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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Ainda a propósito do “branqueamento da História” no Congresso do MEL (1).


 Dei-me, finalmente, ao penoso trabalho de assistir às duas intervenções do Congresso do Movimento “Europa e Liberdade” que mais polémica geraram, a de Maria Fátima Bonifácio e a de Nuno Palma.

A primeira, e menos interessante, a de Maria de Fátima Bonifácio, que numa comunicação indigente, “relatou”, em tom monocórdico e cansado, como se falasse para uma plateia de ignorantes,  a “história” da consolidação do “Estado” português, desde D. Afonso Henriques, uma história cheia de lugares comuns e de interpretações forçadas, para nos conduzir ao elogio de “um tirano duro e frio”, mas “inteligente e patriota”, que, mesmo “prendendo, deportando e perseguindo”, impusesse “à estima do mundo um povo”, libertando-o de políticos torpes e estúpidos, citando as palavras de Basílio Teles no final da monarquia,  palavras com as quais nos conduziu, desta vez citando Fernando Pessoa, para justificar, com elas,  “porque motivo o país estava a pedir um Salazar”, o “salvador desse país  cativado pelo Estado, e por um parlamento “eloquente e palavroso” , na “sua simplicidade, dura e fria”.

“Esqueceu-se”, a eminente historiadora, que Fernando Pessoa rapidamente se desiludiu com mítico “salvador”, ainda no início da construção do Estado Novo. Ao que parece, para a sua mal preparado comunicação, não leu a obra “Fernando Pessoa – Sobre Fascismo, Ditadura Militar e Salazar”, de José Barreto, editado em 2015 pela Tinta-da-China, de onde transcrevemos este esclarecedor poema:

“Poema sobre Salazar

 

António de Oliveira Salazar

Três nomes em sequência regular...

António é António.

Oliveira é uma árvore.

Salazar é só apelido.

Até aí está bem.

O que não faz sentido

É o sentido que tudo isto tem

 

Este senhor Salazar

E feito de sal e azar.

Se um dia chove,

A água dissolve o sal,

E sob o céu

Fica só azar, é natural.

 

Oh, c’os diabos!

Parece que já choveu...

... ... ... ... ... ... ... ... ...

 

Coitadinho

Do tiraninho!

Não bebe vinho.

Nem sequer sozinho...

 

Bebe a verdade

E a liberdade.

E com tal agrado

Que já começam

A escassear no mercado.

Coitadinho

Do tiraninho!

O meu vizinho

Está na Guiné

E o meu padrinho

No Limoeiro

Aqui ao pé.

Mas ninguém sabe porquê.

Mas enfim é

Certo e certeiro

Que isto consola

E nos dá fé:

Que o coitadinho

Do tiraninho

Não bebe vinho,

Nem até

Café

 

Fernando Pessoa

ANTOLOGIA in Sobre o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar,

de Fernando Pessoa 5-4-1935

Do painel onde participou a dita historiadora, salvaram-se as intervenções de Jaime Nogueira Pinto e de José Miguel Júdice que, de forma indirecta, irónica e respeitosa, desmontaram o essencial da comunicação de Fátima Bonifácio, facto que a mesma parece não ter percebido.

À segunda intervenção, a mais interessante,  a de Nuno Palma, voltaremos a em próxima ocasião.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Há 30 anos que “somos” “europeus”


Passam este mês trinta anos sobre a entrada oficial de Portugal na então “CEE”.

O “saloioismo” nacional sempre fez alarde da nossa adesão à “Europa”, esquecendo-se que Portugal sempre foi Europeu, não só geográfica, como historicamente, e neste último aspecto, bem mais Europeu que muitos outros.

Só a subserviência reverente da maior parte da elite  portuguesa ( na política, na comunicação social, nas universidade e na economia) ,em relação às instituições e aos burocratas europeus, actualizada no retracto de Fernando Pessoa sobre o  provincianismo da elite nacional do seu tempo (ler AQUI), embasbacada face ao “progresso” da “Europa”, explica que essa adesão nos tenha conduzido a esta última década perdida.

