Enfim, a História aproxima-se dos povos
por Maria Laura Madeira
A História vai-se aproximando dos povos e realizando o velho sonho de discretos investigadores, aos quais interessa sobremaneira, antes das ditas façanhas, entender e fazer entender os conceitos por que se pautaram...
Alguns povos, como o nosso, sofrem ainda hoje como vítimas dum conceito feudal da organização social, levado ao extremo, e até contando com a anuência servil dos povos. Afinal, já nos nossos dias, vemos como os deputados se auto-promoveram com vencimentos e regalias muito acima dos governados, sem lhes importar a miséria e a injustiça lançadas sobre a grande maioria deles. Entre outros escândalos, que vamos conhecendo. Esquecem um princípio fundamental da República: o exemplo.
Sem embargo de termos alcançado entretanto um nível cultural que já nos permitiria ser bem mais exigentes no cumprimento de princípios fundamentais. A Educação e a Cultura, como a Cidadania, deverão merecer-nos o maior dos cuidados, para que o sentido crítico e a liberdade de expressão efectivamente se exerçam e dêem frutos nas novas gerações.
Ou continuaremos pasmados, manipulados, fascinados como tolos diante do exibicionismo de alguns, perigosamente, como no tempo de D. João V e de suas frívolas cortes e ambições...(como exemplo).
Parabéns aos jovens historiadores e investigadores que enfim se debruçam e esmiúçam o testemunho suado e sofrido dos que sempre ficaram à margem da História...A civilização agradece.:
MLM/2014
P.S. A Globo passa pelas 20 horas uma novela notável, que já tem uns aninhos, acerca de como nasceu a cidade do Rio de Janeiro, logo a seguir à libertação dos escravos e ao aparecimento das actuais «favelas». A não perder, na linha do que atrás deixei dito.
Mlaura
Heranças de Portugal
Paço Real - Lisboa
(pintura a óleo do séc. XVIII)
"Apesar da forte influência inglesa na economia, e que aumentava cada vez mais a ponto do historiador britânico Eric J. Hobsbawn (1920-2012) se referir a Portugal como colônia não oficial do Império Britânico no século XIX, a França era o modelo em termos de moda, cultura e vida cortesã no Brasil Colonial. Após terminada a Unificação Ibérica, em 1640 (vista pelos portugueses como uma humilhante dominação que durou 80 anos), criou-se uma atmosfera de rejeição aos hábitos da Espanha, passando assim a França a ser a grande fonte inspiradora.
Dom João V
"Dom João V (1689-1750) sonhava em passar para a História como o Rei-Sol lusitano. O monarca e os nobres copiavam as roupas e os acessórios franceses, e sempre com grande ostentação. Vários viajantes relataram os excessos da elite lusitana. Lisboa, porém, não estava nem perto de se tornar Paris. Nem todos as sedas, rendas, joias e perucas conseguiam disfarçar a precária situação financeira de Portugal. Ainda assim, o ouro e os diamantes levados do Brasil alimentavam as manias da nobreza empobrecida.
Rainha Dona Maria Ana
"As atividades sociais e culturais em Lisboa eram poucas. O rei e a rainha não transformavam o cotidiano em um espetáculo, como era comum em Versalhes. As trocas de roupas não eram um ato público, o casal real fazia as refeições sozinho, o rei caçava com poucos acompanhantes. A rainha Dona Maria (1683-1754) era chamada de carola à boca pequena, só saindo para ir às missas. As construções também seguiam o estilo da corte. O Paço Real, o Rossio, os palacetes dos nobres mais importantes, todos apresentavam o mesmo ar pesado e sem imaginação (Lilia Schwarcz discute detalhadamente este tema em “A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis”). O Convento de Mafra, era a mais grandiosa obra do barroco português e a menina dos olhos de Dom João V, mas era um Palácio-Convento considerado feio e faraônico (ver o belíssimo “Memorial do Convento”, de José Saramago).
Convento de Mafra
"Não havia praticamente vida social. Com exceção de alguns espetáculos teatrais e dos eventos religiosos (missas, procissões e autos-de-fé), os nobres não tinham muito o que fazer. As artes, como pintura, escultura, música, teatro, ópera e até literatura (terreno onde sempre floresceram grandes nomes lusitanos), enfrentavam uma fase de marasmo. Somente a religião vivia um furor cada vez maior. Diziam as más línguas que Dom João V era tão católico, que buscava as amantes entre as freirinhas dos conventos…A religiosidade exacerbada, nos moldes da Idade Média, era uma das peculiaridades da sociedade portuguesa. A Europa via os portugueses como supersticiosos e ignorantes.
Procissão portuguesa séc. XVIII
"O que aconteceu com as glórias e as conquistas lusitanas? Como explicar a penúria que convivia com abundância de ouro, diamantes, açúcar e escravos do Brasil? Além de apegado à Igreja, que é uma instituição essencialmente conservadora, Portugal sempre se manteve isolado em relação às novidades e ideias que transformaram o mundo. A Reforma Protestante, o Iluminismo, os ideais das Revoluções Francesa e Industrial, os conflitos dos Estados Unidos, tudo sempre parecia chega atrasado a Portugal, ou a nem mesmo interessar aos lusitanos (salvo a pequenos grupos da elite), que insistiam em olhar para o passado das grandes navegações. Na economia, Portugal se contentava em esbanjar o ouro brasileiro em projetos grandiosos e inúteis. Sem investimentos em infraestrutura, sem se preocupar em fortalecer as manufaturas e as indústrias incipientes, a economia portuguesa afundava rodeada de riquezas. Nem os esforços de Dom João V, nem a mão de ferro do Marquês de Pombal (1699-1782) conseguiram reverter a situação.
Sebastião José de Carvalho e Melo
"A vida na corte no Antigo Regime era um jogo complexo de aparências. Portugal tentava seguir este modelo mesmo com uma corte pobre e pequena. E continuou insistindo nestes hábitos cortesões, mesmo quando já estavam obsoletos. Sabemos que no Brasil as coisas foram muito semelhantes: uma elite sem título que vivia de aparências, investindo o que podia e o que não podia em tecidos, joias, roupas, sapatos, escravos, carruagens e liteiras.
Senhora brasileira do séc. XVIII
"A herança portuguesa é paradoxal e cheia de interrogações, sem deixar de ser também bela e rica. Conhecendo-a. podemos refletir bastante sobre a realidade brasileira e sobre alguns hábitos de tempos passados, que permanecem até hoje entre nós".
Texto do historiadora Márcia Pinna Raspanti
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