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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

O pessimismo realista de Arturo Pérez-Reverte.

O escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte esteve em Portugal para participar no Festival Internacional de Cultura em Cascais e promover o seu mais recente romance, dando uma interessante entrevista hoje editada nas páginas do jornal "Público", que pode ser lida integralmente AQUI.

Nessa entrevista, que navega entre excelentes ideias para pensarmos e um pessimismo demasiado negro, mas realista à luz  dos nossos dias, Reverte defende, por exemplo, que repensemos, portugueses e espanhóis, o papel da Peninsula no mundo, defendendo um federalismo ibérico como resposta à decadência desse outro federalismo decadente, o Europeu, já que, para ele, a Liberdade está a morrer no velho continente, muito por culpa da classe política medíocre e ignorante da sua história que hoje lidera o projecto europeu.

O seu pessimismo leva-os a profetizar que o ocidente vai perder a guerra com o islão e o regresso do fascismo e do nazismo à Europa nos próximos 20 anos.

Reverte mostra-se aliás muito critico em relação a todas as religiões, vendo na literatura  o último refúgio a uma sociedade imbecilizada e governada por imbecis ("Não escrevo para que o mundo seja melhor.Eu escrevo romances em legítima defesa").

Da obra de Pérez-Reverte, escritor espanhol nascido em 1951 e que teve uma carreira premiada e reconhecida como repórter de guerra antes de se tornar escritor, conheço a sua trilogia sobre as Invasões Francesas na Península Ibérica, escritas como autênticas, bem documentadas e intensas "reportagens de guerra".

Refiro-me às obras "O Husardo" (de 1986, editada em Portugal em 2006), " A Sombra da Águia" ( de 1993, com edição portuguesa em 2009) e "Um Dia de Cólera" (de 2007, em português no ano seguinte).



"O Husardo" descreve a história de um soldado hussardo combatendo em Espanha, um libelo intenso sobre a guerra, onde se encontra uma das mais brilhantes descrições de uma batalha, baseando-se o autor na sua própria experiência de repórter de guerra.



"A Sombra da Águia" baseia-se numa história real, a de um grupo de prisioneiros espanhóis obrigados a combater no exército napoleónico na frente russa, em 1812, e que, ao tentarem desertar para o lado russo, provocam um mal entendido, que será interpretado por Napolão como uma acto heroico, uma história escrita com ironia corrosiva.



"Um Dia de Cólera", quanto a mim o melhor livro da trilogia, descreve os célebres acontecimentos do 2 de Maio de 1808, com os fuzilamentos  em Madrid, baseando-se numa ampla investigação histórica e onde se faz uma rigorosa reconstituição das ruas de Madrid naquela data.

Existe ainda uma outra obra, não editada em Portugal que tem as Guerras Napoleónicas como tema, mais narrativa e menos ficcionada, "Cabo Trafalgar", de 2004, sobre a célebre batalha marítima. 

 

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

No Bicentenário da Batalha do Buçaco

Comemorando-se hoje o bicentenário da Batalha do Buçaco, recordamos aqui esse acontecimento, com base na descrição feita pelo então futuro gereral Marbot, que era então o segundo ajudante de campo do marechal Massena
"A BATALHA DO BUÇACO

"Antes de romper o dia, tinham os franceses constituído cinco colunas de ataque. Três destas pertenciam ao 6.° corpo, e eram pessoalmente comandadas pelo marechal Ney.

Formavam elas a direita dos atacantes, opondo-se por conseguinte à esquerda dos aliados. Tinham por objectivo o convento, e deviam avançar pela estrada que de Mortágua se dirigia, para, aquele. Atacavam, pois, a esquerda e o centro.

As outras duas colunas foram destacadas do segundo corpo, o do comando de Reynier. Formavam à esquerda do exército atacante, e tinham por objectivo avançar contra a direita dos defensores, vindo pela estrada que conduzia de Mortágua a Santo António do Cântaro.

A cavalaria ficou inutilizada, porque o terreno não permitia intervir na acção. Postou-se na retaguarda ao. centro da linha atacante.

Formavam as tropas francesas num terreno pedregoso o qual descia em declive muito áspero para uma garganta imensa que as separava da montanha de Alcoba. Esta era alta e escarpada desse lado, como temos dito.

Os defensores, dominando inteiramente o campo dos atacantes, distinguiam todos os movimentos, que eles operavam, ao passo que estes apenas viam os postos avançados, que ficavam a meia encosta, entre o convento e a garganta, de tal modo profunda. nesse ponto, diz Marbot, que a vista desarmada podia a custo descobrir nela o movimento das tropas desfilando; e essa espécie de abismo era tão apertado, que as balas dos carabineiros ingleses alcançavam de um lado a outro.

«Podia considerar-se, portanto, essa ravina, prossegue Marbot, como um fosso enorme cavado pela natureza, para servir de primeiro resguardo ás fortificações naturais, consistindo estas em rochedos imensos cortados a pique, quase por toda a parte, em forma de muralha.

«A isto acrescente-se que à nossa artilharia metida em péssimos caminhos e obrigada atirar de baixo para cima, só podia prestar insignificante serviço, e que a infantaria tinha de lutar não só contra uma infinidade de obstáculos e contra uma subida das mais rudes que se possa imaginar; mas ainda contra os melhores atiradores da Europa, porque, até essa época, as tropas inglesas eram as únicas que estavam perfeitamente exercitadas no tiro das armas portáteis; desse modo o seu fogo era infinitamente superior ao dos infantes das outras nações.

«Embora pareça que as regras de combater devam ser semelhantes em todas as nações civilizadas, variam contudo infinitamente, mesmo quando as circunstâncias são idênticas.

Assim, quando os franceses tem que defender uma posição, depois de -terem guarnecido de atiradores a frente e, os flancos, coroam ostensivamente as alturas com o grosso das suas tropas e as reservas, o que tem o grave inconveniente de fazer conhecer aos inimigos o ponto vulnerável da nossa linha.

«O método empregado pelos ingleses em caso análogo parece-me infinitamente preferível, como a experiência o demonstrou muitas vezes nas guerras da Península. Efectivamente, depois de terem, da mesma maneira que nós, guarnecido de atiradores à frente da posição, colocam as suas principais forças de maneira a subtrai-las à vista, tendo-as em todo o caso, bastante próximas do ponto capital da posição para elas poderem cair rapidamente sobre os inimigos se eles conseguirem aproximar-se; este ataque, feito de improviso sobre assaltantes que, depois. de terem sofrido numerosas perdas, se crêem já vencedores, é bem sucedido quase sempre. Tivemos disto uma triste experiência na batalha do Buçaco».

Pertenceu à divisão Merle, do segundo corpo, romper o ataque. Com ela vinha o 31 de ligeiros. Dirigiu-se esta força contra a serra, direita a Santo António do Cântaro. Sustentava-a a brigada do general Foy, da segunda divisão, e a artilharia, impossibilitada de fazer fogo sobre os aliados que a dominavam.

A reserva era formada pela cavalaria do segundo corpo, igualmente manietada também, e pela divisão Houdelet.

A força atacante trepou arrojadamente pela encosta da serra, estimulada a natural ardência pela braveza do declive, ao primeiro aspecto, inexpugnável, e galgando até ao cimo dela, aí encontrou a terceira divisão anglo-lusa, do comando de Picton, com o ,regimento português de infantaria 8, postado na sua vanguarda. Era tal o impulso que a coluna francesa trazia, tal o denodo com que avançava, que conseguiu levar a divisão e o regimento diante de si, desordenando-lhes num momento as fileiras cerradas.

Estava a serra coberta de nevoeiro espesso, uma cerração completa que a coroava e revestia, não podendo os aliados, por esse motivo, ver a aproximação dos assaltantes, nem estes, a verdadeira temeridade da sua empresa, senão por cada dificuldade pessoalmente vencida. Assim ganharam os franceses a crista do monte e tiveram o gozo momentâneo de sentir as colunas dos aliados retrocederem ante o vigor do ataque.

Nisto, duas bocas de fogo, por ordem de Wellington, começam de improviso a metralhar-lhes os flancos; pela frente recebe-os uma fuzilaria viva. Apesar disso avançam, cedendo os nossos. Inclina-se a vitória para o seu lado, anunciam-na em gritaria estimulando-se mais e mais, e ei-los que, cheios de jubilo, se reputam já senhores da brecha natural, por onde as colunas que os seguem hão-de, dentro em breve, entrar na posição inimiga, e alastrar-se por todo o planalto.

Acode Wellington, mandando contra eles dois regimentos ingleses e o regimento português, recobrado já do primeiro assombro. Thomas Picton é quem os dirige, superiormente. Calam baionetas e atiram-se para a frente impetuosos. As colunas dos franceses fraquejam por sua vez, sem contudo deixarem de disputar palmo a palmo o campo. Resvalam para a vertente, onde os homens mal se firmam no terreno que lhes foge sob os pés; os do alto sentem o proveito da posição dominante que os favorece, e não estão resolvidos a ceder; os, outros, rasgados os peitos pelas baionetas e varados à queima-roupa, caem e sucumbem, como que arrastados para um abismo, pelo declive que os engole, formando com os corpos palpitantes, socalcos onde, os que avançam de novo, conseguem por um momento apoiar-se. Mas os que chegam, nem tempo têm para desfechar as armas, ante a coroa de fogo que os saúda, e a muralha viva que os repele. Dura a luta uma hora quase, e os assaltantes, batidos, recuando sempre, convictos por fim de que são inúteis quantos esforços façam, acabam por não insistir na sua baldada temeridade, e por abandonar o terreno, deixando-o profusamente juncado de mortos.

