O tão propagandeado “congresso das direitas” (mais “fel do que MEL”), pouco mais serviu do que para revelar a pobreza banal e bolorenta das ideias dessa família política portuguesa, incapaz de mobilizar e inovar, mas revelador do seu desespero perante a possibilidade de se verem arredados do poder nos próximos anos.
Esse desespero terá contribuído
para o radicalismo de algumas comunicações, destacando-se, no meio da pobreza
geral, pela retórica cuidada,
inteligente e agressiva, a intervenção de Nuno Palma (ver reprodução em baixo).
Tratando de um tema interessante,
“as causas míticas da divergência económica portuguesa”, apresentou algumas
reflexões a considerar e que, caso orador não se tivesse deixado levar pelo
ambiente revanchista dominante, até podiam ter enriquecido evento tão medíocre.
O problema foi quando
começou a fazer comparações absurdas entre o Estado Novo e o Regime
Democrático.
Partindo de uma
verdade histórica, os níveis de crescimento económico observáveis na década de
60, até hoje inigualáveis, procurou extrapolar, de um simples gráfico
estrutural, baseado no PIB, sem a devida contextualização, uma certa “superioridade
moral” da economia do Estado Novo em relação ao actual regime.
Entusiasmado pela sua
aparente “descoberta” e “novidade” (há anos que Fernando Rosa e outros
historiadores falam do tema), e pela reacção da plateia, acabou a debitar uma
série de falácias, meias-verdades e bombásticas frases propagandísticas, que
fizeram estalar o verniz da aparente “objectividade cientifica “da sua “verdade”.
Sobre a correcta
análise e contextualização desse gráfico, já outros fizeram a desmontagem do “mito”
dessa comunicação de Nuno Palma ( José Pacheco Pereira , “A indústria de
falsificação do Estado Novo”, in Público de 5 de Junho de 2021; Fernando Rosas,
“O Milagre da economia sem política”, in Público de 20 de Junho de 2021; Luís Reis Torgal, “E se só a Ciência for
revolucionária”, in Público de 28 de Junho de 2021; António Barreto , “Sim, é
verdade”, in Público de 3 de Julho de 2021).
Como escreveu Pacheco
Pereira noutro texto, usando-se o mesmo estratagema também se conseguia facilmente
demonstrar a “superioridade” do modelo de “desenvolvimento económica” do regime
hitleriano em relação à República de Weimar ou do Stalinismo em relação ao
regime czarista ou da União Soviética em
relação aos primeiros anos de democracia Russa.
Como se sabe, usar a
evolução do PIB, a frio, sem contextualização, para comparar níveis de
desenvolvimento, é falacioso e tem sido motivo de debate aceso entre
economistas e historiadores. Hoje, aliás, têm sido ensaiadas outras formas de
medir o desenvolvimento, que distinga o mero crescimento do verdadeiro desenvolvimento
económico, que tem de ser também social, humano e cultural, como acontece com o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
ou como o índice Gini, que mede a desigualdade económica.
Ambos esses índices
não estão isentos de críticas, como sucede com qualquer tipo de rating, que
analise situações macroeconómicas, pois, não se pode resumir as complexas
relações humanas e socias, a base do estudo histórico e social, a meros “campeonatos” estatístico.
Muitas vezes o PIB compara economias que "produzem ricos" com economias que produzem riqueza, não distinguindo a desigualdade na distribuição dessa riqueza ou os métodos,muita vezes desumanos e antisocias como ela é alcançada, o que, aliás, acontecia no Potugal doa anos 60.
Mas o mais grave e
falacioso da comunicação de Nuno Palma não foi só essa questão.
Uma das frases bombásticas
do orador, levado provavelmente pelo ambiente favorável de uma plateia rendida
ao radicalismo, foi a de dizer que “desde o 25 de Abril Portugal é um regime de
Esquerda”, considerando que, mesmo “a única excepção duradoura é a década de
Cavaco Silva com um programa até social-democrata” e que “a nível europeu isto
até é centro-esquerda”.
E começa aqui o
desfilar entusiástico e delirante de falácias.
