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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Legislativas 2022 – “perdas e ganhos”


Nenhuma sondagem, ao longo da última semana, previu uma maioria absoluta para o PS, nem um resultado tão penoso para o PSD.

Quase todas acertaram, no limite, nos resultados dos restantes partidos, mas todas indicavam uma possível maioria de direita no parlamento, fosse qual fosse o resultado, o que não se concretizou.

Tendo sido esta eleição a que registou uma das mais baixas abstenções de sempre nas últimas duas décadas, 42%, e se tivermos em conta mais de um milhão de “votos fantasma”, o que reduz, na realidade, os números da abtenção real para perto dos 30%, também fica desmentida a versão segundo a qual a “maioria silenciosa” que se costuma abster é de “direita” ou mesmo de “extrema-direita”, pois uma redução da abstenção favoreceu o PS e não beneficiou assim tanto o Chega, como se temia.

Quase tudo o que o BE e a CDU perderam em percentagem contribuiu para a maioria absoluta do PS.

Por sua vez terá havido uma percentagem mínima do PS, o voto mais centrista, que voou para o PSD, o que justifica que este partido, apesar de derrotado, tenha crescido em votos e percentagem em relação às legislativas de 2019.

Se somarmos a percentagem do IL e do CDS em 2019 e 2022, ela mantem-se quase idêntica, mostrando que agora houve uma transferência maciça de votos do CDS para o IL.

Este último cresceu, mesmo assim, cerca de 1% para além dessa transferência, votos que terá ido buscar ao PSD.

O Chega terá crescido, em parte com votos oriundos do PSD e do CDS, mas, talvez e principalmente, de alguma abstenção.  

O LIVRE conseguiu aumentar a sua votação, em grande parte com votos oriundos do BE, mas também à CDU e até ao PS.

Uma incógnita é saber para onde se esfumaram os votos do PAN, talvez equitativamente pelo PS e pelo LIVRE.

Embora uma eleição não seja um campeonato de futebol, como muitos comentadores procuram fazer crer, o que é verdade é que houve vencedores e derrotados, embora o exercício da democracia, seja qual for o resultado, é sempre uma vitória.

Diríamos até mais: houve “grandes vitórias”, “vitórias de Pirro”, “pequenas vitórias”, “pequenas derrotas” e “grandes derrotas”.

GRANDES VITÓRIAS:

O PS foi o grande vitorioso da noite, duplamente vitorioso, diga-se em abono da verdade. Para além de vencer as eleições, conseguiu uma maioria absoluta, a segunda da sua história. Ao contrário da maioria de Sócrates, esta maioria só foi possível com o voto útil de esquerda.

Ao contrário de Costa,  Sócrates beneficiou do voto do centro e do centro-direita, tendo governado, por isso, à direita, contra funcionários públicos, sindicatos e trabalhadores, com uma prática de destruição de direitos sociais, com o resultado que se conhece.

Costa já percebeu que deve a sua maioria a um eleitorado diferente do que deu a vitória a Sócrates, e terá de lutar, internamente, como a tralha socrática que já começa a levantar a cabeça, procurando beneficiar com a situação e...como os fundos do PRR.

Outro dos vencedores da noite foi o CHEGA, que se tornou a terceira força política, embora não conseguindo os almejados “10%”.

VITÓRIA DE PIRRO

O CHEGA é assim o primeiro “candidato” à “vitória de PIRRO”, pois nada pode fazer num parlamento de maioria absoluta de um partido à esquerda, a não ser o “chavascal” do costume, agora multiplicado por 12, ainda por cima um partido sem programa, a não ser uma federação de descontentamentos, “formados” em fake news e nalguma ideias aberrantes, um autêntico saco de lacraus, cujo espectáculo, agora público no parlamento, não será agradável de se ver e vai por a nu, durante 4 anos, as suas próprias contradições.

A outra vitória de Pirro vai para o Presidente da República, que, apesar de desejar a estabilidade que este resultado permite,  fica com pouco poder de manobra perante um governo de maioria absoluta.

UM PEQUENA VITÓRIA.

O IL é “candidato” à “pequena vitória” do dia, já que, conseguindo o feito de ficar à frente da CDU e do BE, fica atrás do CHEGA e também fica sem poder de influência, de que podia beneficiar, se, quer o PS, quer o PSD, ganhassem estas eleições sem maioria absoluta.

O IL foi buscar quase todos os seus votos ao CDS, funcionando como reservatório do voto de protesto dos eleitores democratas-critãos, e talvez alguns votos ao PSD, por simbolizar a tendência “passos coelhista”, descontente com o rumo social-democrata do PSD de Rui Rio. Tem 4 anos para mostrar que é mais do que o partido “engraçadinho” e “arejado” com as antigas ideias de sempre do neoliberalismo do século XIX.

Outra pequena vitória foi a do LIVRE, que, apesar da desastrada prestação da candidata que elegeu na última legislatura, tem agora uma oportunidade de mostrar que não é apenas um BE mais arejado, mas que tem, de facto, uma visão nova para a esquerda. Rui Tavares, mesmo num parlamento de maioria absoluta e estando isolado, pode fazer a diferença nesta legislatura.

UMA PEQUENA DERROTA

O PSD não sofreu assim uma derrota tão esmagadora como pode parecer, pois até conseguiu aumentar o número de votos e a percentagem, consolidando-se como alternativa de direita ao PS. Pode-se dizer que foi “uma pequena derrota” para o partido, mas uma “grande derrota” para Rui Rio.

Uma pequena derrota foi, apesar de tudo, a do PAN, que, mesmo assim, conseguiu eleger um deputado, voltando à fórmula inicial, sendo um partido cujas causas é importante que tenham voz no parlamento.

UMA GRANDE DERROTA

Vamos agora às grande derrotas, que podemos dividir em grandes derrotas “esmagadoras”  e Grandes derrotas que podem ser "conjunturais".

A primeira grande derrota esmagadora vai para o CDS que, pela primeira vez na sua história, não tem representação no parlamento, uma tragédia para uma direita civilizada e democrática, tanto pior que essa tragédia ter contribuido para a ascensão de dois partidos radicais, antissociais e antissistema, cada um à sua maneira, o CHEGA e IL.

A segunda derrota esmagadora vai para o BE, o mais penalizado com a sua opção em relação ao orçamento e ao derrube da geringonça, derrota que só não será conjuntural se nada aprender com o que se passou, podendo começar a perder força, quer para o PS, quer para o LIVRE.

Uma derrota que pode ser conjuntural, mas que também pode revelar-se fatal, é a da CDU, perdendo quase toda a sua influência. Se teimar em adiar a sua renovação ,não rejuvenescendo a sua liderança, recusando e aceitar o regresso de dissidentes, como Carlos Brito e sem alterar a sua postura sobre o que foi o comunismo real e o seu silêncio em relação a regimes como o da Rússia de Putin, o chinês, o venezuelano ou o norte-coreano, provavelmente começa aqui um doloroso e injusto processo de auto destruição.

Não podemos esquecer outros derrotados, a maioria dos pequenos partidos, algumas com alguma esperança de visibilidade, como o VOLT, o Aliança, o MAS, mas que se tornaram quase irrelevantes.

Em Portugal abre-se assim um novo ciclo, que se espera de estabilidade, mas que prove, como diz Costa, que as maiorias absolutas não são um prejuízo para a democracia.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

“Previsões” sobre umas eleições imprevisíveis:


Partidos

Sondagem Católica

Sondagem ISCTE

 

Deputados

 

 

PS

36%

95-105

35%

92-106

PSD

33%

89-99

33%

87-101

BE

6%

6-13

5%

4-10

CDU

5%

4-10

6%

6-12

IL

6%

5-10

6%

7-13

CH

6%

7-9

6%

6-12

CDS

2%

0-2

1%

0-1

PAN

2%

1-2

2%

1-3

Livre

2%

1-2

1%

0-1

Outros/brancos/nulos

2%

0

5%

0

 Há muitos anos que não se disputava um acto eleitoral cujo resultado final é tão imprevisível

Embora todas as sondagens apontem para uma vitória tangencial do PS, existe um empate técnico que permite ao PSD acalentar a esperança de vencer estas eleições.

Se tivermos em conta que nenhuma sondagem credível errou, até hoje, por mais de 2%, a vitória tangencial do PS parece garantida, já que, naquelas que são as mais credíveis (a da Universidade Católica e a do ISCTE, mais a primeira que a segunda – Ver em cima) colocam o PSD a mais de 2% de diferença.

Há que recordar também que, historicamente, a CDU costuma ter pior resultado do que nas sondagens, já que existe algum receio de algumas pessoas em se declararem apoiante dessa força política. Situação idêntica pode-se registar em relação ao CHEGA, por razões diferentes, vergonha em declarar-se apoiante de um partido xenófobo e extremista. Por isso o rsultado final dessas duas forças até pode ser significativamente melhor do que aquele que é declarado nas sondagens.

Mas existem outros factores que podem baralhar a situação, como seja a atitude dos quase um milhão de confinados, a atitude dos mais velhos, cuja abstenção parece beneficiar a direita, e a dos mais novos, a votar pela primeira vez, cuja ida às urnas parece beneficiar o Iniciativa Liberal, o Bloco de Esquerda (já não tanto como anteriormente), o PAN ou até o LIVRE.

Há ainda que contar que, como a eleição não é nacional,  mas por círculos eleitorais, até pode acontecer que o partido com mais votos a nível nacional não obtenha o primeiro lugar na distribuição de deputados, situação que também é verdadeira para os partidos mais pequenos, beneficiando os que tem maior concentração eleitoral nos grandes círculos urbanos (principalmente Lisboa e Porto, como acontece com a Iniciativa Liberal e o Livre), ou em certas zonas geográficas (como acontece com a CDU no Alentejo).

Pode assim acontecer que, mesmo com percentagens inferiores, uns partidos consigam eleger mais deputados que partidos que obtenham percentagens superiores, mas cuja votação esteja mais dispersa (como como pode acontecer com o BE, o Chega, o PAN e o CDS).

Para o PS, uma grande vitória seria obter uma maioria absoluta, situação que parece improvável. Uma vitória significativa seria, sem maioria absoluta, só necessitar de negociar, ou com um partido, ou apenas com o PAN ou o Livre, os único que lhe dão garantias de estabilidade, embora a CDU ou o BE, mudando de atitude, também possam entrar nessa equação. No mínimo espera-se que seja o vencedor, mesmo de forma tangencial.

Para o PSD, a grande vitória será…ganhar mesmo!, seja ou não uma vitória tangencial, mas já pode cantar vitória se, perdendo, não ficar muito distante do PS, ou se, até perdendo, vier a liderar uma direita maioritária no parlamento.

Uma vitória para o BE seria ficar em terceiro lugar, mas, mesmo assim, é provável que veja a sua representação parlamentar muito reduzida.

Para a CDU seria igualmente uma vitória ocupar essa posição, ou, no mínimo, ficar à frente do CHEGA e o IL. Ao que parece, e seja qual for o resultado, não será tão penalizado como se temia no principio.

Para o Iniciativa Liberal uma vitória é ficar acima dos 6% e eleger um mínimo de 5 deputados, vitória ainda maior se conseguir ficar `frente do BE e/ou da CDU, maior ainda se depender de si a formação de um governo de direita.

O CHEGA colocou a fasquia muito alta, nos 7% e no terceiro lugar. Mesmo que seja um dos partidos a subir na votação e na representação parlamentar, o facto de insistir naquela fasquia, caso esta não seja conseguida, vai reduzir a sensação de vitória .

Para o PAN e o CDS, a situação avizinha-se dramática, já que parecem ser os partidos que, juntamente como o BE, mais votantes podem perder para o voto útil, no caso do CDS perdendo também para novas formações politicas da direita como o CHEGA e o IL.

Qualquer resultado que seja o dobro do previsto em sondagem pode ser, pelo contrário, considerado uma vitória para esses dois partidos.

O LIVRE já vem sendo anunciado como um dos vencedores da noite, bastando para isso conseguir eleger 2 deputados, feito tanto mais relevante, quanto foi prejudicado com a prestação da candidata eleita por esse partido nas anteriores legislativa. Uma derrota é não eleger ninguém.

Existem ainda alguns partidos que, não entrando na equação, podem surpreender, como, à direita do Aliança, ao cento o VOLT e até, à esquerda, de um renovado MAS.

Está quase tudo em aberto, e, por isso…prognóstico só…no final do jogo!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Eleições Legislativas 2022 – uma análise

(fonte: Público)

Em 15 eleições legislativas, realizadas desde 1976, e uma constituinte, em 1975, só duas foram tão imprevisíveis como esta, e tão dramaticamente disputadas, as constituintes de 1975 e as legislativas de 1980.

A imprevisibilidade é grande e o que está em jogo é ainda maior.

Está a jogo o uso do ultimo grande pacote de investimento nacional, o célebre Plano de Recuperação e Resiliência, que pode condicionar o futuro económico e social do país nas próximas décadas.

O resultado final não é indiferente ao uso que se vai dar a esses fundos.