Mas não retiram ainda em debandada. A cinquenta passos, fazem de novo frente aos seus perseguidores. Com uma bravura verdadeiramente desesperada, mas inútil, rompem outra vez o fogo a que os nossos respondem, sustentando com firmeza o seu posto. Bem mais de mil dos assaltantes pagam com a vida o extraordinário arrojo. As tropas inglesas e as nossas chegam a descer a encosta até meio, fuzilando os repelidos com descargas sucessivas, que eles não retribuem já, de tal modo a sua posição é inferior e o seu ânimo se sente abalado.

Então os oficiais, dizimados também pela fuzilaria incansável que os vem acossando pela montanha abaixo logram a custo dispersar as suas tropas em atiradores, fazendo-os seguir isolados pelas ribanceiras e pelas quebras do terreno, sob o chuveiro de balas que do alto desce. Assim conseguem chegar à falda do monte, os que não ficaram dormindo, pelos declives dele, o eterno sono.

O general Graindorge, dois coronéis e oitenta oficiais doutras patentes, além de mais de mil soldados, foram o primeiro tributo que à bravura e a audácia francesas tiveram de pagar nesta avançada inglória.

Diz, Marbot, e diz bem, que depois de tal revés, a prudência ordenava que se não mandassem, de novo, tropas enfraquecidas por numerosas perdas contra inimigos ensoberbecidos pelo êxito e continuando a manter-se nas mesmas posições. O general Reynier, porém, não o entendeu assim, e ordenou ás brigadas Foy e Sarrut que voltassem à carga, sendo esse novo ataque permitido por Massena, testemunha fria e impassível de semelhante loucura.

Uma hora de esforços inauditos durou a segunda escalada do monte, sem desta vez conseguirem atingir-lhe a crista, pois antes disso viram despenhar-se do alto dele a avalancha de fogo, que inutilizou todos os esforços e malogrou o ataque. Repetiu-se o morticínio em número igual ao do assalto anterior, sendo o general Foy um dos feridos de mais gravidade.

Este segundo ataque foi ainda feito contra a frente da mesma terceira divisão, do comando de Picton, apenas um pouco mais longe, sobre a sua direita. Desta vez, porém, a coluna foi repelida por um regimento inglês, e pela brigada portuguesa composta dos regimentos 9 e 21, e comandada pelo coronel Champalimaud. Este valoroso chefe recebeu um grave ferimento, e foi tirado do campo de batalha, semi-morto.

Logo que as forças de Picton se encontraram. empenhadas no combate, o general Leith fez habilmente um movimento lateral sobre a esquerda, apoiando-as, e contribuindo para a derrota dos franceses, pelo papel que fez desempenhar a três dos seus batalhões. 0 general Hill, também, por sua parte conduziu tropas frescas ao ponto atacado, ao passo que Reynier, privado de reservas e de artilharia, via-se sem recursos para continuar a avançada, e tinha as suas colunas completamente desfeitas.

Passava-se isto na esquerda do exército francês, não sendo, nesse meio tempo, mais favorável a sorte ao corpo de Ney, que lhe formava a direita.

Massena tinha resolvido que o ataque fosse simultâneo, em todos os pontos, e ainda ás sete horas da manhã renovara, nesse sentido, as suas ordens. As colunas de Reynier avançaram, como vimos; mas as tropas de Ney apenas começaram a mover-se ás oito e meia.

Desculpou-se o marechal, posteriormente, alegando como motivo da sua demora e das suas hesitações, a enormíssima dificuldade que a posição oferecia à investida nesse ponto. Com efeito, se a serra era escabrosa e empinada na encosta que as tropas de Reynier tiveram de galgar, mais áspera e difícil, sem nenhuma comparação, era a parte da vertente designada para o ataque, ás forças de Ney.

Como quer, que fosse, os franceses tinham acabado do cometer uma falta irremediável, empenhando o segundo corpo na acção, antes do sexto estar em circunstanciais de operar simultaneamente com ele. Nova falta, maior ainda se é possível, é a que o marechal Ney acaba também de cometer, não dando unidade nem simultaneidade ao movimento atacante das divisões Loison, Marchand e Mermet.

No alto da serra; junto ao convento, estava, como dissemos, a divisão ligeira de Crawfurd e a primeira brigada portuguesa, de Pack. Era a posição dominante, e dela penetravam as vistas nos pontos mais baixos e recônditos do vale fronteiro. Subir por ali era empresa temerária e quase louca. Ousasse, porém, o inimigo tentá-la. Crawfurd tinha tomado as mais hábeis disposições para recebe-lo.

Nas ondulações da chapada, que ficava entre ele e o convento, postara, ocultos por elas, dois regimentos ingleses.

À retaguarda destes, coisa de um quarto de milha, em terreno mais alto, e mais perto do convento, colocara a brigada alemã, já por nós mencionada. Confiara-lhe, a ela sozinha, a defesa dessa parte da, posição. Eram estes os seus apoios da retaguarda.

Na frente. das ondulações onde a infantaria se abrigava, havia quebras profundas no solo, rasgando de alto a baixo toda a encosta, e dominando a respectiva subida. Por elas se distribuiu, na crista da serra, como se fossem canhoneiras naturais, a artilharia da divisão. Toda, a frente da montanha era ocupada por atiradores e por dois batalhões de caçadores em ordem dispersa.

Mal rompera o dia, e não se via nada, com o espesso nevoeiro, a que nos referimos já; ouviam-se apenas, tiros de espingarda, vindos de baixo, do vale profundo, subindo a encosta, avançando. Tudo a postos, tudo à espera do imprevisto quase, do desconhecido. Longe, afastada, para, a direita, trovejava a artilharia. 0 que iria passar-se? 0 que se estava passando?

Decorreu mais de uma hora. No entanto, ia-se desfazendo a neblina, perante o sol, que subia,. Estava limpo, quase, o planalto, e o nevoeiro como que descia o dorso negro da serra, em rolos, indo pousar nas profundezas do vale, para se demorar ali. Era matagosa a ladeira, escavada, e coberta de moitas, Por entre estas, cobrindo-se à cautela, agarrando-se aos penhascos; rasgando-se nos espinhos, começaram então a ver-se as três divisões, lentamente, subindo. Na frente delas, isolados, os atiradores, à vontade, e em grande numero.

A divisão Marchand, dentro em pouco, arranca-se das quebradas e dos matagais e atira consigo à estrada, marchando rápida, disposta a tornear a posição pela direita. A divisão Loison continua a avançar em frente, pronta para o ataque directo e peito a peito. A divisão Mermet deixou-se ficar constituindo a reserva da força atacante.

Então da divisão Loison, destaca-se para diante uma brigada, a do comando do general Simon, incumbida do assalto. Filas inteiras são derrubadas pela fuzilaria dos atiradores de Crawfurd e pela metralha da artilharia. Avança ainda a brigada de Ferey e o vigésimo de linha; a metralha varre-os; dos nossos caçadores nenhum tiro é perdido.

Os que escapam vão avançando sempre, galgam os rochedos escarpados, alcançam as cristas da serra, e caem a braços sobre a artilharia, conseguindo apoderar-se de três peças. O general Simon tem o queixo partido por uma bala e cai prisioneiro, agarrado a uma das bocas de fogo acabadas de tomar.

Crawfurd não tivera impaciências; esperara a ocasião oportuna. À frente de 2.000 ingleses e de um batalhão português do terceiro regimento, dispara sobre os franceses três descargas à queima-roupa, mata-lhes ou fere-lhes quase todos os oficiais superiores, lança no meio deles a confusão e a morte, e traz diante de si, nas pontas das suas baionetas, pela serra abaixo, aquelas massas desordenadas, fazendo nelas mortandade enorme.

Vendo isto, a divisão Marchand, que se encaminhava pela estrada, levando o fito em tornear a direita de Crawfurd, reconhece que é uma imprudência continuar marchando em corpo cerrado.

Divide-se, portanto, em fracções, que mutuamente se apoiam, e assim dividida prossegue no seu objecto. Crawfurd, reconhecendo-lhe o intento, manda sustentar a sua direita pela sexta brigada portuguesa de reserva, formada por caçadores 2 e infantaria 7 e 19, e comandada pelo brigadeiro Colman.

A brigada toma posição, e espera o atacante. Mal se vêem assomando na encosta as primeiras avançadas francesas, é imediatamente destacado contra elas, e encarregado de repeli-las, um dos batalhões portugueses, do 19 de infantaria, sob o cominando do tenente-coronel Mac Bean.

O batalhão carrega à baioneta, com tal intrepidez e vigor, que os assaltantes não podem aguentar-lhe a carga, e vêm de tropel pela encosta abaixo, trazer a desordem e o pânico ao resto da divisão.

Soldados aguerridos e vitoriosos, de Iena, de Wagram. e de Friedland soltavam imprecações e mordiam-se de desespero e de vergonha. Queriam tentar de novo o ataque, queriam voltar a combater. Pesava-lhes a vida debaixo daquela afronta, e invejavam a sorte dos companheiros, mortos, abraçados ás suas armas, estendidos por aqueles montes.

Tudo era inútil; o desastre era completo, a derrota formal e não havia remédio para ela. De encontro àquelas muralhas naturais, àqueles penhascos inacessíveis, acabava de despedaçar-se o prestígio da França, a glória de Napoleão.

Ali estavam, confusos, aniquilados, impotentes, reduzidos ao silencio e à inacção, os maiores generais e marechais do império, confrangidos diante dos restos desordenados das suas tropas, eles que tantas vezes as tinham conduzido à vitória, e que naquele dia funesto apenas souberam levai-as a uma derrota miserável, a uma vergonha, a uma humilhação, piores do que a morte.