Até Cavaco é de “esquerda”
(“social-democrata”) e assim arrumam-se, sem hipótese de argumentar, 48 anos de
democracia, ideia que pode ser facilmente desmontada consultando a lista e o
tempo dos governos, democraticamente eleitos, convém recordar, desde o 25 de
Abril.
Dando de barato que o
PS sempre governou “à esquerda” e que todos os governos provisórios liderados por Vasco Gonçalves (com ministros
do PSD e PS) foram dominados pela esquerda, contabilizamos 286 meses de governo
“à esquerda” e 272 à “direita”, mais 29 meses de governos “ao centro”,
considerando como centrista o 1º governo provisório, com Sá Carneiro como ministro,
o governo de Pinheiro de Azevedo, dominado pelo PSD e pelo PS, e os governos de Nobre da Costa,
Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintasilgo, aquele argumento cai pela base.
Recorde-se, aliás,
que o “esquerdista” Cavaco Silva chefiou o governo durante 120 meses, grande
parte em maioria absoluta.
Recorde-se que a “direita”,
coligação entre CDS e PSD, governou também em “maioria absoluta”, 40 meses com
a AD e 77 meses com Passos Coelho…ah! mas esta gente, para Palma, é suspeita de
governar em “social-democracia” ou ao “centro-esquerda”!!
A única maioria
absoluta à “esquerda” aconteceu como o primeiro governo de Sócrates, cerca de
48 meses, um governo, aliás, muito bem recebido por alguns pensadores da
direita neoliberal, exactamente por tomar muitas das medidas antissociais
preconizadas pelos “Nunos Palma” da época…
A ideia de Palma é
quase tão absurda como a cassete das “políticas de direita” do PCP.
Mas Palma vai mais
longe nas suas atoardas. Em certo momento, tomado de delírio, vem em defesa do
Chega. Porque ilegalizar o Chega? (nós também não concordamos com essa
intenção). Segundo ele existem razões, sim, é para ilegalizar a “extrema-esquerda”,
o BE ou o PCP, por exemplo, até porque, ao contrário do Chega, “o PCP é um
partido anti-democrático” e insurge-se contra o museu do Forte de Peniche que ,
citando o programa da instituição, é “uma homenagem aos presos políticos que
lutaram pela democracia” o que para Palma são “os tais do PCP que lá estiveram
presos” (aplauso entusiásticos).
É provável que a
maior parte dos presos políticos no Estado Novo, nomeadamente os que estiveram
presos em Peniche, fossem do PCP, mas a afirmação ignorante e falaciosa de
Palma ignora tantos presos políticos, das mais variadas tendências, que por lá
passaram, bem como as razões do papel histórico do PCP no combate à ditadura, afirmação
grave feita por um professor universitário que se diz objectivo e contra “as
ideologias”.
A forma como ele
enfatiza esta parte da sua intervenção, e o entusiasmo que ela provocou entre a
assistência, demonstra que entre a assistência há muita gente que acha que, se
eram “comunistas”, então até mereceram a prisão!!
Outra afirmação de
Palma que mereceu aplausos entusiásticos da assistência: “a extrema-esquerda
controla a educação”.
E “extrema-esquerda”,
para ele, é o Bloco de Esquerda, o PCP e até sectores do PS, classificação tão absurda, dita por um professor
universitário, como classificar o PSD, o CDS
ou a Iniciativa Liberal como de “extrema-direita”.
E em que é que Palma
fundamenta a sua argumentação? na citação cirurgica de uma parte do programa oficial de
História do 12º ano : “…reconhecer que [o Estado Novo] …impediu a
normalização económica e social do país” e, outra falácia, como o
demostrarei mais à frente, uma sugestão de trabalho sobre o Holocausto, “associando
o Holocausto ao Estado Novo”, uma situação que, se fosse verdadeira, eu também
consideraria absurda.
Insurge-se ainda com
a bibliografia dominada por autores “marxistas”, como Hobsbawn e Fernando
Rosas.