Existem três hipóteses:

- usar esses fundos para profundas e verdadeiras mudanças e investimentos estruturais na educação, na saúde, na habitação, nos transportes públicos (nomeadamente na renovação da ferrovia e na actividade portuária), no ambiente, nas energias renováveis, na planificação florestal e  na exploração  da nossa grande Zona Económica Exclusiva no Oceano Atlântico, com todas as aposta tecnológicas e de investigação que essas medidas exigem;

- repetir os erros do cavaquismo, agravados pelo socratismo e pelo passos coelhismo, de entregar o ouro o bandido, isto é, aos grandes interesses financeiros e às grandes empresas lideradas pelos boys do centrão, e aos lobbies do betão e do turismo de massas;

- gerir esses fundos “conciliando” os dois caminhos anteriores, uma situação que nos irá manter com os atrasos estruturais de sempre, mas agradando a alguns sectores, mantendo assim o status quo do regime do centrão, e dando uma falsa ilusão de “crescimento” económico, baseado no consumismo, o que garantirá a paz social.

A juntar a essas opções que estão em jogo, temos a necessidade de continuar a combater a pandemia e as suas consequências, provavelmente por muitos anos, pelo menos por mais tempo que uma legislatura.

Não é por isso indiferente o tipo de governação a sair do resultado destas eleições.

Mesmo que só existam dois partidos que as possam ganhar, o PS e o PSD, também não é indiferente a relação de forças que se venha a gerar, quer à esquerda, quer à direita desses partidos, quer o tipo de coligações e negociações políticas para formar um governo que será, para já a única certeza existente, um governo minoritário.

O regresso ao centrão é o pior que nos pode acontecer, levando-nos à segunda hipótese acima indicada, principalmente se for o PSD a liderar, ou à terceira, se esse centrão vier a ser liderado pelo PS.

A primeira hipótese só será viável com o PS a liderar, mas aliando-se à sua esquerda, já que o actual PSD, o mais centrista em muitos anos, não garante que não volte a acontecer o que sempre aconteceu, o “síndroma de Marcelo, o Caetano”.

O que é esse “síndroma”? Parte de uma anedota que se contava acerca do último ditador do Estado Novo. Dizia-se que Marcelo Caetano era o condutor mais perigoso do país, porque fazia sinal à esquerda e virava à direita. O PSD apresenta-se quase sempre em campanha eleitoral (menos com Cavaco Silva e Passos Coelho) com um programa social-democrata, mas acaba a governar com um programa antissocial, de cortes nos sectores sociais, de tipo neoliberal e em beneficio do sector financeiro e das grandes empresas.

À direita do PSD também não será indiferente quem se apresentará em condições para condicionar o PSD.

O CDS, partido que luta pela sua sobrevivência, é o único, dos partidos à direita do PSD, que tem preocupações socias, já que tem uma forte tradição democrata-cristã, recordando-se, aliás, que, se Passos Coelho não foi ainda mais “além da Troika”, destruindo ainda mais o sector social, tal se deveu à forma como o CDS conseguiu travar essa pretensão.

Já o Iniciativa Liberal, se surgir como principal partido à direita do PSD, pressionará este partido a continuar, com mais convicção e firmeza, a “ir ainda muito mais além da Troika”, entregando todo o ouro ao” bandido”.

O CHEGA é outra história, que não entra nesta equação, mas, se surgir como segunda força de direita, pode fazer estragos, a prazo, na direita democrática.

À esquerda, espera-se que o BE e o PCP aprendam a lição por terem insistido em continuarem presos velhos dogmas e, por preconceito ideológico e/ou tacticismo, continuarem numa senda de irresponsabilidade política, inviabilizando a concretização da única hipótese válida na utilização de fundos, que é a primeira que indicámos.

A única hipótese de o PS não optar pelo centrão e seguir o caminho da segunda e terceira hipótese que apontamos para desenvolver o país e utilizar correctamente os fundos do PRR, é  um fortalecimento do LIVRE e do PAN, de forma a viabilizar um governo do PS mais social, menos virado para as negociatas de tipo socrático ou “centralista”, havendo já alguns sectores do PS à espreta e a esfregar as mãos para prepara o uso desses fundos em proveito da sua clientela, num grande bloco central.

E é esperar que, quer o BE, quer o PCP, se abram às novas necessidades de desenvolvimento sustentável que a aplicação desses fundos pode representar. Pode ser, contudo, que um resultado que os castigue os obrigue a rever posições e opções, podendo entra na primeira equação que indicamos, até porque, mais o PCP que o BE, são partidos que continuam a ser necessários, no mínimo para vigiarem o uso desses fundos e para defenderem os sectores mais fracos dos excessos que mau uso desses fundos possam provocar na sociedade e no mundo do trabalho.

Mais do que nunca, nestas eleições joga-se o rumo do país para as próximas décadas.

 

 

 

 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Votar com a cabeça ou votar com os pés?


A minha opção está tomada, como podem ver aí ao lado, mas a razão deste post é outra.

Não é um apelo ao voto, mas um apelo ao bom senso, nomeadamente a quem é de bom senso.

Infelizmente, e esta é uma fraqueza da democracia (apesar de tudo, o melhor de todos os sistemas até hoje inventado) é permitir que a decisão final não pertença a quem tem ideias ou convicções, mas às “maiorias silenciosas” e aos “indecisos”.

Essas maiorias silenciosas e esses indecisos votam por instinto, muitas vezes com os pés, raramente com a cabeça.

Sendo estas umas das eleições mais disputadas de sempre, seria bom que, pelo menos desta vez, essa decisiva maioria silenciosa de indecisos usasse a cabeça e não se deixasse influenciar pela berraria, pela graçola, pela gafe ou …pelas sondagens e que, pelo menos uma vez, usasse a cabeça e tentasse perceber o que está em causa, e as diferenças de fundo entre as várias forças políticas.

Vamos a factos.

A epidemia trouxe ao de cima muitas das fragilidades do país, das quais destaco o impacto do desinvestimentos na saúde, nas escolas e na nos transportes públicos, resultado, não da Troika, com quem foi assinado um acordo que não previa muitas das medidas que acabaram por ser impostas, mas do fanatismo ideologico neoliberal do “ir além da Troika”, este, sim, responsável pelo desinvestimento na saúde, na educação e nos serviços públicos em geral.

No caso dos transportes públicos, a degradação vinha de mais longe, do tempo do cavaquismo, onde, em nome do “crescimento”, quase se destruiu todo o aparelho produtivo nacional.

Apesar de tudo, foi o SNS, e não o sector de saúde privado, que aguentou, e continua a aguentar, o desgaste sanitário provocado pela pandemia.

Mas há mais.

Outra área, cuja debilidade ficou evidente, foi o da habitação, onde a situação se degradou com a especulação crescente ligada ao impacto dos vistos gold e de um turismo descontrolado, tornando o direito à habitação um luxo pelos preços incomportáveis das vendas e das rendas, criando um problema para muita gente, principalmente atirando trabalhadores e jovens para a periferia das grandes cidades.

Outro problema é o da terceira idade. Ficou a nu a situação da vida nos lares e a marginalização social de grande parte dos idosos, atirando-os para autênticas salas de espera para os cemitérios, ainda por cima pagas a preço de ouro, um dos grandes negócios do momento, sem que isso se repercuta na qualidade e, principalmente, na humanidade.

Outro problema que ficou evidente foi o da precariedade do emprego e o dos baixos salários, resultado da desregulação laboral dos tempos do “ir além da Troika”.

Há ainda outras questões dignas de atenção, a questão ambiental, que põe em causa o modelo económico dominante, e a gestão do apetecido bolo do PRR, que não deve ser deixado, como aconteceu no passado com outros fundos, na mão dos boys do centrão, sem controle, ou na mão dos sector financeiro.

O exercício que eu proponho aos indecisos da maioria silenciosa é que olhem, com olhos de ver, para os programas dos vários partidos e procurem perceber o que cada um propõe  para enfrentar e resolver os problemas acimas mencionados.

De certeza que terão boas surpresas e vão repensar o voto, isto se, em vez de votarem com os pés, resolverem votar com a cabeça...mesmo que a vossa cabeça tenha uma cor diferente da minha!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

A suspensão do Carnaval de Torres...ou, comparar o incomparável..ou, combatendo aproveitamentos políticos e as fake news..

(foto jornal Público)

Como resposta a umas mentirolas que andam por aí a circular sobre as “virtudes” do Estado Novo em relação ao pós-25 de Abril, no que respeita às proibições do Carnaval de Torres, recordo aqui alguns factos.

Durante os anos de 1927 a 1929, o carnaval de rua organizado conheceu a sua primeira interrupção, desde que se tinha iniciado  nos princípios da década, facto a que não terá sido estranho o inicio da Ditadura Militar, implantada em 28 de Maio de 1926, talvez premonitório da forma como o novo regime lidou com os “excessos” de liberdade permitida pela Carnaval.

Aliás, a história da censura e da perseguição ao Carnaval de Torres, durante esse período, ainda está por fazer.

Por ocasião da 2ª Segunda Guerra, em 1940,  o Carnaval foi mesmo proibido.

Para tornear esse obstáculo, constitui-se, Torres Vedras, uma comissão, formada por um representante de cada colectividade (Tuna, Grémio, Operário, Casino e Sporting Club de Torres) que pediu ao presidente da Câmara para autorizar a realização do tradicional carnaval de Torres. Este autorizou-o, desde que não se fizesse propaganda, para não chegar ao conhecimento das autoridades de Lisboa, e foi assim que o carnaval de Torres ainda se realizou nesse ano.

No ano seguinte, 1941,ensaiou-se o mesmo estratagema, desta vez sem êxito, devido à pressão das autoridades, mantendo-se a proibição no ano seguinte.

Em 1943, apesar da proibição do carnaval de rua, este regressou às colectividades, no Grémio, no Operário, na Tuna e no Casino. Nestas duas últimas colectividades exibiu-se a "Orquestra Sulfidrofónica", diversão musical formada por alunos da Escola Secundária Municipal de Torres Vedras. No Casino chegou mesmo a realizar-se uma recepção ao rei carnaval e reviveu-se o célebre corso, com desfile de “carros” e o tradicional discurso de carnaval.

O Carnaval regressou em 1947, mas com várias interrupções até 1960

Em 1959 realizou-se uma reunião magna no Teatro-Cine para relançar o Carnaval de Torres, formou-se uma comissão que, apoiada na estrutura organizativa da Física de Torres, recuperou, em 1960, o cortejo de rua, que teve lugar durante dois dias, agora ao Domingo e à terça-feira.

Contudo, em 1963 e 1964, o Carnaval voltou a ser proibido. Desta vez a desculpa das autoridades foi a do início da “guerra ultramarina”.

A partir de 1965 voltou a realizar-se, sem interrupções, até 1974. 

Em 1975 foi de facto interrompido, não por qualquer imposição ou proibição política, como tenho visto por aí escrito, sem povas documentais, a não ser o preconceito ideológico, fundamentado em fake news, mas devido à conjuntura política, que implicou mudanças na estrutura organizativa, quer na Câmara, quer nas associações organizadoras, para além do clima de agitação social que se vivia, dificultando a sua organização, mas não impedindo qualquer manifestaçao de rua.

Se no Estado Novo houve várias proibições, como vimos em cima, desde o 25 de Abril apenas se registaram interrupções por dificuldade de organização, no caso do Carnaval de 1975 e em 1984, devido a uma tragédia local, as cheias de 1983, e agora, em 2021 e 2022, por razões de saude pública.

Espero assim, com este breve resumo, repor a verdade e impedir o aproveitamento político que alguns estão a procurar fazer com a actual situação de excepção motivada, volto a repetir, por razões de saúde pública.

Este blog Vota “LIVRE”


Tradicionalmente, em eleições legislativas, repartimos o nosso voto, ora pelo Bloco de Esquerda, ora pelo CDU, mais por voto útil conjuntural do que por convicção (situação diferente em eleições europeias, autárquicas e presidências, onde as nossas opções de voto são mais amplas, incluindo o PS e independentes na equação)

Contudo, como apoiantes da chamada “geringonça”, considerámos um erro o desentendimento à esquerda para continuar um caminho de construção de uma economia social e justo, em oposição ao modelo neoliberal iniciado por Cavaco Silva, agravado por Durão Barroso, desvirtuado por José Sócrates, o Tony Blair português, e descaradamente anti social no governo Passo “ir além da Troika” Coelho, tudo “barrado” pela cedência ao corrupto sector financeiro.

Reconhecemos que se estava a entrar num impasse, em parte provocado pela pressão das instituições europeias, às quais o PS se mantem irritantemente obediente, em parte pelo agravamento da situação social e económica provocada pela epidemia, em parte pela “cheiro a dinheiro” do apetecido PRR, apelo a que alguns sectores do PS não resistem.

Contudo, pensamos que foi um erro estratégico que, quer o BE, quer o PCP, votassem contra um dos orçamentos mais socias de que há memória, ainda por cima num momento em que era necessária alguma estabilidade política, para enfrentar a epidemia.

Já nas últimas eleições, as de 2019, tínhamos considerado a hipótese de votar LIVRE, já que, em termos programáticos, estava muito mais próximo dos nossos valores do que o PS, o PCP ou o BE.

Mas, mais uma vez, receando que o nosso voto não elegesse ninguém, optámos pelo voto útil, e votámos CDU.

