A violência generalizada que se vive nas ruas de Kiev não abona nada a
favor da oposição ucraniana.
Infiltrada por grupos nacionalistas de extrema-direita, a oposição
ucraniana, ao não se demarcar das atitudes violentas desses grupos, que incluiu,
nas últimas semanas, violência contra judeus, denunciada pela comunidade
judaica local, perde a razão que tinha no início da crise política.
Claro que, do outro lado temos um governo autoritário, corrupto, que
não respeita a vontade da grande parte da população em escapar à influência
russa e de se aproximar dos níveis de vida ocidentais….mas onde é que já vimos
isto?
Se a Rússia, liderada pelo pouco recomendável sr. Putin, joga na crise
ucraniana a sua tentativa de recuperar a influência que detinha nos tempos da
União Soviética, a atitude da União Europeia resvala a pura hipocrisia.
Antes de se preocupar com o autoritarismo do poder ucraniano, a União
Europeia tem muito para se preocupar no seu próprio seio, não sendo muito diferente
aquilo que se passa no governo ucraniano de aquilo que se passa em países do
leste europeu integrados na EU, como é ocaso da Hungria.
Ao incentivar a revolta da oposição ucraniana contra o governo, que
apesar de autoritário e corrupto foi legitimado por eleições livres, os líderes
da UE deviam primeiro explicar como é que se podem substituir à influência económica russa na Ucrânia, quando não conseguem apoia
convenientemente países da própria União em dificuldade, como Portugal,
Espanha, Itália, Grécia, Chipre…
Foi em grande parte a esperança de um apoio concreto por parte da União
Europeia aos seus protestos que incentivou os ucranianos a aumentar os actos de
violência generalizada a que estamos a assistir, apoio esse que irá pouco além
da retórica habitual.
E quanto às malfeitorias de um governo, como o ucraniano, legitimamente eleito, mas tomando decisões
contra o seu próprio povo, pela violência policial contra ao protestos
legítimos, pelo desrespeito em relação ao bem-estar económico-social dos seus
cidadãos, pela violação de promessas e programas eleitorais pelos quais foram
eleitos, tomando todas essas decisões nas costas dos cidadãos, a União Europeia
não tem muita legitimidade para criticar, pois esse tipo de decisões é o pão
nosso de cada dia, como bem o sabem os cidadãos portugueses, irlandeses,
espanhóis, franceses, italianos, gregos e chipriotas, entre outros.
O que está em causa, na crise ucraniana, não é uma luta entre o “bem”
(os pró-europeus) e o “mal” (os pró-russos), mas é mais uma vez o desenterrar
de velhos conflitos e jogos de poder que têm marcado a história do centro da
Europa.
A Ucrânia, na sua história recente, esteve quase sempre do lado errado
da história. Muitos ucranianos participaram no “Holodomor”, o genocídio
stalinista contra os camponeses daquele país na década de 30, através de uma
desastrosa política de colectivização forçada que provocou a morte pela fome de
milhões de ucranianos, ao mesmo tempo que 4/5 das elites ucranianas eram
massacradas por Stalin.
Quando da invasão nazi, em 1941, outros ucranianos, que receberam as
forças hitlerianas com “libertadoras”, colaboraram alegremente com os
nazis na repressão sobre a população de
origem russa e outras minorias, que custou entre 5 a 8 milhões de mortos, entre
os quais meio milhão de judeus.
A memória desses tempos, o peso da influência russa, a maior minoria
que representa quase 20% da sua população e a atitude irresponsável dos dois
lados, Rússia e União Europeia, pode
provocar uma tragédia de grandes dimensões no centro da Europa, uma espécie de
Jugoslávia em ponto grande.
No actual conflito é caso para dizer…venha o diabo e escolha.
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