Cinco mil soldados franceses, dentre quantos tinham visto despontar o sol daquela manhã, não o viram já dardejando os raios do meio-dia. Estavam ali, a quinhentas léguas da pátria, mordendo o chão sagrado do povo heróico, que contra eles se defendia. Duzentos e cinquenta oficiais, entre mortos, feridos e prisioneiros, perdia a França naquela jornada calamitosa para as suas armas e para a sua política.

Em torno de Massena reinava o silêncio das sepulturas; nenhuma voz ousava ser a primeira a quebra-lo; os pensamentos de cada um eram de chumbo; dentro das almas coava incomportável tristeza; tudo estava perdido.

Os mortos eram os mais felizes. Lá estava entre eles, um dos primeiros atravessados pelas balas, o general Graindorge, do exército de Reynier. O coronel Monnier, do 31 de ligeiros, que chegou a levar o seu regimento à crista da montanha, morrendo crivado de golpes, à frente das tropas que conduzia. O coronel Bechaud, do 66 de linha, partido ao meio por urna bomba, o coronel Amy do sexto de ligeiros, a quem foi decepada a cabeça por uma bala de artilharia. O coronel Berlier, morto também. Depois desses, os generais Merle, Maucune e Foy perigosamente feridos; o general Simon, ferido e prisioneiro. Feridos igualmente os coronéis Merle e Desgraviers, e treze chefes de batalhão, alguns dos quais morreram depois, dos seus ferimentos.

De soldados não falemos. Quinhentos homens perdeu o 69, do comando do coronel Fririon, dentre os mil e quinhentos de que se compunha, exposto durante oito horas pelos fraguedos da montanha, ao fogo dos atiradores inimigos.

O tiroteio prolongou-se até à noite, estando os aliados em segurança relativa, atrás das escarpas pedregosas, e das dobras de terreno, que pela encosta abaixo os abrigavam e protegiam. Os soldados franceses, cheios de exaltação, abandonados por assim dizer, respondiam do vale, de seu moto próprio, ao fogo mortífero. Não havia quem lhes desse uma ordem, quem mandasse calar aquele fogo inútil, quem os tirasse dali.

Se a bravura dos aliados era grande, não era menor a dos atacantes, nem a sua teimosia menos deliberada.

Era já ao cair da tarde, e uma companhia francesa ousava ainda, com incrível audácia, alojar-se numa aldeia, que ficava a meio tiro de espingarda da divisão ligeira. Intimada a retirar-se, negou-se a fazê-lo, e dispunha-se a fortificar-se na posição escolhida. Então, Crawfurd, num acesso de verdadeiro furor, mandou assestar doze peças contra o lugarejo, e durante meia hora fez chover balas sobre a posição onde tinham ousado estabelecer-se aqueles arrojados contendores.

Depois de haver tributado ao capitão francês tão insigne honra, diz Napier, o general inglês recuperou finalmente o seu sangue frio e mandou descer da montanha uma companhia do 43 de linha, que varreu a aldeia, dos seus já raros ocupantes, em poucos minutos.

No meio, porém, destas cenas de carnificina, surge a contrastar com elas um episódio quase romanesco e verdadeiramente tocante.

O criado de quarto do general Simon é informado que seu amo, gravemente ferido, está, além disso, prisioneiro de guerra no alto da Alcoba. Resolve partir, a encontrar-se com ele, para lhe prestar os serviços da sua dedicação naquele horrível momento. Aproxima-se das linhas inglesas e é recebido a tiro. Vai desarmado, gesticula, implora, ninguém compreende o que esse homem quer, o que intenta dizer. Redobra o fogo sobre ele, e apenas por milagre nenhuma bala lhe acerta. Vendo que toda a teima em avançar, só pôde trazer-lhe como consequência inevitável a morte, assim repelido, resolve-se a retroceder, e recolhe-se finalmente aos postos franceses.

Aí, o pobre homem, verdadeiramente dedicado a seu amo, chora, lamenta-se, por lhe não ser dado cumprir o seu dever. Ouve-o uma esbelta vivandeira do 26 de linha, rapariga de dezassete anos, desembaraçada e formosa. O 26 de linha pertencia à brigada de Simon; ela, porém, só conhecia o general, de nome.

Pega na pequena bagagem, que o criado de quarto do general trazia para a levar a seu amo, coloca-a em cima do burro da cantina, e pondo este a andar adiante dela, diz apenas: «Vamos a ver se os ingleses se atrevem a matar uma mulher!. . . »

E sem dar ouvidos a nenhuma observação, ela aí vai a caminho, ladeira acima, sossegada, indiferente, sublime de coragem, avançando tranquilamente por entre os atiradores dos dois partidos!

O fogo é suspenso, de parte a parte, como por encanto; abrem-lhe passagem amigos e inimigos, e o tiroteio só continua, quando ela está efectivamente a salvo e fora do alcance dos tiros.

Na crista do monte, ao entrar no campo dos aliados, é saudada por estes e galhardamente recebida. Mandam-na acompanhar junto da barraca onde o general Simon jaz dolorosamente ferido. Levam-na à presença dele, a quem ela conta com simplicidade o que se passou, o modo como conseguiu estar ali. Trata-o, pensa-lhe os ferimentos o melhor que pôde, demora-se ao serviço dele os dias precisos, até que o criado do general veio rendê-la e, então, recusando toda e qualquer recompensa, monta de novo o seu burrinho, atravessa outra vez o exército inimigo já em marcha sobre Lisboa, e consegue juntar-se ao seu regimento, sem ter sido alvo do mais ligeiro insulto.

É um refrigério da alma este episódio humano e pacífico, no meio das aflitivas cenas de carnagem de que foram testemunhas as bravezas inóspitas daquelas duras penedias.

Caíu a noite. Antes disso, numa pequena trégua, andaram juntos, em confraternidade, defensores e atacantes, uns e outros procurando, levantando do campo, tentando arrancar ainda à morte os seus feridos. A noite, diz Marbot, foi horrível. No quartel-general ninguém dormiu. Contavam-se os mortos, calculavam-se as perdas, remordia nos espíritos o pungir das irremediáveis imprevidências, via-se o presente desgraçado, o futuro destruído. Não havia, porém, recriminações ainda. Ninguém ousava fazê-las; cada um aceitava humilde, silencioso, o quinhão que lhe tocava na responsabilidade enorme. Ali estavam juntos, em grupo, olhos postos no chão, abatidos pelo inesperado desastre, os marechais, os generais do império. O «Filho querido da vitória» fora abandonado de todo pela deusa sua mãe. Ali estava a um canto, mirrado, perplexo, vencido do Buçaco, aquele que ainda homem era o vencedor de Wagram!

Começam a despontar do nascente os alvores do novo dia. Traz a manhã, como de véspera, um sudário cândido de neblinas. Nisto, os ecos da Alcoba são despertados pelos clangores das trombetas, pelo rufar dos tambores, e logo em seguida as bandas marciais inglesas e portuguesas, soam estrepitosamente por aqueles recôncavos, tocando urna alvorada de alegrias. Desfilam os regimentos, galopam os esquadrões, roda a pesada artilharia. Atroam os ares, urras e vivas.

É Wellington, que se mostra ás tropas vencedoras, que passa o seu exército em revista. Os raios do sol matinal, acabado de nascer, arrancam faíscas de luz, ás pontas das lanças e das baionetas, rubras ainda de sangue inimigo.

Lá em baixo, no vale profundo, amortalhado em nevoeiro, jaz silencioso e lúgubre o exército francês vencido".

Fonte:

Fernandes Costa,
Memórias de um Ajudante de Campo, Crónica Pitoresca da Terceira Invasão Francesa Tomo I,
Lisboa, M. Gomes, Editor («Biblioteca Militar Ilustrada, vol.III»), 1896, pp.239-253.

domingo, 18 de abril de 2010

Gravuras Antigas da "Illustração Portugueza" - 11 - Monumento do Buçaco

Evocando o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, retomamos hoje a divulgação de Gravuras sobre monumentos portugueses, publicadas na primeira edição da Ilustração Portuguesa de 1884.

A gravura de hoje evoca a Batalha do Buçaco, a qual também comemora este ano o seu bicentenário.

Este monumento foi mandado erigir em 1862, em comemoração “das acções praticadas pelo exercito luso-britannico nas campanhas de 1808 a 1814.

“o monumento mede 15 metros e meio d’altura; é inferiormente cercado por oito peças de artilharia, em quadrado prezas por cadeias de ferro, e fica no centro d’uma vasta plataforma cortada na serra. Remata-o uma estrella de crystal, formada de 12 faces pentagonaes, e tendo um metro de diâmetro”.

A pirâmide e o pedestal são de pedra lioz, das pedreiras de Pero Pinheiro e a estrela foi fundida na fábrica de vidro da Marinha Grande.

(Fonte: A Illustração Portugueza, nº 13 de 3 de Novembro de 1884)

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ordens do Dia de Beresford (8) Dezembro de 1809


Depois de semanas de alguma estabilidade, o Quartel General de Beresford, do qual eram emanadas as Ordens do Dia, revelou alguma movimentação, reflexo dos preparativos para a defesa de Lisboa, como se pode ver na lista abaixo transcrita, elaborada com base na indicação da origem das ordens:

1 de Dezembro de 1809 a 7 de Dezembro – Quartel estabelecido no Calhariz
8 de Dezembro – em Torres Vedras.
9 de Dezembro – em Peniche.
10 de Dezembro – em Caldas da Rainha.
11 de Dezembro – em Alcobaça.
12 e 13 de Dezembro – em Leiria.
14 a 19 de Dezembro – em Tomar.
20 de Dezembro – no Calhariz [?].
21 de Dezembro – na Golegã.
22 de Dezembro – em Torres Novas.
23 a 31 de Dezembro – em Tomar.