A estratégia até não foi de todo errada, já que não contribuímos para a eleição desse erro de casting que foi a eleição da deputada Joacine Katar Moreira, que muito desprestigiou o LIVRE, enquanto se manteve no parlamento como sua representante, pelo seu radicalismo desnecessário e intolerante, mas de cujo partido, em boa hora, se afastou.

Desta vez o LIVRE apresenta como candidato por Lisboa, distrito eleitoral onde nos incluímos, Rui Tavares, que se apresenta com um programa de esquerda, europeísta, liberal, ecologista e inovador.

Tivéssemos noutro círculo eleitoral e a nossa opção talvez fosse outra.

Mas num círculo como o de Lisboa parece que é possível eleger, no mínimo, um deputado que represente uma esquerda arejada, sem desperdiçar um voto.

Pela primeira vez, em muitos anos, vamos votar por convicção, sem tacticismo.

Vamos votar LIVRE!

 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Como conheci o libertino Luís Pacheco


A propósito da recente efeméride do seu falecimento, recordada pelo meu amigo Custódio Catarino, veio-me à memória o momento, aí pelos finais da década de 1970, ou inicio da década seguinte, em que me cruzei com o escritor libertino Luís Pacheco.

Já o conhecia da leitura dos seus textos, publicados em “Textos de Circunstância” e acompanhava-os, com o entusiasmo de um jovem à descoberta do “mundo”, nas suas crónicas publicadas no saudoso suplemento literário “Letras e Artes” do Diário Popular.

Mais tarde li a obra mais polémica de Pacheco, “O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor”, escrito em 1961 e editado em 1970, e que lhe provocou muitos problemas com a PIDE e a Censura.

Foi assim que, certo dia, na Feira do Livro, o meu amigo e colega de faculdade, o saudoso  Manuel Hermínio Monteiro, então a dirigir a Assírio & Alvim, me apresentou ao Luís Pacheco.

Durante uma hora, ou pouco menos, andámos os três a percorrer a feira, e a assistir às “performances” de Pacheco, abordado por jovens fãs, que lhe pediam autógrafos.

Em certa altura o Hermínio vira-se para mim e diz-me : “repara no que ele está a escrever nas dedicatórias”. Olhei com atenção e então vi-o, em vez de escrever um texto com dedicatória por si assinada, o Luís Pacheco, com ar malicioso e divertido, a desenhr grandes falos nas folhas da dedicatória. Depois fechava o livro e entregava-o às jovens fãs, que lá seguiam todas entusiasmadas como “autógrafo”, não suspeitando ainda da marosca.

Voltei a vê-lo, anos depois, mais à distância, à mesa de um café aqui em Torres Vedras, (Café Avenida (?), frente à actual Câmara). Fiquei saber que ele estava “hospedado” no Hospital do Barro, por sofrer de tuberculoso. Dessa estadia resultou um livro seu intitulado “Textos do Barro”, editado em 1984.

Recentemente, já depois de ter falecido (em 5 de Janeiro de 2008), foi editado o Diário Remendado – 1971-1975, obra onde ele revela a sua visão do 25 de Abril e do PREC,  talvez uma das mais interessantes descrições desses tempos de descoberta e entusiasmo.

Para quem não o conhece, mas ainda mais para quem o conhece, aqui vos deixo uma excelente reportagem sobre o libertino Luís Pacheco:

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Novak Djokovic - os milionários mimados estão acima da lei?


O Estado australiano tomou uma posição exemplar e corajosa ao impedir um negacionista como o tenista Djokovic de participar no open da Austrália.

Pelo que se sabe, o Estado francês vai tomar decisão idêntica em relação à participação do mesmo tenista no Roland Garros.

O caso Djokovic é exemplar da postura arrogante de certas figuras públicas que se acham acima da lei e, mais grave ainda, incentivam comportamentos condenáveis, como a recusa da vacinação.

Claro que cada um é livre de seguir atitudes idiotas e irresponsáveis, mas não é livre de por em risco a segurança dos outros.

Além disso, se quer recusar a vacina, tem de submeter às consequências legais, tal como acontece com um condutor que insiste em conduzir sem carta ou com excesso de álcool.

Mas a atitude de Djokovic foi ainda mais grave, ao incentivar manifestações de negacionistas no país que o recebeu, tornando-se uma espécie de símbolo para essa gente.

A responsabilidade de figuras como  Djokovic é tanto maior, quanto deve a sua fortuna e a sua fama ao facto de ser uma figura pública.

Recordo aqui um texto de António Guerreiro, no Público de 14 de Janeiro (suplemento ìpsilon”), onde explicava de onde vem a fortuna dessas figuras públicas:

“(…) uma grande parte dos rendimentos gerados pela nossa economia não remuneram nenhuma forma de trabalho”, referindo-se à actividade financeira, mas também aos “muitos rendimentos salarias que não são justificáveis pela quantidade e pela qualidade do trabalho investido. Há quem ganhe milhões só pelo facto de conseguir atrair a atenção dos outros a nível mundial. É o caso de certas vedetas pop ou de desportistas (…) por maior mérito que tenham. O Rendimento milionário que auferem devem-se em grande parte ao trabalho dos outros: o trabalho que consiste em prestar-lhes atenção”.

Djokovic está neste caso e, por isso, a sua responsabilidade pública é acrescida.

O exemplo que ele deu aos seus admiradores foi o da aldrabice, da falsificação e, pior ainda, o de justificar atitude que põem em risco a saúde publica.

Só isso devia ser suficiente para ser erradicado ou fortemente penalizado da actividade a que se dedica, já que ele só existe através dos mecanismo da fama, ou então, que se deixasse de dar atenção às suas atitudes irresponsáveis.

Aliás, a fortuna de gente como essa, contrata com gente de outras área desportivas, onde é necessário investir um grande esforço, como, por exemplo, na patinagem artística no gelo, cujo campeonato europeu decorreu no último fim-de-semana e onde a vencedora teve um prémio de…20 mil euros …e a 6ª classificado um prémio ainda mais reduzido…3 mil euros, .

Nada que se compare ao rendimento milionário de figurões como Djokovic, só para exibir o seu mau feitio e a sua arrogância num court de ténis, ou, pior ainda, em público.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Hergé, “TinTin por TinTin”


A Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com o Museu Hergé de Louvain-la-Neuve, da Bélgica, organizou um dos maiores eventos do ano, uma grande exposição dedicada à obra de Hergé, criador do famoso Tintin.

A exposição, inaugurada no passado dia 1 de Outubro de 2021, encerra a 10 de Janeiro, já no próximo fim-de-semana.

Não deixa de ser marcante que, uma das mais sérias e prestigiadas instituições ligadas ao mundo da arte. receba, julgamos que pela primeira vez na sua longa história, uma exposição de Banda Desenhada, arte muito desvalorizada no sofisticado mundo da arte.

A iniciativa da Gulbenkian representa, assim, uma importante ruptura com um preconceito, ainda muito arreigado entre o nosso sector intelectual e cultural, que tende a desvalorizar as qualidades artísticas e intelectuais da 9ª arte.

Ao longo de várias semanas publicámos, no nosso blog Bêdêzine, uma série de artigos sobre a importância de Hergé, desde uma referência a TinTin na minha memória pessoal, passando pela sua presença em Portugal, ao percurso de Hergé e à história das aventuras de TinTin.

Em baixo, reunimos, num único bloco, esse conjunto de textos, embora sem as ilustrações usadas naqule blog, uma forma de recordar a importância desse evento que encerra daqui a 5 dias.

1 - TinTin e Eu!

Tintin é uma das raras personagens da BD cuja fama atravessou várias gerações, ao longo de quase cem ano, êxito e conhecimento talvez só ultrapassado pelo universo de Walt Disney.

Pessoalmente, o meu primeiro contacto com Hergé fez-se, não pelas aventuras de Tintin, mas de outra das séries da sua autoria, quase esquecidas pelo êxito do célebre “repórter”, os trapalhões Quick e Flupke, traduzidos para português como o Quim e o Filipe, cujas tropelias foram publicadas em Portugal na revista Diabrete, entre 1941 e 1943, sob a designação de “Tropelias do Trovão e do Relâmpago” ,  e que eu descobri no espólio da minha mãe, que possui 4 albuns encadernados dessa revista, que eu desfolhei avidamente durante a  minha infância.

Encontrei as primeiras imagens do Tintin num número solto do suplemento Pajem, da revista Cavaleiro Andante, onde se publicou a aventura “O templo do Sol”, a mesma aventura que acompanhei de forma mais continuada na revista Foguetão, editada em 1961, cujos 13 exemplares publicados cheguei a receber, quando tinha os meus 5 anos, mas cuja aventura nunca se completou nessa revista de curta duração.

Ainda antes de começar a conhecer as aventuras completas de TinTin, conheci as aventuras de uma outra série de Hergé, Jo, Zette e Jocko, publicada noutra das minhas revistas de infância, o “magazine para a juventude” Zorro, série publicada entre 1964 e 1966 nesta revista, exactamente nos anos em que ela me foi oferecida.

Só mais para meados dos anos 60 comecei a ler histórias completas do TinTin, umas em álbuns, de edição brasileira, que me eram emprestados pelo amigo “Zico”, lidos avidamente nas tardes de Verão, na praia de Santa Cruz e, pouco depois, quando, a partir de 1969, o meu avô me começou a oferecer, semanalmente,  a revista TinTin, fundada em Portugal em 1968.

Lembro-me, igualmente, de ter recebido o meu primeiro álbum de TinTin por essa altura, em 1968 ou 1969, o “Voo 715 para Sidney”, que me foi oferecido na 1ª edição em francês, com o objectivo pedagógico de aprofundar o meu francês, álbum editado em 1968 e hoje muito valorizado no mercado franco-belga.

Nesses anos pensava que as aventuras de TinTin eram recentes, só mais tarde descobri que a série tinha sido criada quase 30 anos antes de eu nascer. Também não tive a noção, na altura, da ordem cronológica dessas aventuras.

Penso que, entre as primeiras aventuras que li de TinTin, estiveram o “TinTin no Tibet” e o “Caso Tornesol”, esta última aventura, curiosamente, editada em álbum em França no ano do meu nascimento.

Se me perguntarem quais as aventuras de que mais gostei, a escolha é difícil, mas penso que o “Objectivo Lua” e “TinTin na Lua” foram marcantes, pela actualidade do tema na década de 60, embora ambos tenham sido escritos e desenhada na década de 1950, ainda antes do meu nascimento. Pela originalidade, penso que a melhor história da série terá sido, quanto a mim, “As Jóias de Castafiore”, original de 1963.

Pessoalmente, sempre preferi as séries Blake e Mortimer e Astérix, pois considerava TinTin um personagem  "certinha" de mais. Penso que o interesse da TinTin está mais relacionado com a profundidade psicológica de personagens “secundárias”, como o Capitão Hadock, o meu preferido, ou o professor Tournesol, entre tantas outras, e, muitas vezes, foram os pequenos apontamentos humorísticos, colocados por Hergé no meio da história principal, que mais valorizaram e caracterizaram a série. Depois há que acrescentar a narrativa, pontuada de acção, cenas humorísticas e suspense até ao final, tudo valorizado por um desenho simples e claro, sem excessos, aquilo que caracteriza o chamada “linha clara”.

No total foram criadas por Hergé 24 aventuras de TinTin, a última delas incompleta e a primeira, “Tintin no País dos Sovietes”, a única que nunca foi revista e colorida pelo autor, renegada por Hergé, que só autorizou a sua edição, como curiosidade, à beira da morte.

2 - TinTin em Portugal

A relação das aventuras de Hergé com Portugal é  uma longa História.

É bom recordar que, a primeira vez que TinTin foi traduzido, foi para português, sendo também em Portugal que foi editado a cores pela primeira vez.

A História conta-se em poucas linhas:

Em 18 de Abril de 1935 foi publicado o primeiro número da revista juvenil, “O Papagaio”, como suplemento infantil de um jornal católico, propriedade da Rádio Renascença, fundada por Adolfo Simões Müller e pelo padre Abel Varzim, com redacção na Rua Capelo, em Lisboa.

Abel Varzim tinha estudado, entre 1930 e 1934, sociologia na Universidade de Lovaina, tendo conhecido as aventuras de TinTin no suplemento “Le Petit Vingtiéme”, do diário católico “Le Vingtiéme Siécle”, dirigido pelo abade Norbert Wallez, que o padre Varzim conheceu naquela universidade.

O percurso futuro desses dois padres católicos não podia ser tão diferente. Abel Varzim tornou-se um critico e opositor do regime do Estado Novo, sendo perseguido por isso e sendo uma espécie de fundador do movimento de “católicos progressistas”, que tantas dores de cabeça deu a Salazar e ao seu regime. Pelo contrário, o padre Wallez acabou expulso do “Le Vingtiéme Siécle”, ainda na década de 30, devido às suas simpatias pelo fascismo e pelo nazismo, sendo preso depois da libertação da Bélgica em 1944, cumprindo 5 anos de prisão como colaboracionista com os ocupantes.