Fiz aquilo que Palma
recomenda, fui consultar o programa disponível na página do Ministério da
Educação e…até eu fiquei espantado com a falta de seriedade das afirmações de
Palma!!!:
No Módulo 7, “Crises,
embates ideológicos e mutação cultural na Primeira Metade do Século XX”, o “conteúdo” 2.5 tem como título “Portugal: O
Estado Novo” refere, entre outros, um conteúdo especifico sob a seguinte
designação: “uma economia submetida aos imperativos políticos: prioridade à
estabilidade financeira; defesa da ruralidade; obras públicas e condicionamento
industrial; a corporativização dos
sindicatos; a política colonial”.
No final deste módulo
refere como “aprendizagem a reter”, reconhecer “ que, no Estado Novo, a defesa
da estabilidade e da autarcia se apoiou
na adopção de mecanismos repressivos e impediu a modernização económica e
social”.
Esta “prendizagem”
não se refere a todo o período do Estado Novo, mas à época antes do final da 2ª
Guerra. Palma interpretou-a como uma “aprendizagem” mais generalista porque, ou
lhe convinha a meia verdade, ou não reparou que o Estado Novo volta a ser
analisado no Módulo 8, referente agora ao período do pós guerra, onde se estuda
“Portugal do autoritarismo à democracia”, referindo-se no ponto 2.1 deste
capítulo o “imobilismo político e crescimento económico do pós-guerra a 1974”.
Repito : “CRESCIMENTO ECONÓMICO”!!!!
E neste ponto
indicam-se como “aprendizagens relevantes”, relacionar “ a fragilidade da
tentativa liberalizadora e da modernização económica do marcelismo com o
anacronismo da sua solução para o problema colonial” e “reconhecer a
modernização da sociedade portuguesa nas décadas de 60 e 70, no comportamento
demográfico, na modificação de estrutura da população activa e na relativa
aproximação a padrões de comportamento europeus”. Sublinho : “RECONHECER A
MODERNIZAÇÃO (…) NAS DÉCADAS DE 60 e 70”.
Em relação à sugestão
de trabalho sobre o Holocausto, esta, no documento, refere-se a outro tema do
módulo 7, apesar de estar referido na mesma página do conteúdo 2.5, situação
que se deve à organização das páginas, divididas em 3 tabelas, onde as duas
primeiras, “conteúdos” e “conceitos”, estão relacionadas entre si e a terceira,
com sugestões de trabalho, faz a listagem de todas as sugestões para todo o
módulo. Um professor/investigador não ter reparado nisto e ter feito disto tema
da sua comunicação é revelador da “competência” do mesmo em analisar
documentos.
Pelo contrário, nesse documento, até surgem como sugestões de leitura, os discurso de Salazar.
Podemos discordar de certos conteúdos ou da ausência de outros, mas não existe no programa qualquer vestígio evidente do controle da educação pela "extrema-esquerda".
Por último, a infeliz
referência ao “domínios marxista” da Bibliografia: de facto vem indicadas 3 obras
de Hobsbawn, entre elas “A Era dos Extremos”, e 2 de Fernando Rosas, uma delas
o “Dicionário de História do Estado Novo” por ele dirigido, mas com a
colaboração de autores das mais variadas tendências, ao lado, aliás, dos 3
volumes do Dicionário de História de Portugal, relativos ao Estado Novo,
coordenados por António Barreto e Filomena Mónica. Nas dezenas de sugestões de
leitura também se incluem obras de “perigosos marxistas” como François Furet,
José Mattoso, José Carlos Espada,Nuno Valério, José Hermano Saraiva, Joaquim
Veríssimo Serrão, Braga da Cruz, A.H. de Oliveira Marques, Fátima Patriarca,
António José Telo ou António Costa Pinto, entre outros.
Quanto muito, podemos criticar uma certa desactualização dessa bibliografia, mas não existe, na que é porposta, qualquer sinal de "domínio marxista".
Pela reacção do público de "direita" a esta comunicação, ficámos a "saber" que, na falta de um projecto económico para Portugal, alternativo ao mítico "modelo socialista", só têm para oferecer um "modelo económico" como o do Estado Novo...sem Salazar (...eventualmente...sem ditadura!!), uma economia que "produz ricos", em vez de produzir riqueza, baseada na desigualdade na distribuição dessa riqueza, na perseguição aos sindicatos, na remessas da emigração provocada pela miséria das populações rurais, nos baixos salários e na negação de direitos sociais.
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