A maior parte das Ordens do Dia revelam a preocupação com várias promoções de militares ou as reforma dos mesmos, num afã que denota uma tarefa já muito avançada na reorganização do exército português.

O Elogio aos Regimentos de Infantaria nº 4 e nº 10, pela “excellente disciplina”, mas também pela sua apparencia”, é igualmente prova dessas situação. Beresforde propôs que esses regimentos fossem recompensados com “licença a dez homens por Companhia por quinze dias” (OD, 15 de Dezembro de 1809). Ao longo do mês tais elogios serão extensíveis a outros regimentos.

Também o é o decreto régio aumentando o salário dos oficiais a partir de Janeiro de 1810 (OD de 27 de Dezembro de 2009).

Nesse mesmo mês de Dezembro deu-se conta da sentença proferida em Conselho de Guerra acerca das “atrocidades commettidas contra a pessoa do Tenente General Bernardim Freire de Andrade, muitos Officiaes do seu Estado Maior, e outras pessoas mortas, ou prezas em tumultos populares, com o pretexto de traição” ocorridos no Minho no principio do ano (OD, de 20 de Dezembro de 1809).


Um dos primeiros objectivos de Beresford , a criação de um exército disciplinado e hierarquicamente organizado, parecia estar concretizado no final desse ano de 1809.

sábado, 28 de novembro de 2009

Ordens do Dia de Beresford (7) Setembro a Novembro de 1809


SETEMBRO , OUTUBRO e NOVEMBRO de 1809


O trimestre de Setembro a Novembro de 1809 passou-se nalgum sossego, aproveitando-se para tomar medidas de organização e disciplina no exército, permanecendo o Quartel General, ao longo desse tempo, no Quartel de Calhariz:
“O Exercito tendo voltado aos quartéis, em que actualmente se acha, por motivo de poder mais promptamente tornar a pôr-se em estado de renovar as operações pela facilidade, que assim há de prover os Soldados dos artigos do Vestuario” recomendando-se aos oficiais do comando que “aproveitem a occasião, não somente pelo que respeita ao Vestuario, mas também para a disciplina, e para tudo que póde concorrer para o restabelecimento, e prevenção da saúde dos Soldados; e para este ultimo objecto, o aceio he absolutamente necessário”, responsabilizando os oficiais por manterem os soldados que estão sob seu comando “sempre lavados, barbeados, em fim aceados no corpo, na cabeça, nas mãos, e nos pés”. Para esse fim, considera necessário “que cada Soldado esteja sempre fornecido de sabão (…) assim como outros pequenos artigos para o seu aceio, e do seu Vestuario, como pentes, escovas, &c. O Soldado Portuguez deseja tanto, como qualquer outro, apresentar-se com ar de Soldado, e aceio, que he natural” (OD, 11 de Setembro de 1809).
Recomendava-se ainda que “He bem necessário, que cada Soldado escove o seu fardamento todos os dias, o que sendo-lhes determinado, deve ser castigado se o não fizer. Deve ser prohibido o costume de se deitarem sem se despirem” (OD, 26 de Setembro de 1809).
A falta de hábitos de higiene, bem como os hábitos de desprezar o vestuário, levaram a que “O Marechal Commandante em Chefe “ observando “que os Soldados trazem durante o dia os seus capotes, e mesmo em todas as occasiões” explicasse que “os capotes só são para o serviço da noite, e he impossível, que usando-os como os usão presentemente elles possão durar. Toda esta neglicencia he falta de attenção dos Officiaes, e Officiaes inferiores, e ordena o Marechal Commandante em Chefe, que os capotes andem enrolados, durante o dia, e que não se ponhão senão durante a noite, e do serviço, e que os soldados procurem garupas, para os trazerem, quando estiverem de guarda, e quando marcharem, occasiões nas quaes os devem conservar enrolados durante o dia” (OD, 20 de Novembro de 1809).
Referindo-se às dificuldades no fornecimento de víveres para as tropas apelava-se aos comandantes dos diferentes corpos do exército “para que hajão de se contentar com a etapa dos géneros, que às Administrações, e feitorias for mais fácil fornecer (…) e igualmente para que a Tropa receba a ração de vinho hum dia sim, outro não, devendo satisfazer-se-lhe depois no fim do mez as rações, que deixarem de receber, a razão de vinte réis por cada ração” (OD, 1 de Novembro de 1809).
A disciplina era outro dos problemas habituais:
“O Marechal (…) tem observado que nas differentes Guardas estãoeffectivamente auzentes muitos homens, prática contra todas as regras militares” ordenando que os oficiais visitem com frequência as Guardas, “tanto de noite, como de dia” (OD, 23 de Outubro de 1809).
A constante deserção dos soldados era outra das consequências da falta de disciplina militar:
“O Sr. Marechal observando, que são de nenhum effeito os meios suaves para obstar á deserção dos Soldados do Exército, pois que esta continua com a mesma frequência, cuja causa só póde ser falta de patriotismo, ou fraqueza, procurando assim evitarem combater com o inimigo” avisa mais uma vez que “todo o que desertar depois desta Ordem, soffrerá em todo o rigor a pena que a Lei impõe aos desertores em tempo de Guerra, sem que haja com elles indulgencia alguma” (OD, 22 de Setembro de 1809).
Em Setembro e Outubro de 1809 deram-se vários julgamentos por deserção ou indisciplina , que deram lugar a prisão e degredo para África, ou a libertação por falta de provas.
Houve também condenações à morte, comutadas algumas, como aconteceu em Novembro a duas penas de morte por deserção para, substituídas respectivamente “cincoenta pancadas de espada”, num caso, e seis anos de degredo para Angola, noutro caso. (OD, 12 de Novembro de 1809).
Com o objectivo de aproveitar este período de alguma acalmia militar, procederam-se a várias promoções, principalmente nos meses de Outubro e Novembro, tendo em vista preparar e reorganizar os comandos para os novos confrontos que de adivinhavam para breve.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Exposição Comemorativa do Bicentenário das Linhas de Torres


Amanhã, Dia da Cidade de Torres Vedras, é inaugurada, no Museu Municipal Leonel Trindade, uma importante Exposição Comemorativa sobre o Bicentenário das Linhas de Torres, que contará com a presença do Presidente da República.
Sobre o Conteúdo dessa exposição, VER AQUI mais informações.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ordens do Dia de Beresford (6) Agosto de 1809




AGOSTO 1809


Numa das primeiras Ordens do Dia (OD) apelava-se para “que todos os Cirurgiões tanto dos Hospitaes, como dos Corpos, ou outros quaesquer que tiverem recebido do Governo caixas de Instrumentos em qualquer tempo que fosse, ou que as tenhão em seu poder pertencentes ao Governo, informem sem demora ao Fysico-Mór residente em Lisboa, dando-lhe conta do estado actual dessas caixas” (OD, 2/8/09).

Entretanto, visitando Beresford “hontem o Acampamento, ficou extremamente desgostoso por ver, que os Soldados vagavão por todo o Paíz sem Passaporte, e mesmo os Officiaes, e Officiaes Inferiores; e porque isto pode ter consequências muito tristes, pois que todos os Regimentos devem sempre estar promptos para pegar em Armas a cada instante. Ordena, que nenhum Soldado saia do Campo sem Passaporte por escripto, e que indo buscar Viveres fora do Campo, a totalidade dos Soldados, que for necessária para este, ou outro qualquer objecto de serviço vá regularmente formada, e marche debaixo das Ordens de Officiaes, e Officiaes inferiores conforme o numero de Soldados, e que volte formada do mesmo modo para o Acampamento. Determina igualmente (…) que nenhum Official dê licença vocal de sahir do Acampamento a Soldado algum” (OD, 3/8/09).

A indisciplina que Beresford encontrava frequentemente, era evidente até no abastecimento, quiexando-se do facto de “que distribuindo-se aos Soldados pão para três dias, alguns o vendem, e ficão impossibilitados por este modo de marchar segundo a necessidade o exigir: em consequência do que determina (…) que todas as manhãs se averigúe se cada Soldado tem a quantidade de pão, que deve ter, e que todo aquelle, que dispozer delle debaixo de qualquer pretexto seja rigorosamente castigado” (OD, 3/8/09).

Mais ainda, sendo informado “da irregularidade, com que alguns Corpos procedem, no recebimento dos víveres, mandando-os tomar das Justiças das Povoações, sem que seja pelos respectivos Comissarios das Brigadas; “ determina “que de hoje em diante se ponha termo a este abuzo, advertindo aos Snr.es Coroneis, ou Commandantes dos Corpos, que fará pagar-lhes todo aquelle mantimento, que para o futuro se receber, sem que seja pelo Commissario competente” (OD, 14/8/09).

Constando-lhe ainda que “alguns Soldados vão a casa das padeiras tirar o pão que apromptão para a Tropa e mesmo aos fornos tirar aquelle que se esta cozendo, o que vem a ser causa essencial da Tropa experimentar falta de pão pois que isso faz que não se fabrique tanto quanto podia ser e daquelle que se fabrica se aproveita só a pequena parte dos Soldados maos e fica privada delle grande parte dos Soldados bons, manda declarar que não deixará de fazer hum exemplo, punindo com pena Capital semelhante desordem” (OD, 16/8/09).