Mas voltando a Tintin  em Portugal, Abel Varzim, regressado a Portugal , enviou ao director do “Vingtiéme Siécle” uma carta, datada de 25 de Maio de 1935, pedindo para que Wallez intercedesse junto de Hergé para que este desse autorização para reproduzir, na revista portuguesa “O Papagaio”, as aventuras de Tintin, pedindo, igualmente, para ser combinado um preço especial pelos direitos dessa publicação, devido às dificuldades económicas da revista portuguesa.

O pedido teve êxito e, depois de o anunciar no nº49 e editar a 1ª capa com a nova personagem no nº 51  de “O Papagaio” , na edição nº 53 de 16 d Abril de 1936 começou a  publicar a primeira aventura de Tintin editada em Portugal, “Tim-Tim na América do Norte”.

A revista fez algumas adaptações das aventuras de TinTin à situação portuguesa, aportuguesando igualmente o nome de algumas personagens, uma condição também para escapar à censura, que obrigou, muitas vezes, a esse tipo de adaptação de outras obras de banda desenhada estrangeira publicadas no país.

Uma evidente cedência à censura portuguesa, por parte d’ “O Papagaio”, foi a alteração de uma legenda de “TinTin na América”, onde uma cena, no original referida como uma greve de trabalhadores norte-americanos, foi traduzida, na edição portuguesa, como um “paragem para o almoço”.

TinTin foi designado como Tim-Tim, um repórter “português”, o cão Millou transformou-se, primeiro em Pom-Pom e, depois, na “cadela” Rom-Rom, para que o seu nome não fosse confundido com a cantora Milú, uma famosa cançonetista da rádio portuguesa.

O Capitão Haddock foi transformado no Capitão Rosa que, em vez de beber Whisky, passou a beber Vinho do Porto, o professor Tournesol foi baptizado como senhor Pintadinho de Branco e, mais tarde, professor Girassol.

Um dos casos mais estranhos foi transformar um dos poucos “portugueses” originais da série, o “vendedor ambulante” Oliveira da Figueira, que apareceu pela primeira vez na aventura “Os Charutos do Faraó” (1934), num espanhol de Málaga, fugido da Guerra de Espanha (altura em que essa aventura foi editada n’”O Papagaio”), talvez porque fosse considerado uma figura pouco abonatória do ideal do “português” propagandeado pelo Estado Novo.

Oliveira da Figueira surgiu noutras duas aventuras de TinTin, “TinTin no País do Ouro Negro” (1950) e em  “Coke em Stock” (1958).

Há ainda um “vilão”, Dr. Müller em “A Ilha Negra” (1938), por muitos identificado como uma alusão a Adolfo Simões Müller, director d’”O Papagaio”.

Um “cientista português”, um “célebre físico da Universidade de Coimbra”, Pedro João dos Santos, participa na aventura “A Estrela Misteriosa”, de 1941.

Há ainda um “jornalista português” do “Diário de Lisboa”, sem nome, numa cena do Tintin no Congo.

Esta aventura, aliás, foi intitulada de “TinTin em Angola”, redesenhando-se, na edição de “O Papagaio”, algumas vinhetas, para tornar este título mais verosímil, como na cena da aula dada por TinTin a crianças negras, onde o mapa da Bélgica, no quadro,  foi substituído pelo mapa de Portugal. Mais tarde o próprio Hergé redesenhou este quadradinho, retirando-lhe a conotação colonialista da primeira edição.

Hergé enviou uma carta, datada de 12 de Maio de 1936,  ao padre Abel Varzim, congratulando-se com a edição portuguesa da sua obra, elogiando, nomeadamente, a novidade da colorização das aventuras de TinTin, mas também fazendo algumas críticas à paginação que, quanto a ele, retirava algum suspense às aventuras.

Quando a Bélgica foi ocupada pelas tropas nazis, em Maio de 1944, tornou-se complicado transferir dinheiro de Portugal para pagar a Hergé, pelo que este propôs o pagamento dos direitos em géneros, como sardinhas em conserva, chá, café, cacau, azeite, chocolate, leite condensado, arroz e bolachas. Hergé pediu igualmente para incluírem dois avios mensais em géneros para o irmão Paul, prisioneiro de guerra na Alemanha.

Durante 12 anos “O Papagaio”, que se editou entre 18 de Abril de 1935 e 10 de Fevereiro de 1949, num total de 722 número,  publicou um total de 9 aventuras de TinTin:

- “Tim-Tim na América do Norte” –nºs 53-110, de 16/04/1936 a 20/05/1937;

- “Aventuras de Tim-Tim no Oriente” (“Os Charutos do Faraó” no original) –nºs 115-161, de 24/06/1937 a 12/05/1938;

- “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul” no original) – nºs 166-205, de 16/06/1938 a 16/03/1939;

- “Tim-Tim em Angola” (“TinTin no Congo” no original) – nºs 209- 244, de 13/04/1939 a 14/12/1939;

- “Tim-Tim e o mistério da Orelha Quebrada” – nºs 247-298, de 04/01/1940 a 26/12/1940;

- “Tim-Tim na Ilha Negra” ( “TinTin no País do Ouro Negro”, no original)- nºs 301-359, de 16/01/1941 a 26/02/1942;

- “Tim-Tim no Deserto” (“O Caranguejo das Tenazes de Ouro” no original) – nºs366-226, 16/04/1942 a 10/06/1943;

- “A Estrela Misteriosa”- nºs 435-540,de12/08/1943 a 16/08/1945;

- “O Segredo do Licorne” – nºs 617-679, de 06/02/1947 a 15/04/1948.

Esta foi a primeira vez em que TinTin foi publicado numa língua que não o francês. Até aí, as suas aventuras apenas tinham sido editadas na Bélgica, em França e na zona francófona da Suíça.

Em 1941 Adolfo Simões Müller abandonou “O Papagaio”, por divergências com Abel Varzim, e fundou uma nova revista juvenil, “O Diabrete” (4 de Janeiro de 1941- 29 de Dezembro de 1958). Müller chega a escrever a Hergé para conseguir ficar com os direitos de publicação de TinTin na nova revista, mas não o consegue, pelo que essa série continua a ser publicada n’”O Papagaio”.

Contudo, consegue adquirir os direitos de uma outra série, até aí nunca publicada em Portugal, que nasceu depois do TinTin também na revista “Le Petit Vingtiéme”, a série humorística Quick e Flupck, que será publicada no “Diabrete” entre 5 de Janeiro de 1941 e 10 de Outubro de 1943, com a designação de “Tropelias do Trovão e do Relâmpago”. Esta série não voltará a ser publicada em Portugal em qualquer outra revista, apenas em álbum.

Entretanto, com o fim d’”O Papagaio” em 1949, Simões Müller consegue adquirir os direitos de TinTin, publicando três aventuras no “Diabrete”, a primeira “O Ceptro de Ottokar”, com a designação de “Aventuras de Tim-tim e Rom-Rom”, entre 9 de Março de 1949 e 18 de Março de 1950, seguindo-se mais duas aventuras, “O Tesouro de Rackham, o Vermelho”, aportuguesado para “O Tesoiro do Cavaleiro da Rosa”, entre 25 de Março de 1950 e 21 de Março de 1951, e “As 7 Bolas de Cristal”, entre 4 de Abril de  e 29 de Dezembro de 1951, ficando a publicação desta aventura incompleta, devido ao facto de o “Diabrete” ter interrompido a sua publicação nesta data, ao fim de  553 edições.

Até ao início da década de 1960 Adolfo Simões Müller manteve os direitos da edição do Tintin em revistas portuguesas por si editadas, como aconteceu com o “Cavaleiro Andante” (1952-1962), o “Foguetão” (1961) e o “Zorro” (1962-1966).

A mítica revista “Cavaleiro Andante” publicou muitas das séries da revista belga “Tintin”, devendo-se a ela a divulgação da maior parte dos autores da escola franco-belga em Portugal, tendo mesmo usado as capas da revista belga, adaptadas ao título do “Cavaleiro Andante”.

O “Templo do Sol” foi a primeira aventura de “TinTin” publicada nesta revista, primeiro no corpo da própria revista, a partir do seu primeiro número, em 5 de Janeiro de 1952, e depois continuando a sua publicação no suplemento “Pajem”, entre 5 d Julho de 1952 e 22 de Agosto de 1953.

Ao todo foram publicadas 7 aventuras do TinTin no “Cavaleiro Andante”, algumas pela primeira vez em Portugal, como “Tintin na Lua”, publicando, com o mesmo título, e sem interrupção, as duas aventuras, “Objectivo Lua e “TinTin na Lua”, ao longo de 2 anos, entre 17 de Outubro de 1953 e 31 de Dezembro de 1955, “O Caso Tornesol”, sob o Título de “O Caso da Arma Secreta”, e o “Carvão no Porão (Cocke em Stock)” com o título “Os mercadores de ébano”. Foi republicado o “TinTin na América” e “O Lótus azul”, anteriormente publicados em “O Papagaio”, mas agora na nova versão, actulizada por Hergé.

A última aventura publicada foi “Tim-Tim no Tibete”, entre 18 de Novembro de 1961 e 4 de Agosto de 1962, aventura que tinha começado a ser publicada no “Foguetão” entre Maio e Julho de 1961, mas que tinha ficado incompleta devido à curta vida desta revista.

A última aventura de TinTin publicada em Portugal sob a orientação de Simões Müller foi “As Joias de Catafiore “, sob o título “As Jóias da Prima Dona”, na revista “Zorro”, entre 6 de Abril de 1963 e 6 de Junho de 1964, única aventura dessa série publicada nessa revista.

Foi no “Zorro” que foram publicadas, pela primeira vez em Portugal, as aventuras de outra série de Hergé, “Jo, Zette e Jocko”, em “O “Manitoba” Não Responde” e “A Erupção de Karamako”, entre 20 de Junho de de 1964 e 23 de Junho de 1966. Estas duas aventuras voltariam a ser editadas em Portugal no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, em 1972 e 1973, conhecendo ainda uma edição em álbum, editado pela Verbo, sob a designação de “Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão”, na década de 1980.

Foi com o aparecimento da revista “TinTin” que tivemos, em Portugal, a publicação integral de todas as aventuras do herói criado por Hergé, entre o 1º número, editado em 1 de Junho de 1968, e o último, em 2 de Outubro de 1982. A única aventura não editada na totalidade, devido ao encerramento da edição da revista, foi a reprodução, pela primeira vez em Portugal, da primeira aventura de Tintin, “TinTin no país dos sovietes”, só editada, de forma completa, em álbum, em meados da década de 1980.

TinTin foi ainda publicado em tiras diárias no jornal “Diário de Notícias” e no suplemento “Nau Catrineta”, na década de 1970.

Em 16 de Março de 1960 Simões Müller tinha escrito a Hergé, para conseguir os direitos de autor para editar os primeiros álbuns de Tintin em Portugal.

Hergé responde-lhe,  em 22 de Março, lamentando que tal não seria possível, já que esses direitos tinham sido adquiridos por uma editora brasileira, a Flamboyant, que tinha adquirido igualmente os direitos de os vender, traduzidos no português do Brasil, em território português.

Assim, a edição das aventuras de TinTin em álbum, em português, foram da responsabilidade, até, 1988, daquela editora brasileira, que editou o primeiro álbum do Tintin em língua portuguesa em 1961, “A Estrela Misteriosa”.

Só a partir de 1988 é que a editora Verbo conseguiu os direitos para Portugal, editando os álbuns da série até 1999.

Actualmente os direitos da série pertencem à editora Asa.

Para as gerações mais recentes, o único contaco com TinTin talvez tenha sido através do filme de Spileberg de 2011, intitulado “As Aventuras de TinTin”, mas que se baseia no álbum “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”, história publicada pela primeira vez em 1941.

Hergé nunca veio a Portugal. Apenas por duas vezes foi entrevistado por um jornalista português, Luiz Beira, a primeira das quais publicada na revista “Plateia” nº 306 de 13 de Dezembro de 1966, a segunda em Novembro de 1982, uma das últimas concedidas por Hergé, já que faleceu em 3 de Março de 1983.

Esta segunda entrevista manteve-se, contudo, inédita até 1985, sendo finalmente publicada na 5ª série da revista “O Mosquito”, no nº6 de Março de 1985.

Nesta última entrevista, Hergé lamentava-se por nunca ter visitado Portugal, um “belo país” que o atraia, prometendo fazê-lo um “dia, quem sabe?”, bem como pondo a hipótese de “um dia talvez, quem sabe?”, situar uma aventura de Tintin em Portugal. Infelizmente a morte prematura de Hergé impediu-o de concretizar esses desejos.

3 - Hergé, para lá de TinTin

Hergé nasceu com o nome de Geoges Remi,  em Etterbeek, na região de Bruxelas, em 22 de Maio de 1907.

Teve um único irmão, Paul, cinco anos mais novo.

Os seus primeiros desenhos foram feitos nos cadernos escolares da escola de Ixelles que ele frequentou entre 1914 e 1918.

Na escola que frequentou depois, equivalente ao liceu, era um bom aluno em quase todas as disciplinas, menos….em desenho!

Em 1921, com 14 anos, aderiu ao movimento escutista e, no ano seguinte começou a colaborar no jornal dos escuteiros da sua escola, o “Jamais Assez”, bem como na revista da Federação de Escuteiros, “Le boy-scout belge”, publicando aqui as suas primeiras ilustrações.

