Dei-me, finalmente, ao penoso trabalho de assistir às duas intervenções do Congresso do Movimento “Europa e Liberdade” que mais polémica geraram, a de Maria Fátima Bonifácio e a de Nuno Palma.
A primeira, e menos interessante, a de Maria de Fátima Bonifácio,
que numa comunicação indigente, “relatou”, em tom monocórdico e cansado, como
se falasse para uma plateia de ignorantes, a “história” da consolidação do “Estado”
português, desde D. Afonso Henriques, uma história cheia de lugares comuns e de
interpretações forçadas, para nos conduzir ao elogio de “um tirano duro e
frio”, mas “inteligente e patriota”, que, mesmo “prendendo, deportando e
perseguindo”, impusesse “à estima do mundo um povo”, libertando-o de políticos
torpes e estúpidos, citando as palavras de Basílio Teles no final da
monarquia, palavras com as quais nos
conduziu, desta vez citando Fernando Pessoa, para justificar, com elas, “porque motivo o país estava a pedir um Salazar”,
o “salvador desse país cativado pelo
Estado, e por um parlamento “eloquente e palavroso” , na “sua simplicidade,
dura e fria”.
“Esqueceu-se”, a eminente historiadora, que Fernando Pessoa
rapidamente se desiludiu com mítico “salvador”, ainda no início da construção
do Estado Novo. Ao que parece, para a sua mal preparado comunicação, não leu a
obra “Fernando Pessoa – Sobre Fascismo, Ditadura Militar e Salazar”, de José Barreto,
editado em 2015 pela Tinta-da-China, de onde transcrevemos este esclarecedor
poema:
“Poema
sobre Salazar
António
de Oliveira Salazar
Três
nomes em sequência regular...
António
é António.
Oliveira
é uma árvore.
Salazar
é só apelido.
Até
aí está bem.
O
que não faz sentido
É
o sentido que tudo isto tem
Este
senhor Salazar
E feito
de sal e azar.
Se
um dia chove,
A
água dissolve o sal,
E
sob o céu
Fica
só azar, é natural.
Oh,
c’os diabos!
Parece
que já choveu...
...
... ... ... ... ... ... ... ...
Coitadinho
Do
tiraninho!
Não
bebe vinho.
Nem
sequer sozinho...
Bebe
a verdade
E
a liberdade.
E
com tal agrado
Que
já começam
A
escassear no mercado.
Coitadinho
Do
tiraninho!
O
meu vizinho
Está
na Guiné
E
o meu padrinho
No
Limoeiro
Aqui
ao pé.
Mas
ninguém sabe porquê.
Mas
enfim é
Certo
e certeiro
Que
isto consola
E
nos dá fé:
Que
o coitadinho
Do
tiraninho
Não
bebe vinho,
Nem
até
Café
Fernando
Pessoa
ANTOLOGIA in Sobre
o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar,
de
Fernando Pessoa 5-4-1935
Do
painel onde participou a dita historiadora, salvaram-se as intervenções de
Jaime Nogueira Pinto e de José Miguel Júdice que, de forma indirecta, irónica e
respeitosa, desmontaram o essencial da comunicação de Fátima Bonifácio, facto
que a mesma parece não ter percebido.
À segunda intervenção, a mais interessante, a de Nuno Palma, voltaremos a em próxima ocasião.
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