Ao longo do mês outra preocupação evidenciada foi com o vestuário das tropas: “(…) sem a menor demora(…) os Snr.es Commandantes dos Regimentos, e dos Batalhões que se achão actualmente em Campanha remetterão ao Snr. Marechal hum Mappa do Fardamento, e mais objectos de Vestuario que faltão ao respectivo Regimento ou Batalhão. Advertindo que deve ser o preciso, para vir a ter cada homem hum capote, huma farda, hum colete, hum par de pantalonas, hum par de polainas curtas, dois pares de çapatos, duas camisas, dois pares de meias curtas, huma barretina, ou chapeo, e huma gravata de couro preto” (OD, 21/8/09).

A falta de hábitos de higiene dos soldados portugueses é evidenciada na seguinte OD: “O Snr. Marechal não somente recommenda, mas insiste que se tenha a maior attenção á limpesa dos diferentes Corpos pois que a falta de aceio he a causa das muitas moléstias que tem sofrido o Exercito, e Ordena por tanto que se obriguem os Soldados a lavarem-se frequentemente, e com particularidade os pés, pernas, cabeça, e mãos (…).Sem limpesa he impossível o conservar-se a saúde, e o estarem cançados não póde servir de desculpa, porque depois de huma marcha longa, e fatigante nada refresca tanto como o lavar” (OD, 21 /8/09).

Ao longo do mês foram ainda decididas várias condenações por deserção, algumas à morte, com o intuito de “fazer hum exemplo” (OD de 15 /08/09)

LOCALIZAÇÃO DO QUARTEL-GENERAL EM AGOSTO DE 1809:

1 a 5 de Agosto – Almeida
6 de Agosto – Cidade Rodrigo
7 a 9 de Agosto – Fuente Grunaldo
10 e 11 de Agosto – Acebo
12 de Agosto – Moraleja.
13 de Agosto – Los Hoyos.
14 e 15 de Agosto – Moraleja
16 e 17 de Agosto – Sarza.
18 de Agosto – Salvaterra.
19 a 31 de Agosto – Castelo Branco.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Ordens do Dia de Beresford (5) - Julho de 1809


Ao longo do mês de Julho, para além da referência de várias promoções e algumas condenações a soldados e oficiais, as Ordens do Dia revelam uma movimentação muito intensa das tropas comandadas por Beresford.
Registam-se várias mudanças de localização do Quartel General, principalmente a partir de 13 de Julho (durante os primeiros treze dias do mês este esteve estacionado no Calhariz): Santarém em 14 de Julho; Punhete em 15 de Julho; Cortiçada em 16 de Julho; Castelo Branco em 17 de Julho; Guarda em 18 e 19 de Julho; Pinhel em de 21 a 22 de Julho; Almeida em 23 de Julho; Cidade Rodrigo em 24 e 25 de Julho; Almeida, novamente , de 26 de Julho (até 5 de Agosto).
A Cavalaria foi uma das armas que mais preocupações acarretou esse mês:
Tendo o Marechal Beresford sido informado “que entre os Cavallos da Cavallaria, que tem chegado a esta Corte se achão alguns com mormo, doença incurável, e que se espalha muito entre os mais Cavallos, se não há a maior attenção em removelos para lugares apartados mandando limpar, e caiar com cal viva as Cavalherices (sic), e particularmente as majadouras aonde estiverão antes de alli entrar outro Cavallo” ordenou “ o mesmo Sr., que se mande immediatamente fazer huma inspecção tanto dos ditos Cavallos, que chegarão a esta Corte, como em todo o Exercito,a fim de que se apartem os que tiverem esta doença dos outros, e que se mandem limpar, e caiar as Cavalherices aonde se acharem. Ordena mais” que “haja todas as semanas duas vezes revista dos Cavallos,para examinar se há alguns com esse mal (…) previndo deste modo o progresso de tão fatal doença na Cavallaria” (Ordem do Dia de 12 de Julho de 1809).
O abuso de alguns oficiais, quer na forma como usavam os soldados ao seu serviço, quer na forma como eram usados os cavalos, esteve igualmente na origem de outros reparos e ordens.
Para evitar esses abusos ordenou-se que nenhum oficial tinha “o direito quando se separa do seu Regimento, por licença, ou por outro qualquer motivo, de levar comsigo Soldados, sem que se lhes permita, e que por pretexto algum Officiaes da Cavalaria poderão fazer que algum se sirva dos Cavallos do seu Corpo (…)”
Mandou-se também “declarar” que “os Soldados que servirem de criados de Officiaes de Cavallaria, devem ser dos desmontados, e que fica prohibido a todo o Official, ou a outro qualquer Individuo de consentir seja a quem for, á excepção do Soldado a quem pertencer, de montar Cavallo algum da Tropa”, proibiindo igualmente, “ás mulheres que acompanhão os Regimentos em marcha de montarem nos Carros, ou Bestas destinados (…) para as bagagens dos Corpos” (Ordem do Dia 1 de Julho de 1809).

terça-feira, 30 de junho de 2009

Ordens do Dia de Beresford (4) - Junho de 1809

Este foi um mês com pouca produção de Ordens do Dia (OD).
A sua maior parte refere-se a ordenar promoções ou a distribuir comandos militares.
Das poucas notas que saiam do carácter mais formal das ordens militares destaca-se uma em que o “Marechal Beresford, Commandante em Chefe do Exercito, admirou-se bastante de ver a somma exorbitante, que se tem pago ás Milicias, que trabalhão nas Fortificações desta Villa [de Abrantes], a qual nas presentes circunstancias do Governo não se póde admittir, nem mesmo em tempo algum. A paga que se dá aos Soldados por trabalharem, he só destinada para os indemnizar daquelle fato que rompem, pois estão dispensados de todo o serviço: Determina por tanto o Snr. Marechal, que até nova Ordem todos os Soldados, como trabalhadores, só recebão dous vinténs cada hum por dia; e que os Artífices, taes como Pedreiros, e Carpinteiros, só recebão quatro vinténs” (OD, 13 de Junho de 1809).
São igualmente ordenadas algumas condenações :
Por ter “insultado com palavras injuriosas” um capitão engenheiro, que lhe tinha dado voz de prisão, e ter fugido, tentando atacar o capitão “com pedradas”, o soldado Joaquim de Matos, da Milícias de Santarém, foi condenado “a trabalhar por espaço de hum mez nas Obras de Fortificação”, em Abrantes.
Também o soldado, José Francisco, da 2ª Companhia dos Granadeiros do Regimento de Infantaria nº 4, por ter “vendido 80 cartuxos, e furtado 50 cartuxeiras” a outro soldados da mesma companhia, foi condenado “a trabalhar por três annos nas Fortificações”.
Um outro soldados, Manoel Aguiar, da 3ª Companhia do Regimento de Infantaria nº23, por ter “desertado em 1806” e por “ter disparado hum tiro contra hum Clerigo de Sande, Comarca de Lamego”, foi condenado a 6 meses de prisão. (OD de 17 de Junho de 1809).
Foi neste clima de paz aparente que decorreu a publicação das Ordens do Dia do mês de Junho de 1809

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Ordens do Dia de Beresford (3) - Maio de 1809