Assina pela primeira vez um trabalho nesta revista, com o seu nome original, em Fevereiro de 1924.

O pseudónimo   Hergé, que o imortalizou,  com origem nas iniciais invertidas do seu nome verdadeiro, Her para o R de Remi, e Gé, para o G de Georges, surgiu pela primeira vez nessa publicação em Dezembro de 1924.Criou para esta revista, em Julho de 1926, a sua primeira personagem, o escuteiro Totor.

A série, designada como “Totor, Chef de Patrouille des Hannetons” foi publicada, irregularmente, naquela publicação, até Julho de 1929. Curiosamente Totor fez uma breve aparição entre Fevereiro e Julho de 1930, desenhada por “Evany”, tendo sido, assim, a única série crida por Hergé que foi retomada por outro desenhador.

As suas influências têm origem nos heróis da sua infância e juventude, as série norte-americanas Buter Brown , The Yellow Kids, Katzenjammer Kids (Pim Pam Poum),  Krazy Kat e Bringing-up Father, ou nas séries francófonas de Benjamin Rabier, em Bécassine, Pieds Nickelés ou Zig e Puce, de Alain Saint-Ogan.

Em 1923 iniciou-se na ilustração publicitária, acreditando que esse podia ser o seu futuro profissional, mas, em 1924, conseguiu emprego no jornal diário “Le Vigtiéme Siécle”, como responsável pelo serviço de assinaturas e depois como aprendiz de fotógrafo, ilustrador e fotogravador. O padre Norbert Wallez, que dirigia esse diário, cedo se apercebeu das qualidades de Hergé e nomeou-o redactor principal do suplemento infantil desse diário, “Le Petit Vingtiéme”, publicado às 5ªs feiras, cujo primeiro número apareceu em 1 de Novembro de 1928.

Entre Novembro de 1928 e Março de 1929 publicou a única aventura da série “Flup, Nenesse, Poussette et Cochonnett”, a primeira da sua autoria nesse suplemento, três crianças e um porquinho, com argumento de um redactor desportivo do jornal, mas que Hergé não assinará.

Considerando essa série insipida, abandona-a e retoma, nesse suplemento, em 1929, o seu Totor, mas mudando-lhe o nome e fazendo-o acompanhar por um cão Milou. Nascia assim TinTin, cuja figura ainda se assemelhava à figura do escuteiro Totor.

Segundo Hergé, TinTin era “um irmão mais pequeno de Totor, um Totor transformado em jornalista, mas mantendo o espírito escutista” (entrevista a Numa Sadoul).

Mas, sobre a personagem que o imortalizou e a sua evolução, falaremos noutro artigo.

Aliás, inicialmente, Hergé não se fixará em exclusivo em Tintin, criando outras séries para essa publicação

Em 1931 publica uma única história de Fred et Mille, que será percursor de outra série sua que se tornará famosa, Quick et Flupke.

Criada em 23 de Janeiro de 1930, a série Quick et Flupke será quase tão famosa como TinTin, a única, de entre as muitas criadas por Hergé, de longa duração.

Os “enfants terribles” Quick e Flupke terão sido inspiradas em séries que fizeram a delícia da infância de Hergé, como os Katzenjammer Kids criados por Wilhelm Busch em 1865, ou Hans e Fritz série crida em 1911 por Rudolph Dirks.

Ao todo são publicadas 165 episódios dessa série, com duas páginas cada uma,  no “petit-vingttième”.

Mais tarde, a série conheceria um grande sucesso ao ser reeditada em álbum a partir de 1947, bem como na revista “TinTin”, onde serão publicadas algumas dezenas de episódios novos ou inéditos.

Baseando-se no seu herói de infância, o desenhador animalista Benjamin Rabier (que em 1924 ilustrou o “Romance da Raposa” de Aquilino Ribeiro, e sobre o qual se realizou recentemente uma exposição em Portugal, no Museu Bordalo Pinheiro) cria um herói antropomórfico, Tim, o esquilo “herói do Faroeste”, num total de 32 páginas coloridas, sem balões e com as clássicas  legendas por baixo (com já tinha acontecido com a sua primeira personagem, o escuteiro Totor), publicadas em 2 páginas semanais, como suplemento publicitário a uma loja de Bruxelas, saindo às 5ªas feiras, entre 17 de Setembro e 31 de Dezembro de 1931.

Essa série foi o esboço de outras duas séries, “Les Aventures de Tom e Mille” (1933) e “Popol et Virgine Chez Lapin” (1934).

Esta última série teve curta vida nas páginas do “Petit Vingtième”, entre 8 de Feverreiro e 16 de Agosto de 1934, reaparecendo mais tarde na revista “TinTin” entre 29 de Abril e 29 de Julho de 1948.

Popol e Virgine são dois ursos, representando mais uma rara incursão de Hergé no mundo animalista, que ele tanto apreciava na sua infância. A criação desta série obedeceu a uma tentativa de Hergé de romper com o realismo de “TinTin”. Contudo esta série não obteve o entusiasmo dos leitores, que escreveram várias cartas à redacção do jornal para exigir o regresso de TinTin, acabando assim com a continuação daquela série.

Paralelamente à sua colaboração com o “Le Petit Vingtiéme”, Hergé trabalhou noutras publicações, como , em 1928, no semanário satirico e panfletária “Le Sifflet”, que se editou entre 1928 e 1931.

Esta foi uma época em que criou várias séries com fins publicitários, como as tirinhas “Cet Aimable M. Mops” (1932).

Para o folheto “Pim- Vie Heureus” do suplemento juvenil “Pim et Pom” do jornal “Le Meuse”, cria “Les Aventures de Tom et Mille”, 2 episódios curtos baseados nas aventuras do já referido esquilo Tim, mas tendo, desta vez, como personagens, 2 ursos. Para esta série usa o pseudónimo R.G.. A 1ª história, de 2 páginas, a preto e branco, é publicada em 7 de Fevereiro de 1933 e a segunda aventura, de 18 páginas, intitulada “Tom e Mille à le recherche du soleil” em 11 de Abril desse mesmo ano.  

Em 1934 Hergé, criou o Atelier Hergé-Publicité, com o objectivo de criar peças publicitárias, tendo elaborado várias bandas desenhadas  publicitárias, logo nesse ano uma em 4 páginas intitulada “Les Mésaventures de Jeff Debakker” e, em 1938, uma série de histórias curtas, para a confeitaria “Antoine”, tendo como personagens “Antoinne, Antoinette, Plouf e Drapsy”, 2 irmãos, um cão e um papagaio, num total de 6 episódios de uma página cada.

A criação dessas personagens publicitárias é vista por muitos estudiosos como percursora da série “Jo, Zette e Jocko” que foi publicada na revista francesa “Coeurs Vaillant”, entre 22 de Outubro de 1936 e 9 de Novembro de 1939, traduzida em Portugal como “Joana, João e o Macaco Simão”. Esta série foi uma encomenda dessa revista ao autor:

“A direcção do jornal [Coeurs Vaillant] disse-me mais ou menos o seguinte: Sabe, o seu “TinTin” não está mal, gostamos muito dele. Mas não tem modo de vida, nem pais, não come nem dorme, isto não é lógico. Não pode criar uma personagem cujo pai trabalhe, que viva com a mãe, a irmãzinha e qualquer animalzinho familiar?”. E foi assim que essa série surgiu.

Dela publicaram-se três aventuras, “le Rayon du mystère” (dividido em dois episódios, “Le testament de M. Pump” e “Destination New-York”), publicada no Coeurs Vaillant entre 22 de Outubro de 1936 e 9 de Novembro de 1938,   “Le Stratoneff H22” (igualmente dividido em 2 episódios, “Le Manitoba ne répond plus” e “L’Eruption du Karamako”), publicada na mesma revista entre 31 de Março de 1938 e 9 de Novembro de 1939,  e “La Vallée des Cobras”, esta publicada apenas entre 30 de Dezembro de 1953 e 22 de Dezembro de 1954, já na revista TinTin.

Na década de 60, num período de alguma crise pessoal, entre 1960 e 1964, Hergé pensou enveredar pela pintura, chegando a criar algumas obras inspiradas em Miró e Dubuffett, mas acabou por desistir, optando por continuar como autor de Banda Desenhada, apesar de se ter tornado um conceituado e informado colecionador de arte, tendo conhecido Andy Warholl que, em 1979, pintou 4 imagens de Hergé no seu estilo peculiar de pop-art.

A partir dos anos 40 e até à sua morte, apenas com a breve deriva acima referida, o autor dedicou-se, em exclusividade à sua icónica série TinTin.

4 - TinTin e Hergé.

É no mencionado “Le Petit Vingtiéme” que Hergé inicia a publicação das aventuras de TinTin, um “repórter” do jornal enviado ao “país dos Soviéticos”. TinTin “parte” para a sua primeira aventura na edição de 10 de Janeiro de 1929.

A aventura “TinTin no País dos Soviéticos” é publicada a preto e branco, como vai acontecer, aliás, com as 5 primeiras aventuras desse “herói”, com a excepção, já referida, da edição portuguesa.

Esta aventura foi sendo desenhada por Hergé ,sem um plano prévio, sem uma previsão quanto à forma como ía terminar, muitas vezes quase desenhada em cima do joelho e no limite do prazo de entrega para poder ser publicada. Finalmente, em 8 de Maio de 1930, era editada a última prancha dessa primeira aventura, que só conheceria outra edição nas páginas da revista francesa Coeurs Vaillants, neste mesmo ano.

Só então Hergé se deu conta do êxito dessa aventura, tendo encenado o regresso da Rússia do herói imaginário, com figuras reais, à estação central de Bruxelas.

Esta primeira aventura será também uma das mais controversas, baseada numa obra de propaganda anti-comunista, “Moscou sans Voiles” (Moscovo sem véus), escrita pelo ex-cônsul belga na Rússia, Joseph Douillet, editado em 1928, best-seller na Bélgica desse tempo.

Hergé, muito jovem ainda, foi também  influenciado pelo espírito conservador do próprio jornal e do seu director, o padre  Wallz, admirador do fascismo italiano, mais tarde preso por colaboracionismo com os ocupantes nazis.

Quando, mais tarde, Hergé resolveu redesenhar os seus primeiros álbuns, recusou-se a fazê-lo com essa primeira obra, que o próprio renegou e impediu que tivesse sido reeditado, até quase ao ano da sua morte, em 1983.

O que é um facto é que essa primeira aventura, se foi muito influenciada pela propaganda anticomunista da época e exagerou na caricatura dos bolcheviques, acabaria por se tornar premonitório em relação ao rumo totalitário que a revolução soviética tomou na década de 1930, sob a terror stalinista.

Fosse como fosse, nessa primeira aventura já se encontravam alguns dos traços que caracterizaram as aventuras de TinTin, como o suspense no final de cada prancha, recorrendo à técnica  que Hergé foi buscar ao cinema de Hitchcock, a simplicidade das linhas, na origem da chamada “linha clara”, e a utilização do balão para as falas dos personagens, em vez da forma tradicional de usar a imagem como simples ilustração de um texto.

O termo “linha clara” para classificar o estilo de Hergé e de outros autores da escola franco-belga teve origem no termo holandês Klare Lijn aplicado pelo desenhador gráfico Joost Swarte, na exposição dedicada a TinTin “Kuifje in Rotterdam”, realizada nesta cidade entre 5 de Fevereiro e 14 de Março de 1977.

Sobre a famosa “linha clara”, para Edgar Pierre Jacobs, esse estilo não passou de um mito, já que foi imposto por razões técnicas, pois alguns pormenores e cores não passavam no tipo de impressão usado nos anos 30/40 do século XX, sendo necessário simplificar o desenho e torna-lo o mais eficaz e legível possível.

Benoît Peeters, biografo de Hergé, afirma que este “introduziu uma revolução discreta na banda desenhada europeia” ao tratar de temas adultos e falando do mundo contemporâneo num jornal infantil.

A segunda aventura da série foi igualmente controversa, “Tintin no Congo”, muito marcado pelo espírito colonialista, num país, como a Bélgica, que tinha no Congo a sua principal colónia africana. Hergé tinha desejado escrever, como segunda aventura, uma aventura na América, mas a direcção do jornal pressionou o autor a escolher uma aventura passada nessa colónia belga, para reforçar a propaganda colonialista que estava no espírito desse órgão de comunicação.

Hergé niciou a publicação dessa aventura em 9 de Julho de 1931, sem, segundo as suas palavras, nada saber desse país, “a não ser o que se dizia na época: Os negros são crianças crescidas, Ainda bem que nós lá estamos, e outras coisas do género”, desenhando “esses africanos segundo tal bitola, no mais puro espírito paternalista, que era aquela que então se vivia na Bélgica” (entrevista com Numa Sadoul).

Contrariado e sem entusiasmo Hergé começou a editar essa segunda aventura em 9 de Julho de 1931.

Mais tarde Hergé, mais maduro e mais politizado, desculpando-se com a juventude e o espírito do tempo, reviu toda aventura em 1946, retirando-lhe as suas características mais colonialistas, revendo diálogos e algumas cenas.

Nessa aventura, TinTin conhece o primeiro de uma galeria de personagens infantis, o negrito Coco, companheiros das aventuras do célebre “repórter”.