Por infeliz coincidência, os primeiros passos de adesão de Portugal à então CEE coincidiram com os governos cavaquistas (1985-1995) e grande parte dos fundos estruturais que beneficiaram economicamente o país foram canalizados para levar a efeitos políticas de “desenvolvimento” que, como se provou já neste século, contribuíram para beneficiar a especulação financeira e imobiliária, a substituição de uma rede de transportes públicos por uma discutível rede de auto-estradas( que implicou um forte aumento das importações, com reflexos no aumento da dívida pública, e com graves custos ambientais),  e a destruição do já de si rudimentar aparelho produtivo nacional (pesca, industria e agricultura), um desastre anunciado mas maquilhado pela euforia consumista das duas primeiras décadas que os fundos estruturais, mal canalizados para o consumismo desenfreado, fomentado pelos bancos, permitiram disfarçar.

Enquanto houve dinheiro e fundos estruturais foi possível, apesar de tudo, melhorar muitos do indicadores económicos e sociais, graças, principalmente, à forma como os governos de António Guterres conseguiram emendar a mão dos desvarios cavaquistas, mas foi “sol de pouca dura”.

Poucos suspeitariam que, trinta anos depois da adesão à então CEE, hoje União Europeia, o país estivesse a viver um retrocesso social e económico com as actuais dimensões e que a União Europeia estivesse a lutar pela sua sobrevivência como projecto  solidário e de desenvolvimento económico-social, muito por culpa da abdicação e destruição desse projecto, entregue à especulação financeira e a uma geração de políticos de vistas curtas.

Apesar de tudo, Portugal está hoje muito melhor do que estava em 1986, embora, a continuar-se por muito mais tempo com as actuais medidas “austeritárias”, impostas pelas instituições  não-democráticas europeias (Comissão, Conselho, Eurozona e BCE) e diligentemente aplicadas nos últimos quatro anos pela dupla Coelho-Portas,  tudo o que, ainda assim, se conquistou nestas últimas décadas, em direitos sociais, em melhoria das condições de vida, em consolidação da democracia, corre o risco de sobraçar e de conduzir o país (e o resto da Europa) para um desastre social, económico e político de dimensões inimagináveis.

Ainda vamos a tempo de mudar o rumo às coisas e reconduzir Portugal e a Europa ao sonho que a construiu, o da cidadania, da solidariedade, da democracia, da identidade cultural, do conhecimento e do combate às desigualdades.

Estes são também alguns dos desejos para  este ano que agora se inicia.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A vida e a obra de Pessoa em Banda Desenhada

BêDêZine: A vida e a obra de Pessoa em Banda Desenhada: Acaba de ser lançada  a vida e a obra de Pessoa em Banda Desenhada , num álbum intitulado "As Aventuras de Fernando Pessoa, Escritor Universal...". (clicar para ler mais)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

NO 123º Aniversário de Fernando Pessoa - O provincianismo segundo Pessoa

Recordamos aqui o 123º aniversário de Fernando Pessoa com  um texto bem actual:

“O Provincianismo Português

“Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.

O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela — em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.

Se há característico que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez, nos tempos do "Orpheu", disse a Mário de Sá-Carneiro: "V. é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa V. é vítima da educação portuguesa. V. admira Paris, admira as grandes cidades. Se V. tivesse sido educado no estrangeiro, e sob o influxo de uma grande cultura europeia, como eu, não daria pelas grandes cidades. Estavam todas dentro de si".