Ao longo do mês de Maio o conteúdo da maior parte das Ordens do Dia (OD) continua a revelar uma forte preocupação com a indisciplina que grassava no Exército Português sob o seu comando, agravada por hábitos seculares que os soldados traziam para as fileiras do Exército.
Um dos actos de indisciplina mais gravosos foi protagonizado pela Brigada do Algarve.
Enaltecendo a conduta da maior parte do exército nos combates contra o inimigo, o marechal não deixou de contrastar essa atitude com a dessa Brigada do Algarve, composta pelos regimentos nº 2 e nº14, os quais, depois de Amarante, “á medida que se aproximavão ao inimigo, era menor o seu desejo de avançar, e hontem não fazião mais do que demorar a Brigada da retaguarda, e impedila de avançar”.
Como castigo ordenou que “até nova determinação em toda a parte, onde se achar esta Brigada, a facha marchar todos os dias que chover a duas legoas do seu Quartel, e voltar para o mesmo Quartel, não permittindo aos Soldados nestas marchas, que se cubrão com os seus capotes”. E porque o Marechal “não póde pôr huma grande confiança em Soldados, que não sómente temem molharem-se, mas que absolutamente não se atrevem a expor-se a isto”, estes dois regimentos não serão “mandados contra o inimigo”.
Contudo o Marechal “faz a justiça de dizer, que em quanto fazia, Sol, elles mostravão bastante ardor para se medirem com o inimigo” (OD, 21 de Maio 1809).
Ou seja, a recusa em combater por parte daquela Brigada não se devia a qualquer acto de cobardia, mas ao facto de não querer combater com chuva e mau tempo!
O costume de atrasar a marcha parece que estava bem arreigado entre as tropas, como o revela uma outra ordem: “tendo observado que nas Tropas Portuguezas hum grande número de indivíduos se atrazão ás marchas, sendo sem dúvida a causa hum máo habito, e negligencia dos Officiaes: Ordena, que a todo o individuo, que se atrazar á marcha do seu respectivo Corpo, sem ser por moléstia, ou outro motivo legitimo, lhe seja descontado o soldo daquelle dia, em que se atrazar á marcha, bem como de todos os mais dias, que estiver sem se apresentar no seu Corpo” (OD, 20 de Maio de 1809).
Será mesmo estabelecido um horário para a marcha: “no Verão a hora da partida das Tropas, que houverem de marchar, seja sempre às quatro horas precisas da manhã, para que chegando ao lugar onde hão de pernoitar, se faça de tarde a revista do armamento; e em caso algum deve o Soldado deitar-se, sem que se tenha conhecido se o armamento está em bom estado” (OD , 1 de Maio de 1809).
A conservação do armamento era outra preocupação revelada em diversas Ordens do Dia.
Numa delas recomendava-se aos “Sr.es Officiaes, que empreguem todos os meios possíveis para que os Soldados conservem as suas Armas em bom estado” ordenando “ que se a pezar de todas as medidas, acontecer que appareção Armas quebradas, estas se consertem immediatamente à custa dos Soldados, que as tiverem quebrado”, ordenando assim “que por cada cartuxo, que achar falto ou arruinado, se desconte ao Soldados 70 réis” (OD 6 de Maio de 1809).
Também se ordenou aos “ Commandantes das Brigadas, e dos Corpos terão cuidado de não consentir, que soldado nenhum ponha a sua arma em algum carro, ou besta, a não ser que esteja por causa de moléstia absolutamente impossibilitado de a levar, porque aquelle costume he a causa de haverem tantas armas quebradas” (OD 8 de Maio de 1809).
“O Marechal também observou Cabos demasiadamente moços em alguns Regimentos, e alguns mesmo crianças, ignorando as suas obrigações como Soldados” (OD 8 de Maio 1809)
Beresford mostrou-se igualmente “supp rendido (sic)” ao tomar conhecimento que “Officiaes, e mesmo Soldados nas marchas tomam dos Magistrados , e d’outras pessoas palha, e feno, grão e mais espécies de rações, e impedem a distribuição regular destes Artigos: em consequência prohibe em primeiro lugar, que se tomem, ou peção etapas, eforragens por outro canal, que não seja o Commissario annexado á Brigada,ou Divisão. (…) Prohibe também o Marechal,que daqui em diante os Officiaes, ou qualquer outros indivíduos (…), recebão individualmente as suas etapas, e forragens de qualquer outro modo, que não seja por via do seu Quartel-Mestre, ou Official (…). O Marechal faz saber ao Exercito, que todo o individuo, qualquer que elle seja, que for convencido de ter recebido mais viveres, e forragens do que lhe pertencem, será considerado como indigno, e será no mesmo instante punido, ou inforcado, segundo a gravidade do caso” (OD 12 de Maio de 1809).
O mesmo hábito de saquear as populações indefesas, era referido noutra OD, onde refere que “tem tido queixas de que as Tropas tomão arbitrariamente sobre a marcha carros, cavallos, machos, e outras bestas; mas elle mesmo tem sido testemunha disto, e sabe bem os abusos, e vexames, que soffrem os Paizanos, durante a marcha das Tropas; e para remediar, e pôr fim a hum procedimento tão indigno, que impede o acharem-se carros, e bestas, quando” é verdadeiramente necessário, que nenhum oficial ou soldado “tome no caminho carros, bestas ou forragens”. Quando necessário, tais artigos devem ser pedidos com “justa causa”. (OD,26 de Maio d 1809).
Para disciplinar o acesso das tropas ao alimento, um bem precioso em época de guerra, estabeleceu que o “ pão, que se dá aos Soldados, deve ser de trigo, quando se poder achar; e quando não for possível, será da melhor qualidade de farinha, depois da de trigo; mais em caso nenhum se deverá dar mais de arrátel e meio, seja o pão da qualidade que for, poisque aquella porção he quanto elles podem precisar; e o dar mais, será hum desperdício muito prejudicial, por consumir os meios de qualquer Paiz, em que possa haver muita Tropa” (OD 8 de Maio 1809).
Quase em desespero de causa, Beresford queixava-se de que “até ao presente só tem ouvido desculpas de ignorância, e de má percepção a respeito de todas as faltas, que tem achado; elle declara, que não as admittirá mais” (OD de 12 de Maio de 1809).
Ainda nesse mês, a OD de 5 de Maio dá a conhecer a carta régia de 29 de Abril que confere a Arthur Wellesley o cargo de “Marechal General” do exército português, mantendo-se o comando na pessoa de Beresford.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A propósito do Dia Internacional dos Museus - um colóquio sobre "A Guerra Peninsular nos livros escolares e na nossa memória"


Comemora-se hoje o Dia Internacional dos Museus.
Em Torres Vedras as comemorações iniciaram-se no passado Sábado, dia 16, com um colóquio intitulado “A Guerra Peninsular nos Livros escolares e na nossa memória”.
O debate foi moderado por Ana Miguel, tendo participado Mónica Green, de origem inglesa, e Stephanie de Jesus, de origem francesa, ambas professoras em Torres Vedras, bem como Alicia Laspra, espanhola, professora da Universidade de Oviedo, em Torres Vedras para participar na 12ª edição dos encontros Turres Veteras, e eu próprio, nascido em Torres Vedras, professor.
O objectivo era confrontar pessoas, com origem nos quatros países envolvidos na Guerra Peninsular, para falarem, não só na forma como lhes chegou a memória desses acontecimentos, mas também na forma como esse acontecimento é transmitido no sistema de ensino.
Coube-me a mim falar da situação portuguesa, e é com base nos tópicos que recolhi para a minha comunicação que alinhavei as seguintes linhas:

Comecei por fazer um breve levantamento dos programas oficiais de História, divulgados no site do Ministério da Educação, para perceber como se aborda o tema das Invasões Francesas nos programas de ensino.
Assim, no programa do 1º ciclo não existe qualquer referência explicita em relação a esse acontecimento histórico, mas insiste-se na abordagem de temas de História Local, pelo que depende da memória histórica de cada lugar ou do interesse do professor, a hipótese de se abordar esse tema.
Já no 2º ciclo, a referência no programa de História às Invasões Francesas surge de forma explicita e elaborada, integrada no subtema “1820 e o Triunfo dos liberais”. Sugere-se “uma breve referência” ao Bloqueio Continental, relacionando-o com a 1ª Invasão e com a fuga da Corte para o Brasil.
De “forma sucinta” propõe-se ainda a abordagem à resistência contra o invasor, à identificação de algumas batalhas, e ao papel do exército inglês.
Como actividade sugere-se ainda o registo, num mapa, dos itinerários das três invasões francesas.
Tudo isto, com ligação à expansão do liberalismo, o tema principal, e sempre com um tempo muito limitado para abordar o assunto.
Infelizmente, nos restantes ciclos, o tema merece ainda menos atenção.
No programa do 3º ciclo, no tema “O Triunfo das Revoluções Liberais”, apenas se sugere a “análise de mapas que permitam localizar (…) as invasões francesas em Portugal” e “a recolha de testemunhos da tradição popular e da toponímia sobre as invasões francesas”, embora os temas principais a estudar neste capítulo sejam a Revolução Francesa e a Revolução Liberal Portuguesa .
Chegados ao ensino secundário, desaparece, pura e simplesmente, qualquer referência explicita à Guerra Peninsular. No “Módulo 5”, intitulado “O Liberalismo – Ideologia e Revolução, Modelos e Práticas nos Séculos XVIII e XIX”, apenas com alguma boa vontade se poderá encaixar uma referência ao tema no subcapítulo “A implantação do liberalismo em Portugal”, quando se sugere, como conteúdo de abertura, o tema “Antecedentes e Conjuntura (1807 a 1820)”.
Se juntar a esses dados oficiais do ensino de história, a minha experiência como aluno e como docente de História há quase trinta anos, o tema das invasões francesas não tem merecido, nos programas de História, a atenção que justificaria.
Embora de forma empírica, pus-me a pensar nas razões pelas quais os vários regimes político-ideológicos portugueses, destes dois últimos séculos, sentiram algum incómodo na abordagem desse tema.
O Liberalismo, ao identificar-se com o ideário da revolução francesa, terá sentido o incómodo de recordar um episódio no qual muitos dos liberais históricos passaram por “traidores” à “nação”. Incómodo era-lhes também esse tema, pela figura de Beresford, contra a qual se tinham batido os liberais portugueses.
Para a regeneração, por causa do conflito com os ingleses, em relação à partilha africana, não conviria recordar o seu papel na “libertação” do país das tropas napoleónicas.
Aos Republicanos, que se expandiram desde 1891 graças à contestação contra a cedência da monarquia aos ingleses na questão africana, enaltecer os ingleses naquele episódio histórico também não seria muito do seu agrado. Apesar de combaterem ao lado destes na Primeira Guerra, eram igualmente aliados dos antigos inimigos, os franceses, cujo território defenderam militarmente.
O Estado Novo, apesar de enaltecer o “nacionalismo” patente naquele episódio da nossa história, não veria com muitos bons olhos o carácter popular de resistência aos invasores, muito pouco de acordo com a ideário de “ordem” e “autoridade” que defendia.
Por último, a democracia, da qual se esperava uma atitude educativa mais preocupada com o esclarecimento da verdade, pelo contrário, como se vê pelas orientações programáticas acima referidas, parece procurar igualmente escamotear a importância do tema, numa atitude “politicamente correcta” de tentar fazer esquecer as velhas divergência com as Nações Europeias, tentando agradar aos nossos parceiros na União Europeia.
Em oposição à ambiguidade do ensino formal na abordagem do tema, tem sido a tradição oral e a memória popular a manter viva a importância histórica desse acontecimento, situação muito mais evidente aqui em Torres Vedras, onde tudo se conjuga para valorizar essa memória.
Pessoalmente, a minha memória sobre a importância desse tema sempre foi cultivada pela existência de um obelisco comemorativo no “centro” da então vila, pelo impacto da dimensão dominante do Forte de S. Vicente, pelo destaque às Piscinas e às “Águas do Vimeiro”, pertencentes à localidade da Maceira, no concelho de Torres Vedras, mas assim designadas por razões de marketing comercial, devido à proximidade geográfica com um lugar vizinho, pertencente a outro concelho, mas internacionalmente conhecido, o Vimeiro.
Ainda criança, tendo nascido com a televisão, era ainda com orgulho que ouvíamos referência ao local dos seus primeiros estúdios, localizados na “Alameda das Linhas de Torres”.
Comemorando-se agora o duplo centenário desse acontecimento, talvez fosse tempo de abandonar complexos e, de uma vez por todas, o tema ser integrado nos programas de história com o destaque devido.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Ordens do Dia de Beresford (2) - Abril de 1809