Em 1932 consegue, finalmente, iniciar a aventura que tanto desejava desenhar, “TinTin na América”. Esta aventura seria totalmente redesenhada em 1946, reflectindo  muito da influência do cinema norte-americano, cruzando os ambientes do “Cinema negro” e do Western. O filme critica muito do ambiente social norte-americano, denunciando principalmente o racismo e o tratamento dado aos índios.

“Os Cigarros do Faraó” vai ser a quarta aventura de TinTin, que conhece uma nova dimensão, a do mistério e do fantástico, num ambiente e em cenários mais elaborados que nas histórias anteriores.

Será totalmente redesenhada em 1955. Nesta aventura, passada em vários países do Oriente, surgem vários personagens que vão marcar a série, ao longo do tempo, como o vilão Rastapopoulos,  o comerciante português Oliveira da Figueira ou os famosos policias Dupond e Dupont, designados, originalmente, como os agentes X33 e X33bis

Até ao “Lótus Azul”, de 1934 , continuação da aventura anterior, a evolução das aventuras ia-se desenrolando de forma espontânea, sem um plano pré concebido.

Foi o próprio Hergé que afirmou que, até o “Lótus Azul”, as aventuras de TinTin “eram uma série de peripécias cómicas e emotivas (…) sem argumento nem plano de trabalho. (…) Le Petit Vingtième saía às quartas feiras à noite e por vezes acontecia-me não saber na véspera como é que eu libertaria TinTin da má situação da qual eu o tinha abandonado durante a semana anterior”(entrevista a Numa Sadoul).

Foi só a partir desta aventura que Hergé iniciou a forma de trabalhar que seguiria daí para frente, documentando-se com rigor, planeando o desenrolar da acção e usando a tinta da china.

Essa mudança foi provocada por uma carta que Hergé recebeu do abade Gosset.

Tendo sido anunciado no jornal que a próxima aventura se passaria na China, nessa carta este padre,  criticando a falta de rigor que tinha detectado nas aventuras anteriores de TinTin, ofereceu-se para o ajudar na busca documental, e a evitar os clichés sobre a China. Professor da Universidade de Lovaina, onde orientava estudantes chineses, recomendou um jovem chinês, Tchang Tchong-Yen, para o ajudar a documentar-se e a conhecer a realidade chinesa.

Nascido em Xangai, Tchang  era um estudante de pintura e escultura, e entre ele e Hergé, ambos nascidos no mesmo ano de 1907, estabeleceu-se uma sólida amizade.

O jovem Tchang colaborou activamente com Hergé na recolha de documentação sobre a China, ao mesmo tempo que o esclareceu sobre a cultura desse país.

Também o introduziu na técnica do uso da tinta-da-china, que permitiu a Hergé tratar as cenas nocturnas como sombras chinesas.

Como homenagem a essa colaboração, Hergé deu o nome desse novo amigo a um dos personagens dessa nova aventura. Tchang, o personagem de BD, voltará a reaparecer no “TinTin no Tibet”.

No final dos anos de 1930, Tchang, o verdadeiro, regressou à China, onde se tornou um escultor famoso, aderindo à Revolução Chinesa do pós guerra, mas acabando vítima da Revolução cultural dos anos de 1960.

A Guerra europeia e a situação política na China do pós Guerra levou Hergé a perder o rasto de Tchang,  não desistindo, contudo, de o procurar.

Em 1976 conseguiu, finalmente, localizá-lo, e iniciou uma troca de correspondência com o seu amigo da juventude, enviando-lhe exemplares dos álbuns “O Lótus Azul” e “Tintin no Tibet”, onde Tchang aparecia como personagens. Finalmente, em Março de 1981, os dois amigos, já septagenários, reencontraram-se em Bruxelas.

O reencontro será de pouca duração, porque Hergé faleceu dois anos depois. Tchang estabeleceu-se em França e, ainda antes de falecer em 1998, homenageou o seu amigo, esculpindo o busto de Hergé.

A partir de “O Lótus Azul”, as aventuras seguintes de TinTin, “A Orelha Quebrada” (1937), “A Ilha Negra” (1938), e “O Ceptro d’Ottokar” (1939) vão caracterizar-se por um rigor narrativo e um grafismo mais cuidado.

Foi também a partir daquela aventura que Hergé, segundo as suas próprias palavras, se começou a interessar “verdadeiramente pelas pessoas e pelos países aos quais” enviava Tintin.

Além de mudar de método, Hergé beneficiou também de se distanciar da influência ideológica do padre Wallz, afastado do “Vigtiéme Siécle” em 1933, devido às suas simpatias nazi-fascistas.

Se em o “Lótus Azul” Hergé alertava para o perigo do expansionismo do Império Japonês e denunciava os estereótipos em relação ao mundo asiático, em “O Ceptro de Ottokar”, cuja primeira prancha foi publicada em 4 de Agosto de 1938, denunciou, de forma metafórica, o crescente perigo do expansionismo nazi, chegando mesmo a apelidar um dos vilões dessa aventura e “Müsstler”, combinação dos nomes de Mussolini e Hitler.

Recorde-se que, em 12 de Março desse ano tinha acontecido o “Anschluss”, a anexação da Áustria pela Alemanha nazi.

A última prancha de “O Ceptro de Ottokar” foi publicada no “Le Petit Vingtiéme” em 10 de Agosto de 1939, menos de um mês antes do início da Segunda Guerra Mundial, em 1 de Setembro de 1939.

Nos finais de 1939 Hergé é mobilizado para o exército, sendo colocado no norte da Bélgica. Apesar dessas obrigações militares, ele consegue arranjar tempo para enviar 2 pranchas por semana da nova aventura de TinTin, “TinTin no País do Ouro Nego”, que era a continuação da aventura anterior.

Quando em 9 de Maio de 1940 a Bélgica foi ocupada pelos nazis, estes encerram o “Vigtiéme Siécle”, apesar deste jornal ser conservador e simpatizante do fascismo.

Essa situação levou à interrupção da publicação dessa aventura de TinTin, que só será retomada e concluída em 1948, sendo modificado o início da história, assim como a fisionomia dos personagens.

No momento da invasão, e desde 10 de Abril, Hergé encontrava-se em território francês, acompanhado da sua primeira esposa e do seu gato, aguardando em Paris o desenrolar da situação no seu pais.

Regressado à Bélgica, Hergé encontra-se desemprego, recusando um lugar no jornal oficial do movimento rexista, o movimento nazi-fascista belga, mas, para sobreviver, aceita continuar a publicar as aventuras de TinTin no jornal Le Soir, agora totalmente controlado pelos ocupantes nazis.

Hergé cria um suplemento juvenil nesse diário, “Le Soir Junesse”, editado pela primeira vez em 17 de Outubro de 1940, onde reaparecem as aventuras de TinTin, na aventura “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”. Quando esse suplemento encerra, em 23 de Setembro de 1941, devido às dificuldades em obter papel para edição, essa aventura continua a ser publicada, mas agora em pequenas  “tiras” diária, na edição principal desse jornal.

Irá publicar ainda, nessa época, outras três aventuras de TinTin, “As Sete Bolas de Cristal”, “O Segredo do Licorne” e a continuação desta aventura, “O Tesouro de Rackan o Vermelho”. Ao contrário das aventuras editadas antes da ocupação, estas histórias não abordam acontecimentos reais, praticando uma “literatura de pura evasão”, única forma de escapar à censura nazi, até porque duas aventuras anteriores a esse período foram proibidas de circular pelo ocupante nazi, “A Ilha Negra”, acusada pela censura nazi de anglófila, por causa das referências à escócia, e “TinTin na América”, por se passar noutro país inimigo, os Estados Unidos. Curiosamente, “O Ceptro d’Ottokar”, por muitos considerada uma história anti-fascista, escapou à censura.

Não podendo explorar a realidade que o rodeava, Hergé vai acabar por enriquecer o mundo interior das aventuras de TinTin, surgindo neste período uma galeria de personagens que vão valorizar a série, do ponto de vista narrativo,  psicológico e dramático.

O capitão Haddock surge pela primeira vez em “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”, Nestor e o castelo de Moulinsart em “O Segredo do Licorne”, o professor Tournesol em “O Tesouro de Rackan o Vermelho” e Serafim Lampião nas “Sete Bolas de Cristal”.

Quando a Bélgica é libertada pelos aliados, em 3 de Setembro de 1944, todos os responsáveis e colaboradores do Le Soir são acusados de colaboracionismo. A publicação de “As Sete Bolas de Cristal” nesse jornal é interrompida nessa data. Hergé é preso por quatro vezes e atravessa um período difícil. Só em Maio de 1946 é que Hergé consegue obter das forças aliadas um “certificado de civismo”, pois nunca se descobriu qualquer atitude de Hergé, ou no conteúdo das aventuras de Tintin publicadas durante a ocupação nazi, que revelasse simpatia ou colaboração com os ocupantes.

Recorde-se, aliás, que Hergé tinha publicado, nos anos 1930 desenhos antimilitaristas  anti-Hitler, situação evidente num gag da série Quick e Flupke de 1933, ridicularizando os discursos radiofónicos de Hitler e Mussolini, ou num personagem com uma vida efémera de 4 gags, Monsieur Bellum, publicado em 1939 no semanário belga neutralista “L’Ouest”, onde o personagem, na sequência de um desses gags, escreve numa parede “Hitler est un fou!”, sem esquecer o acima referido“O Ceptro de Ottokar”, publicado também neste ano.

Como já referimos, até 1942 as aventuras de TinTin foram editadas a preto e branco. A primeira aventura passada a cores foi “A Estrela Misteriosa”, para o álbum editado em 1942.

A introdução da cor nas aventuras de TinTin ficaram a dever-se à insistência de Louis Casterman junto de Hergé para que a edição em álbum dessa série fosse a cores, para rentabilizar o uso de uma máquina de offset que esse editor tinha adquirido.

Inicialmente Hergé mostrou-se renitente em colorir a sua série, considerando que a introdução da cor retirava nitidez ao seu desenho, para além de não dominar as técnicas de colorir. Por outro lado, aquele editor também queria que Hergé, para a edição em álbum de TinTin, redesenhasse as aventuras deste personagem para caberem nas 62 páginas de um álbum, limite imposto pela falta de papel durante a guerra, e que se tornou norma. Hergé ficou ainda preocupado com o aumento de trabalho que isso ia provocar.

Para o convencer, Casterman encorajou Hergé a rodear-se de colaboradores. Este então lembra-se de um personagem que lhe tinha sido apresentado em 1942 por Jacques Van Melkebeke, um amigo comum, um tal Edgar Pierre Jacobs, cujo trabalho na revista Bravo, principalmente as suas qualidades de colorista reveladas na aventura aí publicada, Le Rayon U, muito tinham impressionado Hergé.

Meses depois daquele primeiro encontro, ambos iniciam a colaboração para colorir, primeiro “TinTin no Congo”, depois o “Lótus Azul”, “O tesouro de Rackan o Vermelho” e “O Ceptro de Ottokar”. Jacobs, para este último álbum, ajuda Hergé a redesenhar cenários e uniformes.

Jacobs confessaria mais tarde que ambos se divertiram imenso a rever “O Ceptro d’Ottokar”, onde caricaturaram, como personagens dessa aventura,  vários conhecidos e amigos.

Aliás, o próprio Jacobs acabou, anos mais tarde,  caricaturado, dentro de um sarcófago na capa de “Os Cigarros do Faraó”, editada em 1955.

Perante o êxito dessa colaboração, Hergé convidou Jacobs para o ajudar a documentar-se para duas aventuras, o complemento da interrompida “As 7 bolas de cristal” e a nova “O templo do Sol”. Jacobs foi mesmo fundamental na elaboração dos cenários dessas aventuras.

Por essa altura, logo após a libertação,  chegaram a ponderar realizar três histórias diferentes em conjunto, assinando com um pseudónimo comum: OLAV:

Uma das séries era ao estilo Western, outra policial e a terceira passar-se-ia no Pólo Norte.

Chegaram a elabora três pranchas, uma para cada série, mas entregaram-no a um negociante de Bruxelas que desapareceu com elas, ficando essa idéia sem efeito.

Também realizaram em comum o projecto de “Voir e Savoir”, uma colecção de cromos consagrada à história dos meios de transporte, continuada mais tarde pelos “Estúdios Hergé” .

Foi assim, de forma natural, que Hergé convidou Jacobs a fazer parte da equipa fundadora da revista “TinTin”, fundada em 1946 ( e que se publicou até 1988, conhecendo versões em vários países, como em França, cuja edição se iniciou em 28 de Outubro de 1948, na Holanda, onde TinTin foi deignado como Kuifje, e, a partir de 1968, em Portugal) .

O projecto da revista ficou  a dever-se a Raymond Leblanc, que combateu na resistência contra a ocupação nazi, e, durante os 2 primeiros anos, as suas páginas foram partilhadas por 4 autores, para além de Hergé e Jacobs, por Paul Cuvelier e Jacques Laudy.

A edição belga original da revista TinTin publicou o seu último número em 29 de Novembro de 1988, devido ao facto de a Fundação Hergé ter retirado à editora Lombard o direito de publicar um jornal com o título de TinTin.

