Em 15 eleições legislativas, realizadas desde 1976, e uma constituinte, em 1975, só duas foram tão imprevisíveis como esta, e tão dramaticamente disputadas, as constituintes de 1975 e as legislativas de 1980.
A imprevisibilidade é grande e o que está em jogo é ainda maior.
Está a jogo o uso do ultimo grande pacote de investimento nacional, o
célebre Plano de Recuperação e Resiliência, que pode condicionar o futuro económico
e social do país nas próximas décadas.
O resultado final não é indiferente ao uso que se vai dar a esses fundos.
Existem três hipóteses:
- usar esses fundos para profundas e verdadeiras mudanças e
investimentos estruturais na educação, na saúde, na habitação, nos transportes
públicos (nomeadamente na renovação da ferrovia e na actividade portuária), no
ambiente, nas energias renováveis, na planificação florestal e na exploração da nossa grande Zona Económica Exclusiva no
Oceano Atlântico, com todas as aposta tecnológicas e de investigação que essas
medidas exigem;
- repetir os erros do cavaquismo, agravados pelo socratismo e pelo
passos coelhismo, de entregar o ouro o bandido, isto é, aos grandes interesses
financeiros e às grandes empresas lideradas pelos boys do centrão, e aos
lobbies do betão e do turismo de massas;
- gerir esses fundos “conciliando” os dois caminhos anteriores, uma situação
que nos irá manter com os atrasos estruturais de sempre, mas agradando a alguns
sectores, mantendo assim o status quo do regime do centrão, e dando uma falsa
ilusão de “crescimento” económico, baseado no consumismo, o que garantirá a paz
social.
A juntar a essas opções que estão em jogo, temos a necessidade de
continuar a combater a pandemia e as suas consequências, provavelmente por
muitos anos, pelo menos por mais tempo que uma legislatura.
Não é por isso indiferente o tipo de governação a sair do resultado
destas eleições.
Mesmo que só existam dois partidos que as possam ganhar, o PS e o PSD,
também não é indiferente a relação de forças que se venha a gerar, quer à
esquerda, quer à direita desses partidos, quer o tipo de coligações e
negociações políticas para formar um governo que será, para já a única certeza
existente, um governo minoritário.
O regresso ao centrão é o pior que nos pode acontecer, levando-nos à
segunda hipótese acima indicada, principalmente se for o PSD a liderar, ou à
terceira, se esse centrão vier a ser liderado pelo PS.
A primeira hipótese só será viável com o PS a liderar, mas aliando-se à
sua esquerda, já que o actual PSD, o mais centrista em muitos anos, não garante
que não volte a acontecer o que sempre aconteceu, o “síndroma de Marcelo, o
Caetano”.
O que é esse “síndroma”? Parte de uma anedota que se contava acerca do
último ditador do Estado Novo. Dizia-se que Marcelo Caetano era o condutor mais
perigoso do país, porque fazia sinal à esquerda e virava à direita. O PSD
apresenta-se quase sempre em campanha eleitoral (menos com Cavaco Silva e
Passos Coelho) com um programa social-democrata, mas acaba a governar com um
programa antissocial, de cortes nos sectores sociais, de tipo neoliberal e em
beneficio do sector financeiro e das grandes empresas.
À direita do PSD também não será indiferente quem se apresentará em
condições para condicionar o PSD.
O CDS, partido que luta pela sua sobrevivência, é o único, dos partidos
à direita do PSD, que tem preocupações socias, já que tem uma forte tradição
democrata-cristã, recordando-se, aliás, que, se Passos Coelho não foi ainda
mais “além da Troika”, destruindo ainda mais o sector social, tal se deveu à
forma como o CDS conseguiu travar essa pretensão.
Já o Iniciativa Liberal, se surgir como principal partido à direita do
PSD, pressionará este partido a continuar, com mais convicção e firmeza, a “ir
ainda muito mais além da Troika”, entregando todo o ouro ao” bandido”.
O CHEGA é outra história, que não entra nesta equação, mas, se surgir
como segunda força de direita, pode fazer estragos, a prazo, na direita
democrática.
À esquerda, espera-se que o BE e o PCP aprendam a lição por terem
insistido em continuarem presos velhos dogmas e, por preconceito ideológico
e/ou tacticismo, continuarem numa senda de irresponsabilidade política, inviabilizando
a concretização da única hipótese válida na utilização de fundos, que é a
primeira que indicámos.
A única hipótese de o PS não optar pelo centrão e seguir o caminho da
segunda e terceira hipótese que apontamos para desenvolver o país e utilizar
correctamente os fundos do PRR, é um
fortalecimento do LIVRE e do PAN, de forma a viabilizar um governo do PS mais
social, menos virado para as negociatas de tipo socrático ou “centralista”,
havendo já alguns sectores do PS à espreta e a esfregar as mãos para prepara o
uso desses fundos em proveito da sua clientela, num grande bloco central.
E é esperar que, quer o BE, quer o PCP, se abram às novas necessidades
de desenvolvimento sustentável que a aplicação desses fundos pode representar.
Pode ser, contudo, que um resultado que os castigue os obrigue a rever posições
e opções, podendo entra na primeira equação que indicamos, até porque, mais o
PCP que o BE, são partidos que continuam a ser necessários, no mínimo para
vigiarem o uso desses fundos e para defenderem os sectores mais fracos dos
excessos que mau uso desses fundos possam provocar na sociedade e no mundo do
trabalho.
Mais do que nunca, nestas eleições joga-se o rumo do país para as
próximas décadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário