A propósito do
centenário do “nascimento” da personagem Charlot, que se comemora este mês,
aqui recordamos um trabalho da nossa autoria, publicado por ocasião da morte de
Charles Chaplin, em 25 de Dezembro de 1977(Ver AQUI o Site oficial de Charlie Chaplin) .
Este foi um dos
primeiros artigos da minha autoria publicados na imprensa local, neste caso no
jornal “Oeste Democrático”, que tinha sido fundado pelo meu pai em 1975 e desde o seu falecimento em Outubro desse ano era então
dirigido por António Augusto Sales (mais tarde por Manuel Candeias).
O trabalho que
agora divulgamos foi publicado ao longo de três edições daquele semanário, em
20 de Janeiro, 3 e 17 de Fevereiro de 1978, sob o título de “Charles Chaplin :
Vida e Obra”, incluído numa secção de divulgação de cultura popular que eu
mantinha nas páginas desse jornal, intitulada “Análise”.
Mantivemos o
essencial do texto, corrigido de algumas pequenas imprecisões e gralhas:
CHARLES
CHAPLIN – UMA VIDA
OS
PRIMEIROS PASSOS
Charles Spencer
Chaplin nasceu a 16 de Abril de 1889 em Lamberth, bairro pobre de Londres (“14
dias antes de Hitler”).
Os seus pais eram
artistas de «music-hall». Sua mãe, Hannah Hill, pianista e cantora com o nome
artístico de Lily Harley, passou grande parte da sua vida internada em casas de
saúde (faleceu em 1928), principalmente após a morte do seu marido, barítono de
variedades e alcoólico, falecido em 1894.
Neste mesmo ano,
apenas com 5 anos, Chaplin substituiu a sua mãe numa peça de teatro
Durante vários
meses Charles e Sidney (o seu irmão) viveram num asilo.
Em 1908 é
contratado por Fred Karno para trabalhar na companhia de teatro “London Comedians”,
onde veio a conhecer o famoso Stan Laurel (o “estica” da dupla “Bucha e
Estica”), fazendo ambos parte da equipa de hóquei em patins da Companhia.
Dois anos depois
vai a Paris e aos Estados Unidos numa digressão teatral, que se volta a
repetir em 1912 e onde teve oportunidade de conhecer Mack Sennett que o contrata
para a Sociedade Keystone de Hollywood.
Em 1914 estreia-se
no mundo do cinema, protagonizando 35 filmes e tornando-se o cómico mais
conhecido e mais bem pago do mundo. O primeiro filme onde aparece, “Making a Living”
é realizado em Janeiro e estreia-se no dia 2 de Fevereiro. A personagem de “Charlot”
aparece no filme seguinte, “Kid auto races at Venice”, realizado em Fevereiro.
Chaplin explicava assim a criação die Charlot:
“Não tinha a menor
ideia da maneira como havia de me apresentar. Mas, quando me dirigia para o
vestiário, disse para com os meus botões que ia vestir umas calças largas de
mais, pôr uns sapatos enormes e completar o conjunto com uma bengala e um chapéu
de côco. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças exageradamente
largas, o casaco muito apertado, o chapéu pequeno de mais e os sapatos enormes.
“Devia ainda
resolver se assumiria um ar de jovem ou de velho, mas, lembrando-me de que
Sennett me tinha julgado mais velho, acrescentei à minha cara um pequeno bigode
que, segundo me parecia, dar-me-ia mais alguns anos, sem ocultar a minha expressão”.
Mas como explicar êxito
que desde logo aquele personagem conquistou? Um crítico de cinema explicava-o
do seguinte modo:
“Na América, o
chamado “novo mundo” da competição desapiedada da guerra, de todos contra
todos nas suas cidades babilónicas e desumanas, surge de repente um homem, um
homenzinho mal ajeitado, remendão e recalcitrante, que corre continuamente no
labirinto, cruza-se diante dos nossos olhos, desaparece, volta a aparecer,
sobe, desce, cai, levanta-se, apanha pancada, procura trabalho, barafusta, é
despedido, tem uma fome crónica de comida para o corpo e de ternura, de carinho
e de amor que não encontra por mais que procure (…).
