de Novembro não foi uma tentativa de golpe de estado da esquerda, apenas o aproveitamento de uma acção de protesto dos esquerdistas pára-quedistas, que fizeram desencadear um movimento, minuciosamente preparado pelos militares moderados que procuravam repor o caminho democrático da revolução de Abril.
Na extrema-esquerda pretendia-se aproveitar essa reacção ao protesto dos pára-quedistas para impor um regime cujo desfecho não era muito claro, tantas eram as divisões no seu seio. Com isso pretendiam arrastar o PCP e Otelo Saraiva de Carvalho para a sua aventura. Felizmente prevaleceu o bom senso, quer da parte de Álvaro Cunhal, quer da parte de Otelo.
Na extrema-direita, militarmente dominada por Jaime Neves e Pires Veloso, apostava-se num golpe sangrento e vingativo contra a esquerda, nem que fosse à custa da guerra civil.
Felizmente o golpe foi controlado por homens como Vasco Lourenço, Melo Antunes, Salgueiro Maia, ou Ramalho Eanes, contando com a solidariedade de Costa Gomes.
Assim o 25 de Novembro não foi, felizmente, aquilo que muitos desejavam, nem aquilo que muitos ainda hoje dizem que foi, mas foi a única via possível para preservar algumas das conquistas mais importantes do 25 de Abril, como a Liberdade, a Democracia e parte das conquistas Sociais obtidas nesse ano e meio.

Entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, toda uma geração, como a minha, viveu a Revolução Francesa e o 18 do Brumário, a revolução de Fevereiro e a revolução de Outubro de 1917, o Maio de 68 e a euforia e a desilusão, por antecipação, da queda do Muro de Berlim.

Nem que fosse por isso, valeu a pena… mas a festa tinha de acabar. Ainda bem que acabou nesse 25 de Novembro de 1975. Podia ter acabado bem pior…

(Este não é um texto histórico, pelo contrário, foi escrito á flor da pele e de memória).