“O Templo do Sol” foi a primeira aventura de TinTin publicada a partir do 1º número  da revista, saído em 26 de Setembro de 1946.

Jacobs trabalhava durante metade do dia para Hergé e, na outra metade, na primeira aventura de Blake e Mortimer, publicada também logo no primeiro número desse semanário, “O Segredo do Espadão”.

Jacobs acabou por desistir da colaboração com Hergé, em 1947, devido ao excesso de trabalho, mas também, ao que parece, por algumas divergências pessoais, pois Jacobs terá exigido que o seu nome também constasse na autoria das aventuras de TinTin, onde a sua colaboração, como cenarista e colorista, foi fundamental para o êxito da série, até porque Hergé passou a exigir que Jacobs passasse a dedicar-se a 100% a TinTin….mas mantendo Hergé como único autor.

Apesar das divergências, a amizade entre os dois autores manteve-se sempre forte até à morte de Hergé em 1983 (Jacobs só lhe sobreviveu 4 anos, falecendo em 1987).

Para colmatar o afastamento de Jacobs, Hergé fundou, em 1950, os “Studios Hergé”, reunindo à sua volta vários jovens e talentosos colaboradores, tais como Bob de Moor, Jacques Martin, Roger Leloup e Boudouin van den Braden, entre muitos outros.

O primeiro trabalho, sob orientação directa de Hergé, foi retomar e completar a aventura “O País do Ouro Negro”, interrompida quando do encerramento do Le Vigtiéme Siécle em 1940.

Seguiu-se um dos seus projectos mais ambiciosos da série, “Objectivo Lua” e “Em Marcha sobre a Lua”. Seguiram-se “O Caso Tournesol” e “Carvão no Porão”.

Uma outra componente dos Estúdios foi recupere alguns projectos anteriores à guerra, como colorir as histórias mais antigas que ainda não tinham passado por essa transformação, bem como colorir e rever “As Aventuras de Jo, Zette et Jocko” e “As Explorações de Quick e Flupke”, modernizando também alguns detalhes decorativos dessas histórias antigas.

O terceiro tipo de actividades desse estúdio foi dar continuidade à colecção de cromos “Voir et savoir”, elaboração de calendários e folhetos publicitários, usando personagens da série.

A consagração da série atinge o auge nos anos 1950, com traduções das aventuras de TinTin em quase todo o mundo, com tiragens gigantescas dos álbuns, aparecendo também nessa década, em 1959, o primeiro livro consagrado a um autor de Banda Desenhada, “Le Monde de TinTin”, da autoria de Pol Vandromme.

Contudo, o êxito mundial da série coincide com um período de depressão, esgotamento e crise pessoal vivido por Hergé, iniciado em 1958.

Essa situação leva-o a acabar, com grande dificuldade,  a elaboração do álbum “TinTin no Tibet”.

Ultrapassada a crise, com recurso à psicanálise, Hergé edita aquela que é considerada por muitos a sua obra prima, “As Jóias de Castafiore”, aventura publicada em 1963, onde um grupo de ciganos acampados junto a Moulinsart dá oportunidade a Hergé de criticar os preconceitos racistas em relação a essa etnia.

Nos anos de 1960, a série conhece um novo impulso, com a realização de filmes, com personagens reis, baseados na série, o primeiro dos quais foi “O Mistério do Tosão de Ouro”, em 1961, de dois filmes de animação de longa metragem, entre estes a adaptação de “TinTin e o Templo do Sol”, realizado em 1969, e de uma série de cinema de animação para a televisão, saída dos Estúdios Hergé.

O ritmo de trabalho de Hergé, ao longo doa anos 60, tornou-se mais lento. Depois de “As joias de Castafiore”, será preciso esperar cinco anos por uma nova aventura de TinTin, “Voo 714 para Sidney”, editado em 1968.

Para a lentidão do seu ritmo de trabalho contribui a sua nova paixão, a pintura, à qual ela chega mesmo a pensar dedicar-se em exclusividade, abandonando a Banda Desenhada. Na mesma época Hergé viaja imenso, não só pela Europa, mas, pela primeira vez, em 1971, aos Estados Unidos, viajando para Taiwan em 1973. Neste caso foi o cumprimento de um desejo, adiado desde 1939, quando tinha sido convidado pelo governo  chinês da altura a visitar o país, como paga pelo “serviço prestado” à causa chinesa, então ameaçada pelos japoneses, no seu álbum “Lótus Azul”.

Em 1972 os estúdios Belvision de Bruxelas estreiam um filme de animação, “Tintin e o Lago dos Tubarões” realizado por Raymond Leblanc, com argumento de Michel Greg e a colaboração de Hergé.

Ao contrário de outros projectos cinematográficos de aventuras de TinTin, que partiam das aventuras já editadas por Hergé, neste caso aconteceu o contrário, publicando-se um álbum que é a cópia da animação, onde Hergé teve um papel secundário na elaboração, tanto do argumento como dos desenhos.

Desta vez será necessário esperar 8 anos  por uma nova aventura de Tintin, a última completada por Hergé, “TinTin e os Picaros”, editada em 1976.

Em 1979, o cinquentenário de Tintin realiza-se com grande fausto e cerimonial em Paris e em Bruxelas, com uma grande exposição que percorrerá a Europa, “O Museu Imaginário de TinTin”.

Durante o principio da década de 1980 as aparições públicas de Hergé tornam-se cada vez mais raras. Por essa altura, o autor anuncia que está a desenhar uma nova aventura que se passará no meio das artes plásticas, ao mesmo tempo que prepara um gigantesco fresco para uma estação de metro em Bruxelas.

Sabe-se, entretanto, que Hergé sofre de leucemia e, em 25 de Fevereiro de 1983, na sequência de uma falência cardíaca, é hospitalizado, acabando por falecer no dia 3 de Março, pelas 22 horas. Tinha 75 anos.

O seu 24º álbum, “TinTin et L’Alph’Art”, passado no meio do mundo da arte, ficou assim inacabado.

Ao contrário de outras séries, Hergé deixou o pedido aos seus herdeiros, a sua 2º esposa, Fanny Remi, 27 anos mais nova, para que a série não voltasse a ser retomada por outros autores.

Tendo-se voltado a casar, com o inglês Nick Rodwell, dono da Loja TinTin em Londres, Fanny fundou com o seu actual marido a Moulinsart , sociedade detentora de todos os direitos da obra de Hergé.

Sabe-se, entretanto, que até 2054, será editada uma nova aventura de Tintin, com o objectivo de evitar que a série e os seus direitos de autor caiam no domínio público, o que acontecerá nesse ano.

As gerações mais novas, que já não viveram as aventuras de TinTin nas revistas entretanto desaparecidas, terão tido um primeiro contacto com a série no filme de Spielberg 2011.

Hergé e a “sua” “linha clara” fizeram escola entre muitos outros autores de BD, como os holandeses Joost Swarte e Theo van den Boogard, os franceses De Floch, Ted Benöir e Serge Clerc e Tardi ou o belga Alain Goffin, sem esquecer Yves Chaland que homenageia as suas influências na série Freddy Lombard, reivindicando-se igualmente como seus “herdeiros” estéticos autores norte-americanos como Charles Burns ou Chris Ware, sem esquecer os muitos autores por ele influenciados que passaram pelos “estúdios Hergé” e pela revista TinTin.

Interrogado sobre a morte e a reincarnação, Hergé respondeu que gostaria de retornar à terra sob a forma de um gato siamês, “mas vivendo no seio de uma boa família”. 

Se virem um por aí, mostrem-lhe um álbum de Tintin e peçam-lhe um autógrafo. No mundo de Hergé, nunca se sabe!!

As Controvérsias

Foram muitas as controvérsias geradas à volta das aventuras de Tintin, como as já referidas à volta de das duas primeiras aventuras.

Houve mesmo quem visse na relação entre Tintin e o capitão Haddock sinais de homossexualidade.

O facto de haver poucas mulheres na série foi outro motivo de polémica.

Defendendo-se desta acusação, Hergé afirmou que essa situação não era por misoginia, mas porque, para ele, “a mulher nada tem a fazer num mundo como o TinTin. É o reino da amizade viril e esta amizade nada tem de equívoco. Claro que aparecem poucas ou nenhumas mulheres. E quando elas surgem são monstros, como Castafiore…Se eu crio uma personagem de rapariga, ela tem de ser bonita, caso contrário não vale a pena, e que fará ela num mundo onde todos os indivíduos são caricaturas?...Amo demasiadamente a mulher para a caricaturar” (entrevista a Numa Sadoul).

Ao longo do tempo surgiram várias versões ilegais da TinTin, algumas parodiando a série, muitas de caracter mais “underground”, variando entre o teor pornográfico, e o uso da série para propaganda política.

Talvez a mais antiga versão pirata de TinTin tenha sido uma tira curta, intitulada “TinTin au pays des nazis”, publicada em 1944 e satirizando o trabalho de Hergé no jornal Le Soir, controlado pelos ocupantes nazis.

Entre as muitas edições piratas usando TinTin para propaganda e paródia política, a mais famosa e disputada por colecionadores é “The Adventure of TinTin – Breaking Free” da autoria de J. Daniels, um pseudónimo não identificado, publicado na revista anarquista britânica Attack Internacional, em 1988 e reeditada em Janeiro de 1999.

Nesta “aventura” de 176 páginas TinTin vive, de forma miserável, num bairro operário londrino e participa numa violenta revolução para derrubar o governo britânico.

Também na revista humorística norte-americana National Lampoom surgiu um “TinTin no Líbano”, uma critica à politica de Ronald Reagan para o médio-oriente.

Do mesmo teor político, são muitas as aventuras de “contrafacção” envolvendo TinTin e o seu universo, como “TinTin no Iraque”, de 2003, “TinTin em El Salvador”, “TinTin dans le Golf”, “L’Énigme du 3ième message”, uma provável referência ao terceiro segredo de Fátima, ou “Les Harpes de Greenmore”, onde TinTin aparece como guerrilheiro do IRA.

São também muitas as obras de teor erótico-pornográfico envolvendo TinTin e outras personagens da série.

Desse teor, as mais conhecidas e reproduzidas são “TinTin en Suisse” e“La Vie Sexuelle de TinTin”.

“TinTin en Suisse” foi desenhado por Charles Callice em 1976, para uma editora de Amesterdão, edições Sombrera.

Esta paródia erótica está interdita na França e na Bélgica, mas a sua edição continua autorizada na Holanda.

Sobre este álbum foi feita, em 1983, uma paródia ao próprio álbum, “Kuifje en de Vervalsers”

Uma versão reciclada dessa aventura ilegal foi realizada por Jan Bucquoy. Este Jan Bucquoy foi responsável pela interdita “La Vie Sexuelle de TinTin”.

Existem muitas outras paródias de tipo erótico-pornográfico explorando o universo de Tintin, como “TinTin na Tailândia” ou “TinTin pour les dames”, numa alusão irónica à quase ausência do universo feminino nas histórias de TinTin.

Mas é aquela “Vida Sexual de TinTin” que mais polémica tem gerado, com edições em várias línguas e um processo judicial que, em 1992, condenou o seu autor Jan Bucquoy.

Este Bucquoy, um autor belga de banda desenhada e com carreira cinematográfica, nascido em 1945 e de tendência anarquista, foi autor de várias bandas desenhadas de teor erótico e mesmo pornográfico, tendo publicado a primeira versão dessa “aventura” no nº3, fora-se-série, da revista “Bede X”, em 1980. Mais tarde essa história foi reeditada pela revista belga “Belge”, motivando o processo judicial referido em cima. Apesar disso essa aventura foi publicada num album de 40 páginas em 1993, com o título “La Vie Sexuelle de TinTin”.

Uma das mais recentes controvérsias à volta da figura de TinTin foi motivada por um conjunto de pranchas e quadros do artista plástico bretão Xavier Marabout, nascido em 1967, representando imaginárias cenas do quotidiano de um TinTin adulto e namoradeiro, em cenas quase eróticas.

Uma parte dessa obra imagina, em duas pranchas “mudas”, uma relação entre TinTin e outra personagem de BD, Yoko Uno, personagem criada por Roger Leloup, um autor de BD que trabalhou nos Estúdios Hergé.

As outras obras em acrílico sobre tela, num total de 23, exploram uma imaginada vida amorosa de TinTin, baseado em obras de Edward Hopper, expoente máximo do chamado híper-realismo.

Como seria de esperar, essa interpretação foi contestada pela “Sociedade Moulinsart”, que detém os direitos de autor da série TinTin, mas que acabou por perder o processo no tribunal de Rennes, que, no início de 2021, decidiu a favor do artista bretão.

Marabout começou as suas obras, usando a figura de TinTin, em 2014 e, em 2015, expôs algumas das suas obras na Bélgica, exposição que motivou a reacção da “Moulinsart”, tendo o processo começado a corre em tribunal em 2017, acabando este por decidir a favor da liberdade artística do pintor bretão.

Além disso, a Moulinsart foi condenada a pagar uma indeminização ao artista plástico, no valor de 10 mil euros, e a pagar as custas do processo, no valor de 20 mil euros.