“De quem ( do que) foge
Charlot? Dos seus perseguidores implacáveis, os guardiões do sistema que se
sentem ameaçados pela força daquele homenzinho fraco que, furtando-se à
engrenagem, procura incansavelmente a justiça, a verdade, o bem, no mundo da
injustiça, da mentira e do mal. Há sempre um polícia façanhudo, um patrão, um
proprietário, um dono de qualquer coisa, que corre atrás de Charlot e de quem
ele foge a sete pás. Mas não desanima”.
Ainda nesse ano de
1914, em Abril, Chaplin torna-se argumentista e realizador dos seus próprios
filmes, no 12.° filme da sua carreira, “Caught in Cabaret” (“Charlot Rapaz de
Cafés”).
Entre 1915 e 1918 a
sua actividade é cada vez mais intensa. Nesse período realiza cerca de 50 filmes,
dos quais há a destacar “The Tramp” (“Charlot Vagabundo”), “The Fireman” (“Charlot
Bombeiro”), ambos de 1915, “Easy Street” (“Charlot Polícia” ou “A Rua da Paz”)
em Janeiro de 1916 e “The Emigrant” (“Charlot Emigrante”) em Julho de 1917.
Em 1918 surge um
dos seus primeiros problemas na vida cinematográfica: a First National
recusa-se a distribuir a primeira versão de “Charlot nas Trincheiras”, cuja
versão inicial era de 5 ou 7 bobinas, sendo divulgada ao público apenas com 3
bobinas.
O negativo
original, desconhecido até hoje, encontra-se, entre outros segredos, num
fortim de cimento, na sua residência da Suíça, onde Chaplin costumava
guardá-los. Sobre este filme escreveu George Sadoul:
“Charlot nas
Trincheiras” começa por uma exposição dos seus motivos, por um libelo contra as
misérias da guerra. A primeira parte não é crueldade mas sim acusação. Chaplin
toca no fundo da miséria humana, na trincheira inundada onde o seu personagem
procura dormir entre ratos e piolhos, tendo por companheiros a solidão, a lama
e a água que o submerge.
“Depois, o disfarce
poético de um tronco de árvore fá-lo passar para o outro lado do mundo real...
O soldado encontra uma francesa, num cenário de ruínas e o amor empresta
calor à cena”.
“Uma comunhão se estabeleceu
desde 1915 entre Charlot e os soldados. “Charlot nasceu na frente”, escrevia,
num justo resumo,, o antigo combatente Blaise Cendrars.
“Os soldados tinham-lhe
falado de Charlot com tanto entusiasmo que ele julgou tratar-se de algum dos
seus colegas. Charlot era o irmão desses desgraçados, dentro dos quais subia a
revolta contra uma guerra para a qual tinham sido arrastados”.
Neste mesmo ano
Chaplin monta o seu próprio estúdio cinematográfico. Em Abril está pronto o
primeiro fruto deste novo período da sua vida : “A Dog’s Life” (“Vida de Cão”).
É ainda em 1918 que Chaplin se casa pela primeira vez, com Mildred Harris
(nessa altura com 16 anos), vindo a divorciar-se dois anos depois, sendo
acusado por ela de “crueldade mental” e obrigado a uma indemnização de 100 mil
dólares. Chaplin tem de fugir com o negativo do filme de “O Garoto de Charlot”,
pois os advogados de Mildred ameaçavam confiscá-lo. Deste casamento Chaplin
teve um filho ( nascido em 7 de Junho de 1919) que faleceu poucos dias após o
seu nascimento.
A partir de 1919
Chaplin torna-se produtor dos seus próprios filmes, fundando a Limited Artists
conjuntamente com Mc Adoroy, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e David Griffith.
Em 1921 deslocou-se
a Londres para apresentar “O Garoto de Charlot”, sendo recebido
triunfalmente e, segundo uma testemunha da época, “O delírio da multidão é tal
que o chefe da polícia lhe pede para não atirar flores da janela do hotel pois
receia que alguém fique esmagado na disputa pela posse dessa frágil
recordação”. Perante tal delírio Chaplin interrogar-se-ia: “Mas tanto barulho
por um simples actor de cinema. Se ao menos, para lhes agradecer, eu pudesse
realizar qualquer coisa realmente valiosa: resolver o problema do desemprego,
por exemplo...”.
“O Garoto de
Charlot» foi a sua primeira Jonga metragem.
Em Fevereiro de
1923 realizou o seu 70º filme e a sua última média metragem: “O Peregrino”.
É
também desta época o falado romance com Pola Negri (1922-23) que mais uma vez
lhe virá causar alguns dissabores.
Em Outubro desse
mesmo ano realiza “A woman of Paris” (“Opinião Pública”) filme quase
desconhecido e no qual desempenha o papel secundário de um modesto funcionário
dos caminhos-de-ferro.
Ainda em 1923
inicia os preparativos para a realização de “A Quimera de Ouro”.
Em 24 de Novembro
de 1924 casa-se com Lilitta McMurray, mais conhecida pelo seu nome artístico de
Lita Grey, da qual teria dois filhos: Charles Jr. (28 Junho de 1925 -
suicidou-se em Hollywood no ano de 1968) e Sidney Jr. (30 Março 1926). Tal
como o anterior este casamento só durou dois anos, divorciando-se em 27 de
Agosto de 1927.
A 16 de Agosto de 1925
estreia-se em Nova Iorque “A Quimera de Ouro” (The Gold Rush), segundo Chaplin
a sua obra-prima. Este filme rende-lhe 5 milhões de dólares e em 1942 e 1956
são distribuídas versões sonoras e comentadas por Chaplin.
O ano de 1926 foi
mais um período difícil para Chaplin. Lita Grey arma um escândalo à volta do
seu caso com Chaplin e a imprensa conservadora aproveita-se do facto para fomentar
uma tremenda propaganda contra o homenzinho de chapéu de côco e bengala. Mas
os intelectuais mais esclarecidos de todo o mundo apoiam e defendem Chaplin do
puritanismo fascista em ascensão. É o caso de Louis Aragon que edita um manifesto
intitulado “Hand’s off Love” (“Tirem as mãos do amor”), denunciando a hipocrisia
sexual pequeno-burguesa (aderem a este manifesto grandes nomes do surrealismo
tais como Louis Breton, Paul Eluard, Max Ernest, Prévert e tantos outros).
Mais uma vez a tremenda
força de vontade e capacidade criativa de Chaplin serão postas à prova ao
desempenhar o seu papel no filme “The Circus” (“O Circo”) estreado em 1928.
Para desempenhar o seu papel nesse filme Chaplin tem de aprender a andar na
corda esticada como um profissional de circo.
Se até aqui Chaplin
tinha encontrado obstáculos de toda a ordem, os verdadeiros problemas, os
verdadeiros problemas e a verdadeira luta contra o obscurantismo vão surgir a
partir de 1929. Os Estados Unidos entravam em crise, levando os pequenos
produtores independentes à falência. Chaplin aguenta-se graças à sua grande
resistência e ao grande apoio do público europeu, à beira do desespero e com a
besta fascista à espreita. Mas talvez o facto mais importante para a industria
cinematográfica da época tenha sido o aparecimento do sonoro, nesse mesmo ano, que
se esteia no filme “O Cantor de Jazz”, pondo à prova a capacidade de adaptação
dos realizadores e actores do cinema mudo.
CHARLOT CONTRA O
FASCISMO
“É um judeu
desprezível, mesquinho e ávido” ( Goebbels, ministro da propaganda de
Hitler).
“É um comunista, e
ainda por cima um imoral” (Comissão de actividades anti-americanas).
“É o inimigo
declarado dos grandes empresários e da polícia” (cadeia de jornais Hearst-anos
30).
...Estas algumas
opiniões sobre Charles Chaplin dadas por “ilustres” personalidades e
organismos, cuja importância e ensinamentos na manipulação da opinião pública
não pode ser negada.
Pois foi de tais
personalidades e organismos e as suas influências que Chaplin teve de se
defender.
E claro que
Chaplin, inconformista e individualista de raiz, encontrava-se na lista negra de todos os
totalitarismos e conservadorismos que dominaram a primeira metade do século XX,
pronto a ser abatido ao mais pequeno deslize.
A primeira
tentativa para abater Chaplin surge quando este, em 1931, se recusa a assinar
um contrato de 600 mil dólares para fazer um filme falado. O filme “Luzes na
Cidade”, cuja realização se iniciara nesse ano, sofreu as consequências dessa
atitude, sofrendo um boicote sistemático à sua distribuição, levando Chaplin à
beira da falência.
Mais uma vez
Charles vem à Europa procurar salvar o filme e, deste modo, a sua independência
em relação às exigências dos produtores e distribuidores Americanos, cada vez
mais poderosos económica e politicamente. Percorre os principais centro
culturais da Europa - Londres, Paris, Berlim, Viena, Veneza, Florença, Roma e
Nápoles — partindo em seguida para o Japão, passando pela Índia, onde se
encontra várias vezes com Gandhi, e por Singapura. O filme “Luzes na Cidade” é
um êxito completo, saindo reforçada a independência pessoal e económica de
Chaplin.
No ano seguinte
escapa ileso de uma tentativa de homicídio perpetrada por William Randolph
Hearst, rei da imprensa americana, e é Thomas Ince, “pai” do “Western”, que
acaba por morrer por engano, em consequência desse mal esclarecido acto. Hearst
consegue subornar as testemunhas e o caso é abafado pela imprensa (ver
«Expresso» de 30 de Dezembro de 1977).
Em 5 de Fevereiro
de 1938 estreia-se em Nova Iorque “Tempos Modernos”, um dos filmes mais
importantes de Chaplin e no qual é violentamente criticado o capitalismo e
focada a desumanização do tipo de trabalho imposta por este sistema económico. O
filme obtém pouco êxito nos Estados Unidos devido à feroz campanha feita contra
ele, sendo acusado de propaganda comunista, enquanto, por outro lado, a
Alemanha e a Itália, já dominados pelo nazi-fascismo, proíbem a sua exibição. Porém,
este filme obtém um êxito fabuloso em Londres, Paris e Moscovo.
Nesse ano Chaplin
casa-se com Paulette Godard, em Cantão, na China, não tendo filhos deste
matrimónio que durou 5 anos. Paulette Godard, pseudónimo de Paulina Levy, tinha
interpretado um papel de garota em “Tempos Modernos” e o de Hannah em “O Grande
Ditador”.
Esta última
película começa a ser preparada em 1938, secretamente, e a sua realização
inicia-se no ano seguinte.
Em Hollywood e em
Washington, respectivamente o cônsul nazi e o embaixador alemão pressionam os
produtores americanos, ameaçando-os de um boicote total aos filmes
norte-americanos na Alemanha, se não impedissem Chaplin de fazer esse filme:
“Hollywood, receosa
da perder as suas posições na Alemanha, onde tinha investido importantes capitais
entes da subida de Hitler ao poder, não tardou em exercer forte pressão sobre
Chaplin (com a aprovação tácita das entidades oficieis e o apoio da imprensa de
Hearst) para que desistisse da realização da fita.
“Chaplin tentou
resistir, mas algum tempo depois foi forçado a interromper as filmagens em
virtude dos violentíssimos ataques dos isolacionistas de ambos os partidos,
republicano e democrático. A ofensiva isolacionista partia de uma comissão
parlamentar chefiada por Martin A. Dies, anteriormente criada para fiscalizar
as actividades dos grupos existentes nos Estados Unidos, mas que passou a
orientar a sua acção, declarada a guerra na Europa, contra todos os que
manifestassem simpatia pela causa aliada".
Só “depois da queda
da França, Chaplin retomou a realização de “O Ditador”, que concluiu em 1940”
(Alves Costa, in “Memória do Cinema”). “O Grande Ditador” foi, aliás, a
primeira película sonora de Chaplin, estreando-se em Nova Iorque em 16 de
Outubro de 1940, sendo proibida na Argentina e em vários países da América Latina,
mas obtendo grande êxito nos países anglo-saxónicos. É deste filme o célebre “discurso
do ditador”.
Chaplin recusa o
prémio da crítica concedido a este filme. Acerca desta película, e quando da
sua estreia em Paris após á guerra, Chaplin afirmaria: “Os Ditadores actuais
são fantoches que os industrias e financeiros manobram.
Após se ter divorciado
de Paulette Godard, Chaplin casa-se com Oana O´Neill, a 16 de Junho de 1943,
sendo esta, devido a este casamento, desertada pelo seu pai, o dramaturgo
Eugenfe O’Neill. Deste casamento nascem Geraldine (1944); Michael (1948);
Josephine (1949); Victoria (1951); Eugene (1953); Jane-Cecil (1957) e
Christoph-James (1962).
Em 1947 Chaplin
abandona a personagem tão característica de Charlot e metamorfoseia-se num
homem elegante, frio, calculista, o oposto em todos os sentidos a Charlot:
nasce “Monsieur Verdoux”, baseado numa ideia de Orson Welles. Neste filme Chaplin
desmascara uma sociedade hipócrita, dita defensora de certos valores de certa conduta social, tendo como único
feito, melhor levar a aceitar uma sociedade repressiva, autoritária, castradora
e frustrante, necessária à manutenção da desigualdade e da injustiça. Mais uma
vez Chaplin vê-se alvo das mais violentas campanhas contra este novo “Monsieur
Verdoux” (“o Barba Azul”), que vinha incomodar a consciência de muito “boa”
gente bem instalada na vida. Para além das ameaças recebidas de particulares a
quem os seus filmes perturbavam, Chapim teve de enfrentar a “Liga da Decência”,
os “trusts” financeiros e a “comissão contra as actividades antiamericanas»
numa altura em que o senador Mac Carthy lançava o terror entre os meios
intelectuais, com a sua campanha de “Caça às bruxas” e aos “comunistas” (e de
comunistas eram apelidados liberais como Chaplin).
No seu discurso
final Monsieur Verdoux afirmava: “Um assassinato faz um criminoso, milhões de
mortos podem fazer um herói. Se me sujei de sangue, o mundo encorajou-me: Não é
ele que fabrica as armas de destruição com que se exterminam os homens, matando
mulheres e crianças indefesas? Nós seremos destruídos pelo excesso do Bem ou do
Mal. E se me dizem que demasiado Bem não pode fazer mal, eu pergunto como
podemos sabê-lo, se do Bem nunca tivemos bastante”.
Com o terror maccarthyista
a expandir-se pelo na maior potência do ocidente, Chaplin apercebia-se do cerco
que se apertava sobre ele e todos aqueles como ele que não aceitavam um novo
tipo de obscurantismo e puritanismo neofascista. Afirmava Chaplin, nos inícios
da década de 50: “talvez um dia destes eu venha a ser declarado indesejável
neste país: para mim seria apenas a prova de que já vivemos numa democracia”.
Tal não demorou a
acontecer.
Quando em Setembro
de 1952 partiu no Queen Elizabeth para Inglaterra em gozo de férias recebe a
notícia de que o secretário da justiça lhe tinha retirado o seu visto de
regresso aos Estados Unidos. Para o rever tinha de se submeter a um inquérito
para provar a sua valia moral. A imprensa norte-americana acusa-o de comunista
por ele, durante a guerra, ter exprimido simpatia pelas forças soviéticas que
combatiam o nazismo. A tal acusação respondeu Chaplin: “durante a guerra senti
simpatia pelos russos que estavam a aguentar a frente. Devemos estar-lhes
gratos. Eu não sou um político e não sou russo, sou um cidadão do mundo”, acrescentando
: “Fui sempre um internacionalista, e apenas isso”.
Quando chegou à
Grã-Bretanha foi recebido entusiasticamente e o escritor católico Graham Green
dirige uma carta aberta ao famoso cineasta onde se podem ler as seguintes
passagens:
“...Com espanto e
pesar nosso, Chaplin rendeu a mais alta homenagem possível aos Estados Unidos
ao instalar-se dentro das fronteiras norte-americanas. Agora sentimos desgosto,
mas não espanto, por ver a paga que lhe é dada, não pelo povo americano em
geral, mas por aquelas autoridades que parece receberam ordens de homens como
Mac Carthy. Ao ser invadida a Rússia, o senhor falou em sua defesa numa reunião
pública, em San Francisco, a pedido do Presidente dos Estados Unidos. A ocasião
não era para meias palavras nem para frases de duplo sentido, e as suas
palavras foram tão claras como as de Churchill ou Roosevelt. Mas o senhor teve
o atrevimento — dizem agora — de se dirigir ao público empregando a palavra
“camarada”. Eis a maior acusação que lhe fazem. E eu pergunto: o que estaria
fazendo Mac Carthy naqueles dias?
“Recordando as
épocas de Titus Oates e do terror na Inglaterra, queria pensar que os católicos
norte-americanos, corpo poderoso, lhe concederão s sua simpatia e o seu apoio.
Sem dúvida, um semanário católico dos Estados Unidos não ficará calado.
Refiro-me ao “Commonwealth”. Mas...e o cardeal Spellman? E todo o resto? Agora
me recordo que Mac Carthy também é católico...”
“...A desgraça de
um aliado é a nossa desgraça, e ao atacá-lo a si os “caçadores de bruxas”
mostraram que não se trata de um assunto meramente nacional. A intolerância, em
qualquer parte, fere a liberdade em todos.”
No dia em que
completava 64 ano (16 de Abril de 1953), Chaplin apresentou-se perante o cônsul
dos Estados Unidos em Lausanne e diz-lhe: Chamo-me Charles Chaplin. Vivi quase
40 anos nos Estados Unidos, donde saí em Setembro passado. Deram-me um visto de
regresso, mas não penso utilizá-lo. Aqui o tem. Entrego-lhe pedindo que o envie
ao seu Governo. Passe V. Ex.‘ muito bem, Senhor Cônsul”.
E assim se
encerrava o capítulo mais agitado da vida de Charles Chaplin. Agora a idade
iria a começar a pesar na sua vida, na sua obra e mesmo no seu inconformismo.
CHAPLIN CEDE À
MORTE
Tudo o que é espontâneo,
criativo, inconformista, é vida. A vida é isso mesmo. A capacidade de
transformar, de ser consciente, de ser diferente e, ao mesmo tempo, solidário
para com os outros seres humanos e a
natureza. Tudo o resto não passa de sobrevida ou sobrevivência, de morte ao relanti.
Enquanto inconformista,
enquanto criador, Chaplin viveu, por isso foi tão importante para a humanidade,
por isso nunca será esquecido: “O que reste após a morte é a consequência dos
nossos actos”.
Mas os anos o a
glória pesam, a defesa da “prestígio” (mas o que é isso?) e o poder mágico do
dinheiro também. E o primeiro a ser atingido é o inconformismo. Com a perda
desse inconformismo mais facilmente se é devorado por esto tipo de sociedade
que não admite desvios ao seu quotidiano (reprodutor da determinado sistema
económico) tais como a criatividade, a espontaneidade ou a imaginação.
Como um último
grito de revolta contra essa tal sociedade a sufoca-lo e a engoli-lo, contra
esse quotidiano diariamente assumido e onde reina o consumo de objectos, de
homens e da natureza, Chaplin realiza em 1957, em Londres, “Um Rei Em Nova
Iorque”, o seu primeiro filme rodado fora dos Estados Unidos “ no qual ele
encarna o rei Shaklov. Este filme seria cortado pela Censura norte-americana e
estreado em Londres, em Setembro, num pequeno cinema de segunda categoria
devido a pressões norte-americanas.
