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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Recordando Eusébio - um texto de José Fanha:


NO TEMPO EM QUE NÓS PERDÍAMOS EM TUDO E APARECEU O EUSÉBIO

Por José Fanha

“Nós somos mesmo bestiais!” Era o que dizíamos quando eu era mais pequeno.

“Nesse tempo eu queria pertencer a qualquer coisa. Queria pertencer, por exemplo, ao meu país.

“É claro que eu já pertencia ao meu país que tinha um passado glorioso cheio de Descobrimentos e Vascos da Gama e Mouzinhos de Albuquerque e coisas assim. Mas isso era antigamente e, no tempo em que eu tinha 10 anos o meu país já não descobria nada há muito tempo e era muito pequenino comparado com outros países e, ainda por cima, passava o tempo a perder com todos.

“Nós, lá na minha escola, ficávamos muito tristes sempre que o nosso país perdia. E o pior é que perdia quase todos os dias.

“Depois, para ficarmos satisfeitos inventávamos umas coisas em que o nosso país era muito bom porque eram coisas que mais nenhum país sabia. O hóquei em patins, o jogo do pau, os matraquilhos, o abafador… Nessas coisas, era canja ganhar. Mas ficávamos tristes à mesma porque sabíamos que nunca ganhávamos nas outras coisas.

“De repente apareceu uma equipa de futebol que ganhava aos outros, aos grandes do estrangeiros. Uma equipa onde jogava o Coluna, o Germano, o Simões, o Águas, o José Augusto e aquele rapazinho chamado Eusébio que era uma força da natureza e marcava golos como mais ninguém.

“Eu era um miúdo e vi-o jogar no velho Estádio da Luz contra o Real Madrid, o Santos, o Feyenord, o Ajax e sei lá mais quê. E vi-o na televisão em 66 a marcar 4 golos à Coreia do Norte e a chorar quando perdeu com a Inglaterra.

“E de repente era bom pertencer àquele Portugal que tinha uma bela equipa de futebol e um grande, um imenso jogador chamado Eusébio.

“É claro que não tínhamos muito mais por que nos orgulharmos. Só depois, com o 25 de Abril, é que esse orgulho de ser português saiu para a rua com toda a força. (Agora tão apagado, esse orgulho, com esta gentinha vendida ao estrangeiro das troikas e baldroikas).

“Mais tarde conheci pessoalmente e cruzei-me váras vezes com o Eusébio. E fiquei fascinado com a sua simplicidade, a sua humildade, a grandeza doce da sua dimensão humana.


“Nunca lho disse mas acho que ele soube ler nos meus olhos o agradecimento por ter tornado um bocadinho maior e mais largo o país da minha primeira juventude.”

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

As Asas - um Poema de José Fanha, no dia do seu 61º aniversário:




ASAS


Nós nascemos para ter asas meus amigos.

Não se esqueçam de escrever por dentro do peito: nós nascemos para ter asas.

No entanto, em épocas remotas vieram com dedos pesados de ferrugem para gastar as nossas asas assim como se gastam tostões.

Cortaram-nos as asas como se fôssemos apenas operários obedientes, estudantes atenciosos, leitores ingénuos de notícias sensacionais, gente pouca, pouca e seca.

Apesar disso, sábios, estudiosos do arco-íris e de coisas transparentes, afirmam que as asas dos homens crescem mesmo depois de cortadas, e, novamente cortadas de novo voltam a ser.

Aceitemos essa hipótese, apesar de não termos dela qualquer confirmação prática.

Por hoje é tudo. Abram as janelas. Podem sair.



José Fanha, 1985, Cartas de Marear

(Podem ler mais poemas de José Fanha, consultando AQUI o seu site oficial).