Marabout não pretende continuara a explorar a série TinTin nas suas obras, mas gostaria de realizar parcerias idênticas às que realizou com TinTin e Hoper, desta vez misturando o universo de Philémon de Fred, com o de Salvador Dalí, ou o de Dragon Ball Z com o de Mark Rothko.

ANEXO 1 - Relação das aventuras de Hergé , publicadas no Mundo e em Portugal:

Título Original/título definitivo

Título em Português

Local da 1º Publicação

Data

1ª publicação em Portugal

Data

Data 1º álbum

Data 1º álbum em língua portuguesa

Les Aventures de TinTin repórter au pays des Soviets/ TinTin au Pays des Soviets

TinTim no País dos Soviéticos

Le Petit Vingtiéme

10-01-1929 a 11-05-1930

TinTin

31-07-1982 a 02-10-1982 (ficou incompleta)

Setembro 1930

1999

Les Aventures de TinTin Reporter au Congo/Tintin au Congo

TinTim no Congo

Le Petit Vingtiéme

05-06-1930 a 11-06-1931

O Papagaio

13-04-1939 a 14-12-1940

(com o Título de “Tim-Tim em Angola”

1931

1978

Les Aventures de TinTin Reporter à Chicago/Tintin en Amérique

TinTim na América

Le Petit Vingtiéme

03-09-1931 a 20-10-1932

O Papagaio

16-04-1936 a 20-05-1937 (1ª aventura de TinTim em Portugal, com o título “Aventuras de Tim-Tim na América do Norte”

1932

1978

Les Aventures de TinTin Reporter en Orient/ Les Cigares du Pharaon

Os Charutos do Faraó

Le Petit Vingtiéme

08—12-1932 a 08-02-1934

O Papagaio

24-06-1937 a 12-05-1938 (com o título “Aventuras de Tim-Tim no Oriente”

1934

1967

Les Aventures de TinTin en Extrême-Orient/Le Lotus Bleu

O Lótus Azul

Le Petit Vingtiéme

09-08-1934 a 17-10-1935

O Papagaio

16-06-1938 a 16-03-1939 (com o título de “Novas Aventuras de Tim-Tim”)

1936

1967

Les Nouvelles Aventures de TinTin/L’Oreille Cassée

A Orelha Quebrada

(ou o Ídolo Roubado)

Le Petit Vingtiéme

05-12-1935 a 25-02-1937

O Papagaio

04-01-1940 a 26-12-1940 (com o título de “Tim-Tim e o mistério da Orelha Quebrada”

1937

1968

Les Nouvelles Aventures de TinTin et Milou/L’île Noir

A Ilha Negra

Le Petit Vingtiéme

15-04-1937 a 16-06-1938

O Papagaio

16-01-1941 a 26-02-1942 (Tim-Tim na Ilha Negra”

1938

1961

TinTin en Syldavie/Le Sceptre d’Ottokar

O Ceptro de Ottokar

Le Petit Vingtiéme

04-08-1938 a 10-08-1939

Diabrete

09-03-1949 a 18-03-1950 (“Aventuras de Tim-tim e Rom-Rom”)

1939

1961

Les Aventures de TinTin et Milou/Le Crabe aux Pinces d’Or

O Caranguejo das Tenazes de Ouro

Le Soir

17-10-1940 a 18-09-1941

O Papagaio

16-04-1942 a 10-06-1943 (“Tim-Tim no Deserto”)

1941

1964

Les Aventures de TinTin et Milou/L’Étoile Mystérieuse

A Estrela Misteriosa

Le Soir

20-10-1941 a 21-05-1942

O Papagaio

12-08-1943 a 16-08-1945

(=)

 

1942

1961

Les Aventures Extraordinaires de Tintin et Milou/Le Secret de la Licorne

O Segredo do Licorne

Le Soir

11-06-1942 a 14-01-1943

O Papagaio

O6-02-1947 a 15-04-1948

(=)

1943

1961

Les Aventures de TinTin et Milou/Le Trésor de Rackman le Rouge

O Tesouro de Rackham o Terrível

Le Soir

19-02-1943 a 23-09-1943

Diabrete

25-03-1950 a 21-031951 (“O Tesoiro do Cavaleiro da Rosa”)

1945

1962

Les Aventures de TinTin et Milou/Les Sept Boules de Cristal

As 7 Bolas de Cristal

Le Soir

16-12-1943 a 03-09-1944

Diabrete

04-04-1951 a 29-12-1951 (=).

1948

1965

Le Temple du Soleil

O Templo do Sol

TinTin (ed.belga)

26-09-1946 a 22-04-1948

Cavaleiro Andante

05-01-1952 a 22-08-1953 (=).

1949

1965

Au Pays de L’Or Noir

TinTim no País do Ouro Negro

TinTin (ed.belga)

16-09-1948 a 23-02-1950

TinTin

22-03-1980 a 22-11-1980

(=).

1951

1967

On a Marché sur la Lune/ Objectif Lune

Rumo à Lua

TinTin (ed.belga)

30-03-1950 a 30-12-1953

Cavaleiro Andante

17-10-1953 a 31-12-1955

(com o título de “Tim-tim na Lua” edita as duas aventuras em sequência com o mesmo título)

1953

1969

On a Marché sur la Lune

Explorando a Lua

TinTin (ed.belga)

30-03-1950 a 30-12-1953

Cavaleiro Andante

Ver nota em cima

1954

1969

L’Affaire Tournesol

O Caso Girassol

TinTin (ed.belga)

22-12-1954 a 22-02-1956

Cavaleiro Andante

02-03-1957 a 03-05-1958 (“O Caso da Arma Secreta”).

1956

1978

Coke en Stock

Carvão no Porão

TinTin (ed.belga)

31-10-1956 a 01-01-1958

Cavaleiro Andantes

03-10-1959 a 03-12-1960 (“Os mercadores de Ébano”)

1958

1978

TinTin au Tibet

TinTim no Tibete

TinTin (ed.belga)

17-09-1958 a 25-11-1959

Cavaleiro Andante

18-11-1961 a 04-08-1962

1960

1978

Les Bijoux de La Castafiore

As Jóias de Castafiore

TinTin (ed.belga)

04-07-1961 a 04-09-1962

Zorro

06-04-1963 a 06-06-1964 (“As Jóias da Prima Dona”

1963

1978

Vol 714 pour Sidney

Voo 714 para Sydney

TinTin (ed.belga)

27-09-1966 a 28-11-1967

TinTin

30-11-1968 a 24-05-1969

1968

1978

Le Lac aux requiens

Tintim e o Lago dos Tubarões

Casterman

1972

TinTin

02-10-1976 a 26-02-1977

1973

1980

TinTin et les Picaros

Tintim e os Pícaros

TinTin (ed.belga)

16-09-1975 a 13-04-1976

TinTin

17-04-1976 a 25-09-1976

1976

1978

TinTin et L’Alph-Art

TinTin e a Alph-Art

 

 

 

 

1986

2004

 

Anexo 2 - Entre mais de 830 personagens da série TinTin, registe-se as mais importantes:

Personagens

1º aparição

Data

Em álbum

As origens

TinTin

TinTin no País dos Soviético

10 de Janeiro de 1929

Setembro de 1930

O irmão Paul, 5 anos mais novo que Hergé, foi a inspiração para TinTin. O nome é muitas vezes apontado como tendo origem num personagem criado em 1897 por Benjamin Rabier, pioneiro da Bd franco-belga, autor muito apreciado por Hergé na sua infância, e que se chamava TinTin-Lupin, embora Hergé sempre o tenha negado.

Milou

TinTin no País dos Soviético

10 de Janeiro de 1929

Setembro de 1930

0 nome do mais famoso fox-terrier baseou-se na alcunha de uma amiga de Hergé, Marie-Louise Van Cutsem, Malou para os amigos. Curiosamente Hergé gostava mais de gatos do que de cães.

Capitão Archibald Haddock

O Caranguejo das tenazes de Ouro

1941

1941

Baseadono título do filme de 1931 “O Capitão Craddock”. Há também quem defenda, como origem, o almirante Nicholas Haddock, do século XVIII ou o comandante do Titanic, Herbert James Haddock. Quanto ao feitio, Hergé considerava-o, ao lado de TinTin e de Tournesol, um dos seus “alteres-ego”.

Professor Tryphon Tournesol

O Tesouro de Rackan o Terrível

1944

1944

Inspirado no engenheiro suíço Auguste Piccard, recordista na altitude em balão, e também no irlandês John Phillip Holland, inventor do submarino.

Dupond et Dupont

Os Cigarros do Faraó

29 de Dezembro de 1932

1955

Inspirado no pai e no tio de Hergé, Alexis e Léon Remi. Inicialmente designados por X33 e X33bis.

Rastapopoulos

Os Cigarros do Faraó

29 de Dezembro de 1932

1955

Baseado na figura e na vida de Aristoteles Onassis.

Bianca Castafiore

O Ceptro d’Ottokar

5 de Janeiro de 1939

1947

Inspirada nas grandes divas da ópera do século XX, nomeadamente na soprano italiana Renata Tebaldi, a grande rival de Maria Callas.

Séraphin Lampion

O Caso Tournesol

19 de Janeiro de 1955

1955

O chato com que nos cruzamos muitas vezes na vida

Tchang

O Lótus Azul

1934

1936

Uma referência evidente ao chinês Tchang Tchong-jen, amigo da juventude de Hergé.

Abdallah

TinTin no País do Ouro Negro

16 de Junho de 1949

1950

A incarnação da criança insuportável e mimada.

 

BiBliografia consultada e/ou recomendada (Toda ela existente no arquivo pessoal do autor do blog, entre muitas outras obras) :

- De Avonturen van Kuifje in Portugal (A Aventura de TinTin em Portugal), “Sapperloot” nº 5 , 2004;

- BOLÉO, João P., “Hergé fascista ou aventureiro?”, in revista do Expresso de 16 de Janeiro de 1999, pp.34 a 41;

- CALADO, Jorge, “Aventura de TinTin – Objectivo Portugal”, in E –Revista do “Expresso”, 1 de Outubro de 2021, pp.20 a 28;

- CRATO, Nuno, “TinTin e a Ciência”, in “Única”, suplemento do Expresso, 8 de Março de 2003, pp.68 a 72;

- GALLO, Claude le, “TinTin herói do século vinte”, tradução de Vasco Granja, publicada ao longo do 1º ano da edição da revista portuguesa TinTin, de um artigo publicado no nº 4 do 3º timestre de 1967 da revista “Phénix”;

- “Marabout : J´’ai gagné mais j’arrête” (entrevista com o autor dos polémicos quadros de TinTin ao estilo Hooper), in Casemate nº 147 de Junho de 2021, pp.8 a 12;

- MARMELEIRA, José, “No Museu de Hergé”, in Ípsilon-Público, de 1 de Outubro de 2021;

- MENDES, Pedro Boucherie, “TinTin, a Eurostar”, in E-Revista do “Expresso”, pág.27, 1 de Outubro de 2021;

- LE Musée Imaginaire de TinTin, Sociéte des expositions du Palais des Beaux-Arts de Bruxelles, 1979;

- PESSOA, Carlos, As Aventuras de TinTin no Público – Guia de Leitura, ed. Público/Oficina do Livro,2004;

- PESSOA, Carlos, “Hergé – Morte e vida de um mito”, in Público Magazine, nº 157 de 7 de Março de 1993, pp.14 a 25;

- PESSOA, Carlos “TinTin Partiu há 70 anos para o país dos soviéticos”, in “Pública” (suplemento dominical do jornal Público),10 de Janeiro de 1999,  pp. 20 a 27

- PEETERS, Benoît, Hérge – Filho de TinTin, ed. Verbo 2003 ( a mais completa biografia de Hergé);

- “Porquoi on aime le capitaine Haddock?”, dossier da revista Les Cahiers de La BD, nº 15, Julho/Setembro de 2021, pp.90  a 115;

- Le rire de Tintin – les secrets du génie comique d’Hergé, nº especial L’Espress/BeauxArts magazine, 2014;

- La Saga du Journal TinTin, número especial da revista Paris-Match, 2016;

- Special Hergé, Schtroumpf-Les Cahiers de La Bande Dessinée, nº14/15, Setembro/Dezembro de 1971 (inclui uma longa e célebre entrevista dada por Hergé a Numa Sadoul, publicada na revista portuguesa “TinTin”, ao longo do 6º ano da sua edição, com tradução de Vasco Granja);

- Special Hegé – Vive TinTin, número especial da revista (A Suivre) publicado por ocasião da morte de Hergé em Abril de 1983;

- TAVARES, João Miguel, “Hergé em formato familiar – As “Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão” são mais um tijolo no edifício da linha clara erguido pelo mestre belga”, in Diário de Notícias, 30 de Julho de 2001;

- Tintin – C’est l’aventure, nº 9, Setembro/Novembro de 2021, ed. Geo

- TinTin – L’Aventure Continue, “hors série” da revista Télérama, Janeiro de 2003;

- TinTin grand Voygeur du siècle, nº especial da revista GEO, 2000;

- TinTin – survivra-t-il? , Haga – Revue de Bande Dessinee, nº16-17 , Inverno de 1974;

- “La Vie Sentimentale de TinTin – Hergé contre Hoper”, in Les Cahiers de La BD, nº8, Julho/Setembro de 2019, pp.65 a 77;