(Beresford, numa gravura da Biblioteca Nacional de Lisboa)


Os acontecimentos no Norte , relacionados com a 2ª Invasão, foram relatados numa das primeiras Ordens do Dia (OD) desse mês de Abril de 1809:
“O Marechal dá parte ao Exercito, que o inimigo tendo-se apoderado de Braga, avançou com cautela, e de vagar contra a Cidade do Porto, encontrando pelo caminho pouca resistência, pois que a insubordinação do Povo tornou inútil o seu próprio valor, e o esforço dos seus Officiaes para retardar, e impedir a sua approximação; no dia 26 [de Março]o inimigo chegou ás visinhanças do Porto; a 27 tentou alguns ataques vivos, que forão repellidos pela intrepidez da Tropa. O mesmo aconteceo no dia 28; mas a 29 pela desconfiança, que se introduzio entre o Povo, e a Tropa, augmentando a anarquia, e confusão, que são sempre o seu resultado, frustrarão-se todas as tentativas dos Officiaes, tanto Portuguezes, como Inglezes, para dirigir as operações da grande força que estava na Cidade, e o inimigo entrou com pouca perda. Assim se acha agora o inimigo de posse da Cidade do Porto”.
A insubordinação geral que se viveu no Porto, devido ao facto de o “inimigo” ter “conseguido, debaixo da apparencia do Patriotismo, espalhar entre o Povo e os seus Partidistas”, fazer “nascer a desconfiança, e desunião”, foi apontada como a principal causa daquela cidade, defendida por 24 mil homens e 200 peças, ter caído nas mãos de “hum inimigo de pouco mais da metade” daquele número. (OD de 2 de Abril)
Em grande parte devido ao que se passou no Porto, revela-se, em muitas das OD desse mês de Abril de 1809, a preocupação do novo comandante com o combate à indisciplina e à insubordinações
A primeira Ordem do Dia de Abril de 1809 regista uma insubordinação de um Batalhão de Granadeiros, dos regimentos nº 1 e nº13, “hum procedimento, que elle [Beresford] não esperava encontrar entre as Tropas Portuguezas, o qual se viesse a ser mais universal, tornaria infallivelmente o Reino huma preza fácil ao inimigo”, esperando, pelo contrário, “que mais depressa” voltassem “as suas armas contra o inimigo commum, do que contra authoridade dos seus Officiaes”.
Estando o mesmo marechal “convencido, que o dito Batalhão não vio as consequências do delicto que commetteo,” mandou “castigar rigorosamente os authores” ordenando ao Tenente General António José de Miranda Henriques que tomasse as diligências necessárias para levar “os cabeças, e principaes motores deste motim” a Conselho de Guerra, executando-se, de imediato, o castigo às ditas companhias de não poderem “andar (…) para a retaguarda do Exercito”, considerando-os indignos de se reunirem aos seus Regimentos respectivos, e de terem a mínima esperança de serem conduzidos contra o inimigo; e elle bem sabe, que este he o maior castigo, que elle póde dar a Granadeiro, e Soldados Portuguezes” (OD de 1 de Abril de 1809).
Em 6 de Abril , tendo conhecimento de que muitos oficiais, “e outros indivíduos Militares” estavam separados “dos seus Corpos”, determinou “que elles se recolhão”, mandando prender “todos aquelles, que não cumprirem immediatamente esta Ordem”, anulando as licenças que tinham sido “concedidas a Officiaes inferiores, e Soldados”.
Par combater o absentismo dos militares, ordenou ainda a que todos os cirurgiões que passassem “Certidão de moléstia a qualquer individuo Militar, que não for verdadeiro”, fossem metidos “em Conselho de Guerra”.
Em 9 de Abril lamentava-se o Marechal de, com “ a maior mágoa” ter sabido “que alguns Corpos seduzidos por traidores, que existem ou entre elles, ou entre o Povo, se tem insubordinado, a ponto de abandonarem os Póstos, cuja defesa se lhes tenha confiado”, facto que não devia ficar impune.
Em alocução às tropas no Quartel de Tomar, nessa mesma data, aquele marechal alertava para o facto de, “ultimamente os Soldados” se meterem “ a julgar da capacidade dos seus Officiaes”, escolhendo “os que querem para Commandante”, actos que considerava “hum grande crime, e hum daquelles meios, de que se servem os Francezes para introduzir a insubordinação, e a desordem no Exercito, e paralyzar o valor das Tropas deste Reino” (OD de 9 de Abril).
Alterar velhos hábitos dos soldados portugueses foi outra das preocupações de Beresford.
Mandou alterar o “modo actual de trazer as armas ao hombro”, o qual, “além de muito incommodo ao Soldado, impede a união das filas, que tão essencialmente concorre para a força da Linha.
Daí em diante devia proceder-se do seguinte modo: a “mão esquerda no péga no couce da arma, o dedo pollegar por diante da chapa, o braço esquerdo estendido ao longo da coixa, quando se puder, sem constrangimento, a ponta do couce da arma avançado hum pouco para diante da coixa, o cano bem na frente, e a vareta bem no encaixe do hombro”.
Ordenava-se ainda que o soldado “em todas as suas posições deve estar sem sujeição, pois que a liberdade do corpo, e dos membros he muito essencial para hum movimento regular, e continuado” (OD de 31 de Março).
Também se alterou a situação dos Corpos de Artilharia, que costumavam usar espingardas, facto que só servia “pelo seu pezo de incommodo aos Artilheiros, e de” impedimento a “ que elles sirvão a Artilharia com presteza, quando ao mesmo tempo há falta de espingardas”.
Ordenou-se, por isso, que a partir de então, os Artilheiros não usassem outra arma, a não ser “huma Pistola, que trarão em cinto, e de espada, armas que se destinão tão simplesmente para defensa pessoal, porque a força dos Artilheiros consiste nas peças, das quaes elles não se devem nunca affastar”(OD de 6 de Abril 1809).
Noutra Ordem, defendia-se que era“da maior consequência, que os cartuxos, que se entregáo aos Soldados, sejão guardados com o maior cuidado, para serem empregues contra o Inimigo”, obrigando-se a elaboração de um registo da distribuição dos mesmos, onde se registassem os “que faltarem a cada homem para o número que se lhe entregou, os quaes serão pagos pelas pessoas, cuja negligencia foi causa da dita perda” (OD de 18 de Abril).
Defendia-se igualmente que, nunca “o Soldado deve abandonar a sua Espingarda”, mandando “castigar como cobarde todo aquelle, que depois de se ter achado em qualquer acção, se apresentar desarmado ao seu Regimento, salvo se provar que foi gravemente ferido, ou que cahio em poder do Inimigo” (OD, 22 Abril).
Na OD de 19 de Abril determina-se “que não se conceda licença aos Soldados para trabalharem, como era costume, pois que além de terem actualmente hum soldo avultado (…) convém que elles não se affastem tempo algum da disciplina”, revelando-se assim um velho hábito dos soldados, muitos de origem camponesa, abandonarem o serviço militar por ocasião das tarefas agrícolas (19 de Abril).
Considerando “conveniente, que o calçado assim para a sua conservação, como para a commodidade do Soldado em todos os seus movimentos, principalmente nas marchas, ande sujeito ao pé quanto seja possível, sem com tudo causar incommodo, recommenda que todos sejão obrigados a ligar as orelhas dos sapatos com corrêas”, a OD de 21 Abril revelava a falta de hábito, por parte dos soldados, em usarem calçado.

segunda-feira, 16 de março de 2009

ORDENS DO DIA DE BERESFORD

Há alguns anos consegui adquirir, num alfarrabista de Lisboa, dois volumes das famosas “Ordens do Dia” de Beresford, relativos aos anos que mais me interessavam, 1809, 1810 e 1811, por causa das Linhas de Torres.[1]
A publicação das “Ordens do Dia” foi introduzida, de forma regular, por aquele marechal do exército português, nomeado para esse cargo por decreto de 7 de Março de 1809, assumindo o comando em 15 de Março.
O hábito de editar “ordens do dia” já tinha sido tentada no tempo do conde de Lippe. A novidade, com Beresford, é que a sua publicação se tornou regular a partir de então.
O objectivo da sua publicação era “obrigar as unidades a coleccionar nos seus livros as ordens diárias de modo que não houvesse desculpa (…) dizer-se que se extraviou ou que não fora publicada” em determinado dia[2].
Cada dia tinha a sua “Ordem do Dia”, mesmo que não houvesse nada a registar. Neste caso, à data da ordem, escrevia-se apenas, por exemplo, uma breve frase do género: “Nada de novo”.
Essas medidas foram importantes para disciplinar um exército nacional desorganizado e instável, tendo aquele marechal esbarrado com enormes dificuldades em reorganizá-lo.
Beresford confrontou-se com hábitos enraizados que ele não se cansava de denunciar nas suas “ordens do dia”. Através destas podemos ficar com uma ideia dos usos e costumes dos soldados portugueses dessa época, bem como da indisciplina que existia no seu seio.
As “Ordens do Dia”, mais do que um documento de história militar, revela-se, assim, uma importante fonte para reconstruir a história social e cultural dessa época
Comemorando-se agora o bicentenário da publicação de tão importante documento, vamos tentar, mensalmente, publicar um pequeno resumo das principais informações nele contidas.
Assim, damos hoje início a uma breve análise daquilo que nelas se publicou em Março de 1809.