Chaplin fecha-se
depois para o mundo, em Corsier-Sur-Vevey, na Suíça, escrevendo dois livros: “Autobiografia”,
editado em 1964, e “A Minha Vida em Imagems”, em 1974.
Entre estes dois livros,
dá-se a confirmação da “derrota” de Chaplin, perante a aproximação da morte, é-nos
dada com o péssimo filme “A Condessa de Hong-Kong”, estreado em Janeiro de
1967.
Este filme é o
pretexto para os senhores de Hollywood, muita “arrependidos” pela perseguição
que lhe tinham movido durante décadas, resolverem homenageá-lo, procurando
assim transformá-lo numa inofensiva peça de um museu do cinema.
Em Janeiro de 1972 Chaplin
declara aos Jornalistas: “Hoje nade há a perdoar (…). Hoje, sinto-me demasiado
velho para algo que me force a regressar à America”.
Mas Hollywood acena-lhe
com um “óscar” especial da academia.
Chaplin, de 83
anos, cansado e conformado não resistiu e compareceu em Hollywood em 4 de Abril
de 1972 para receber a estatueta, uma espécie de “óscar póstumo” à sua
criatividade.
“Tenho um grande
afecto pelos Estados Unidos. Afinal, foi um pais onde passei 45 anos da minha
existência e do qual possuo recordações muito agradáveis. Quanto às coisas
desagradáveis já nem as recordo. Aliás, deixaram de ter para mim qualquer significado
válido”, afirmou Chaplin nessa ocasião, acrescentando: “só posso dizer obrigado
pela honra que me deram ao convidar-me”.
Como se teria
divertido Charlot à custa das afirmações desse “velhinho” que dava pelo nome de
Charles Chaplin. Mas nem o próprio Chaplin conseguiria destruir Charlot e toda
a mensagem humana da sua obra de juventude.
E foi Já sem
qualquer surpresa que vimos Chaplin, ao festejar o seu 85º aniversário ao ar
livre, na sua casa de campo, com champagne, convidar o presidente do município
e o chefe da polícia da vila de Corsier-Sur-Vevey. Quantos pastéis de nata não
teria lançado Charlot à cara de tão ilustres convidados.
E foi num dia de
Natal, 25 de Dezembro de 1977, que a morte o veio buscar, aos 88 anos.
Quando do seu
enterro e segundo notícias dos jornais: “um dos raros visitantes admitidos na
vivenda foi um petiz de Çorsier, trazendo uma grande rosa que entregou, a
soluçar, ao guarda encarregado de atender os forasteiros”.
Não resistimos,
para terminar, em transcrever uma passagem do livro de Alves Costa “Memória
do Cinema” (uma das obra que nos serviu de referência para este artigo):
“Mais ou menos
Charlots todos nós somos. Mas Charlot não é só a nossa caricatura, é também e
nossa vingança (sobretudo desde Charlot no Music-Hall até ao “Peregrino”). Ele,
ao menos, no meio dos seus infortúnios, pode deitar um gelado no decote da
grande dama da “alta”; ele, ao menos pode retribuir os pontapés no rabo que todos
nos recebemos dos valentões, dos prepotentes e dos polícias. Não é muito mais
corajoso do que qualquer de nós. Mas o seu engenho, a sua malícia, a sua
argúcia, a sua irreverência dão-lhe uma ousadia que gostaríamos de ter. Na sua
solidão, na sua inadaptação ao meio, apesar dos maus tractos que a vida lhe dá,
tem artes a tem força pana deitar de cangalhas, pelo ridículo, convenções,
preconceitos, vaidades, hierarquias e todas as formas de felsa moral, de falsa
caridade, de falsa superioridade, de falso poder”
Morreu Charles Chaplin, viva Chartot.
Venerando António
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