O amor ao progresso e ao moderno é a outra forma do mesmo característico provinciano. Os civilizados criam o progresso, criam a moda, criam a modernidade; por isso lhes não atribuem importância de maior. Ninguém atribui importância ao que produz. Quem não produz é que admira a produção. Diga-se incidentalmente: é esta uma das explicações do socialismo. Se alguma tendência têm os criadores de civilização, é a de não repararem bem na importância do que criam. O Infante D. Henrique, com ser o mais sistemático de todos os criadores de civilização, não viu contudo que prodígio estava criando — toda a civilização transoceânica moderna, embora com consequências abomináveis, como a existência dos Estados Unidos. Dante adorava Vergilio como um exemplar e uma estrela, nunca sonharia em comparar-se com ele; nada há, todavia, mais certo que o ser a "Divina Comédia" superior à "Eneida". O provinciano, porém, pasma do que não fez, precisamente porque o não fez; e orgulha-se de sentir esse pasmo. Se assim não sentisse, não seria provinciano.

É na incapacidade de ironia que reside o traço mais fundo do provincianismo mental. Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redações, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário. A essência da ironia consiste em não se poder descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se porém esse segundo sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz. Assim, o maior de todos os ironistas, Swift, redigiu, durante uma das fomes na Irlanda, e como sátira brutal à Inglaterra, um breve escrito propondo uma solução para essa fome. Propõe que os irlandeses comam os próprios filhos. Examina com grande seriedade o problema, e expõe com clareza e ciência a utilidade das crianças de menos de sete anos como bom alimento. Nenhuma palavra nessas páginas assombrosas quebra a absoluta gravidade da exposição; ninguém poderia concluir, do texto, que a proposta não fosse feita com absoluta seriedade, se não fosse a circunstância, exterior ao texto, de que uma proposta dessas não poderia ser feita a sério.

A ironia é isto. Para a sua realização exige-se um domínio absoluto da expressão, produto de uma cultura intensa; e aquilo a que os ingleses chamam detachment — o poder de afastar-se de si mesmo, de dividir-se em dois, produto daquele "desenvolvimento da largueza de consciência" em que, segundo o historiador alemão Lamprecht, reside a essência da civilização. Para a sua realização exige-se, em outras palavras, o não se ser provinciano.

O exemplo mais flagrante do provincianismo português é Eça de Queirós. É o exemplo mais flagrante porque foi o escritor português que mais se preocupou (como todos os provincianos) em ser civilizado. As suas tentativas de ironia aterram não só pelo grau de falência, senão também pela inconsciência dela. Neste capítulo, "A Relíquia", Paio Pires a falar francês, é um documento doloroso. As próprias páginas sobre Pacheco, quase civilizadas, são estragadas por vários lapsos verbais, quebradores da imperturbabilidade que a ironia exige, e arruinadas por inteiro na introdução do desgraçado episódio da viúva de Pacheco. Compare-se Eça de Queirós, não direi já com Swift, mas, por exemplo, com Anatole France. Ver-se-á a diferença entre um jornalista, embora brilhante, de província, e um verdadeiro, se bem que limitado, artista.

Para o provincianismo há só uma terapêutica: é o saber que ele existe. O provincianismo vive da inconsciência; de nos supormos civilizados quando o não somos, de nos supormos civilizados precisamente pelas qualidades por que o não somos. O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido. Estamos perto de acordar, disse Novalis, quando sonhamos que sonhamos.”

Fernando Pessoa, in 'Portugal entre Passado e Futuro'

terça-feira, 30 de novembro de 2010

No 75º aniversário da Morte de Fernando Pessoa

Recordando Pessoa, por via do poema bem actual do seu heterónimo Alberto Caeiro:

Falas de civilização...



Falas de civilização, e de não dever ser,

Ou de não dever ser assim.

Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,

Com as coisas humanas postas desta maneira,

Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.

Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.

Escuto sem te ouvir.

Para que te quereria eu ouvir?

Ouvindo-te nada ficaria sabendo.

Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.

Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.

Ai de ti e de todos que levam a vida

A querer inventar a máquina de fazer felicidade!


Alberto Caeiro