[1] Colecção das Ordens do Dia do illustrissimo e excellentissimo senhor Guilherme Carr Beresford (…) por António Nunes dos Santos, impressor do Quartel General.
[2] CENTENO, João, O Exército Português na Guerra Peninsular, vol. 1, ed. Prefácio, LX., 2008, pág.153.

ORDENS DO DIA DE BERESFORD - Março de 1809

Na abertura da publicação das “Ordens do Dia” (OD) , Beresford lança uma “Ordem Geral” onde se ”apresenta” como alguém que, antes dessa nomeação, já estudara e conhecia “a fundo a índole e carácter Militar desta Nação”, elogiando os militares portugueses pelos talentos “Militares inherentes aos Portuguezes, aos quaes qualquer ensino, e uniformidade na sua direcção, bastará para mostrarem que elles são hoje o que sempre forão, senão os melhores, ao menos iguaes aos mais valorosos, e intrépidos da Europa”.
Por isso, aquele comandante definia como objectivos do seu cargo procurar “com a maior applicação e desvelo dar”, àquelas qualidades do exército português, “aquella efficacia, e energia, que ellas costumam adquirir, quando são auxilliadas por huma Disciplina bem regulada”.
E para que não restassem dúvidas, pelo facto de aquele cargo não ter sido entregue a um português, declarava-se “hum Official Portuguez” que, aos portugueses, confiava “ a sua honra, e a sua reputação”.
A primeira OD foi lançada do Quartel General do Calhariz, com a data de 21 de Março. Note-se que, nessa data, já se tinha dado a Batalha de Braga, entre 17 e 20 desse mês, que tinha marcado a ofensiva da “segunda invasão” das tropas francesas, comandadas por Soult , as quais, poucos dias depois, a 24 de Março, estavam às portas do Porto.
Nesta primeira OD é nomeado como comandante da artilharia do exército português o brigadeiro José António da Rosa. São nomeados igualmente os “Ajudantes de Ordens “ de Beresford, definindo ainda as divisas e fardamentos dos mesmos.
É ainda declarado que o “lugar de Porta-Bandeira seja considerado lugar de distincção”, recomendando-se, igualmente , aos comandantes de Corpos, que tivessem “a maior attenção, em que os Soldados conservem as Armas em bom estado”.
Na sua OD de 23 de Março faz referência à nomeação de oficiais britânicos para comandar as tropas portuguesas, justificada pelo facto de faltarem oficias portugueses, devido às perdas sofridas, por terem emigrados muitos deles “e por outras causas conhecidas”.
Pelo facto de prever que a tropa portuguesa “poderá muito brevemente achar-se em presença do Inimigo”, ordena ainda correcções e mudanças na forma de organizar o exército em posição de combate.
Na OD de 28 de Março enaltece-se o valor de vários oficiais nos confrontos de Chaves e Braga, bem como dos habitantes do Norte do país que, mesmo tendo os franceses conseguido alguma vantagem, com a conquista de Chaves e Braga, deram provas “do quanto são dignos do nome de Portuguezes , oppondo-se valorosamente a hum inimigo, a quem jurarão eterno ódio”.
Em 30 de Março faz-se um balanço da conquista de Braga pelo “inimigo”, baseada na descrição do barão de Eben, comandante das tropas aliadas naquela região.
Voltaremos a dar conta, em Abril, das informações contidas naquele documento, relativamente a esse mês de há duzentos anos.

quarta-feira, 11 de março de 2009

UM DIA DE CÓLERA

Em “Um Dia de Cólera”, Arturo Pérez-Reverte consegue misturar o romance e a grande reportagem.
Este grandioso fresco literário relata um dos dias mais violentos da história de Madrid, o célebre 2 de Maio de 1808.
Para o seu autor, esta obra “não é ficção nem livro de História”, mas pretende “devolver a vida àqueles que, durante duzentos anos, foram apenas personagens anónimas em gravuras e telas contemporâneas, ou concisa relação de vítimas nos documentos oficiais”.
Baseado em relatos verídicos, com personagens que existiram de facto, Pérez-Reverte faz uma descrição minuciosa dos acontecimentos desse trágico dia.
Apesar da narrativa ser cruzada pelas histórias de muitos anónimos que deram a sua vida por Espanha, que ganham aqui um rosto e um nome, existe, como fio condutor, a acção de dois dos poucos militares espanhóis que, nesse dia, se puseram ao lado do seu povo, os capitães Pedro Velarde y Santillan e Luis Daoiz Y Torres, que resistiram até ao fim, até à sua morte, naquele que foi o último baluarte da resistência madrilena, o parque Monteleón.
Um povo, considerado por Napoleão uma “chusma de aldeões embrutecidos e ignorantes, governada por padres” conseguiu resistir várias horas ao mais poderoso exército do mundo, na maior parte armado com navalhas, facas de cozinha e machados de cortar lenha.
A população que participou nessa insurreição era maioritariamente formada por “gente do povo miúdo, operários, artesãos, funcionários humildes e pequenos comerciantes”, quase não contando com a participação dos mais abastados, dos representantes da nobreza e da hierarquia militar.
A vingança sobre os franceses foi terrível e cruel.
A descrição dos excessos de parte a parte, o sangue derramado, o fumo e a pólvora, enfim a tragédia humana desse acontecimento, conhece um retrato fiel na vivacidade da escrita de Pérez-Reverte , só possível de fazer por quem, noutros tempos, foi um exímio repórter de guerra, experiência que enriquece imenso este romance.
Às três da tarde dessa segunda-feira sangrenta, já os franceses dominavam a situação, iniciando uma das jornadas repressivas mais brutais que Madrid conheceu, imortalizada no célebre quadro de Goya, “3 de Maio”.
Para escrever este romance o autor efectuou “longos passeios pelas ruas de Madrid”, e, para acompanhar a narrativa pelo emaranhado de ruas dessa cidade no ano de 1808, o leitor pode socorrer-se do mapa, incluído no livro, dentro da lombada (pessoalmente, só me apercebi deste precioso auxiliar de leitura quando já ia a meio da leitura).
Com este romance, não temos dúvidas em afirmá-lo, Pérez-Reverte torna-se um dos grandes escritores espanhóis deste século.
Em Portugal, esta obra foi editada pela ASA.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Wellington Contra Massena

Algumas das obras mais interessantes sobre a Guerra Peninsular têm sido escritas em Inglaterra. Infelizmente, raramente encontram editores portugueses interessados na sua publicação entre nós.
Contrariando essa tendência, a Gradiva editou recentemente o livro de David Buttery, “Wellington contra Massena – a Terceira Invasão de Portugal – 1810-1811”, obra editada em Londres em 2007.
Apesar de se assumir como uma obra de divulgação, este livro é uma muito boa e bem documentada síntese sobre esse período da nossa história, agora que estamos próximos de iniciarmos as comemorações bicentenárias das Linhas de Torres Vedras.
Podemos dividir a estrutura deste livro em cinco partes distintas.
Numa primeira parte faz a contextualização da Guerra Peninsular , desde os seus antecedentes com o Bloqueio Continental à expulsão de Soult de Portugal em 1809.
Numa segunda parte traça o perfil biográfico, em capítulos distintos, de Wellington e Massena.
Na terceira parte, a mais importante da obra, aborda o período histórico identificado em Portugal como o da IIIª Invasão Francesa, desde a chegada de Massena a Valladolid, em 10 de Maio de 1810, para assumir o comando do chamado “Exército de Portugal”, até à sua destituição por Napoleão, exactamente um ano depois.
Aqui vamos encontrar uma descrição pormenorizada das tácticas seguidas por ambos os lados, das principais batalhas e da importância das Linhas de Torres, sem nunca esquecer os custos humanos, para as populações locais, desse acontecimento.
Se, em relação às Linhas de Torres, o autor pouco acrescenta àquilo que é conhecido por quem estuda este tema, é de realçar o pormenor descritivo dos cercos e das batalhas, onde se revela a especialização do autor na História Militar do século XIX.
Numa quarta parte, refere a evolução política de Massena, após ter caído em desgraça perante Napoleão, o seu regresso à ribalta política, após a derrota do Imperador e a restauração da monarquia e a amizade pessoal que se desenvolveu entre Massena e Wellington, quando se encontraram em Paris, durante um jantar oferecido por Soult, no principio de 1815.
Então, os dois antigos rivais conversaram sobre as Linhas de Torres Vedras, ironizando Massena que Wellington lhe estava a dever um jantar “pois quase me matou à fome”, ao que o irlandês retorquiu, sorrindo, que devia ser o marechal francês a pagar “pois impediu-me de dormir”. Seguiu-se depois uma animada conversa sobre as estratégias de ambos durante a Guerra Peninsular (pp.246 e 247).
A última parte do livro é dedicada a uma descrição da viagem que o autor do livro fez à Península Ibérica, pelos lugares onde decorreram os principais acontecimentos narrados, com indicações preciosas para os viajantes.
Em Torres Vedras visitou o castelo e o forte de S. Vicente, recomendando aos visitantes para deambularem “pelas ruelas que sobem para o castelo” (p. 265).
Na sua visita aos últimos vestígios das linhas, o autor queixa-se de, em Portugal, “ao contrário de muitos países, os locais de interesse histórico nem sempre são adequadamente assinalados – o que é uma pena, dada a abundância de sítios interessantes” (p.266).
O livro inclui ainda uma detalhada cronologia do período, uma interessante documentação iconográfica (mapas, gravuras e fotografias), e uma vasta e completa bibliografia, de origem britânica, sobre estes acontecimentos.
Um livro de leitura obrigatória.

Iconografia Antiga das Linhas de Torres