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quarta-feira, 25 de maio de 2022

Brincadeiras d’outro planeta – Brincar às “caricas”.


Conversa puxa conversa e ontem, numa almoçarada no Barreiro, com o Fernando, o Carlos e o sr. Gomes,  veio à memória o tempo das nossas brincadeiras com “caricas”.

Para quem não sabe, as “caricas” eram as tampas das garrafas de refrigerante.

Uma carica podia ser um “rei”, um “soldado”, um “ciclista”, um “atleta olímpico”.

Todos lá no bairro tinham o seu “exército de Caricas”, muitas apanhadas do chão.

Havia as “caricas” raras e preciosas, de refrigerantes “raros” ou “estrangeiros”.

Lembro-me que fiz um figurão exibindo uma colecção de “caricas” israelitas que uma tia avó minha, solteirona e muito católica, me trouxe de uma viagem a Jerusalém.

Eram poucas as pessoas que viajavam para fora do país, mas quando alguém conhecido o fazia, a única “prenda” que pedíamos era que nos trouxessem “caricas” desses países, para fazermos inveja aos nossos companheiros de brincadeira.

No dia do meu exame da 4ª classe, em Lisboa,  após o exame da manhã, eu, o Rogério e o Jorge perdemo-nos uns dos outros e das nossas mães no Rossio porque começámos a apanhar do chão todas as “caricas” que encontrávamos, largadas das esplanadas dos cafés aí existentes, porque muitas delas eram raras ou desconhecidas cá em Torres.

Cada um tinha um “país” das caricas, com “reis” ou “governantes” e por vezes, para disputar o “domínio” de uma marquise comum, de uma zona do quintal, ou da própria “casa” do nosso país das caricas, lá fazíamos umas “guerras”, ganhando quem “virasse” o maior número de caricas do adversário ou quando o nosso stock de caricas se começava a esgotar.

Um dia eu, o Carlos e não sei se mais alguém, fomos à casa do Carrilho, lá para os lados do Choupal. “Oficialmente” íamos participar nuns “jogos olímpicos” de “caricas”, mas, sem lhe dizer nada, levámos o máximo de caricas nos bolsos para lhe “invadir o país”.

Em plena “sessão de abertura” dos “jogos olímpicos” resolvemos pegar no “rei” do “país” do Carilho e lançá-lo para dentro da “chama olímpica”, conquistando-lhe o país, que ele teve de resgatar com um “pagamento” em “caricas”.

Certa vez fui eu o “invadido”. Penso que foi o Carrilho e o Jorge que chegaram à varanda das traseiras da minha casa com um exército de “caricas” para me invadirem, e eu não fiz mais nada, fechei à chave a porta de entrada das traseiras e deixei-os ao frio. Fui “traído” pela minha mãe que, ao vê-los lá fora, dirigindo-se à porta para a abrir, me ía ralhando por deixar os meus amigos lá fora, ao frio, deixando-os entrar e custando-me a “independência”, reconquistada com muitas negociações com os dois, e que me custou mais umas dezenas de “caricas” de resgate, entre elas algumas das "célebres" caricas israelitas, muito cobiçadas e que justificavam uma "invasão".

Também realizávamos “viagens ao espaço” com as “caricas-astronautas” viajando numa “caixa de fósforos foguetão” até ao armário mais alto lá de casa, com risco da própria vida (nossa, não dos "astronautas-caricas") em cima de velhos bancos, para levarmos os "foguetões" o mais alto possível .

O Carrilho fazia viagens mais sofisticadas. Colocava a “carica astronauta” enrolada numa prata de maço de tabaco dentro de um caixa de metal de comprimidos, colocava-a ao lume no fogão durante um tempo determinado, depois retirava-a a abria-a. Se a “carica” estivesse intacta, a “viagem” tinha sido um êxito, se estivesse queimada, tinha sido um “fracasso” e procedia-se ao “enterro” do astronauta que terminava no “cemitério”, o telhado da casa para onde era atirado o ”infeliz” “astronauta-carica”.

Também realizávamos anualmente “jogos Olímpicos”, "corridas de automóvel" e "desfiles de Carnaval" com as “caricas”.

Eu próprio fazia semanalmente um “jornal” escrito à mão com as notícias do meu “país das caricas”.

Mas uma das provas mais disputadas e que envolviam mais gente eram as corridas de “bicicleta” com caricas, que decorriam nas férias de Verão em Santa Cruz, com várias etapas e equipas, cujo resultado era diariamente registado num caderno, com os “tempos” de chegada, a pontuação e o resultado das “equipas”.

Os percursos eram “desenhados” na areia, com curvas, túneis e percursos mais ou menos longos. Por vezes uma onda invadia a pista e lá tínhamos de ir resgatar os “ciclistas” levados pelo mar ou que ficavam enterrados na areia.

Era assim que muitos de nós nos divertíamos aí pela década de 60 do século passado.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

A Rússia de Putin e Israel dos ortodoxos…a mesma “luta”?!!


Semanas antes de Putin ter invadido a Ucrânia com o seu exército, a Amnistia Internacional acusava Israel de crimes de guerra contra os Palestinianos.

Dias depois, descobriam-se crimes de guerra das tropas russas contra ucranianos, denunciados por várias organizações, entre elas a Amnistia Internacional.

No início da invasão, Israel surgia como “interlocutor” de Putin para as “negociações”, mas Lavrov, com a sua desastrada declaração sobre as “origens judaicas” de Hitler, ia estragando o clima de “boas relações”.

Putin, ignorando os crimes que o seu exército tem vindo a cometer na Ucrânia e recusando-se a, no mínimo, um “pedido de desculpas” aos ucranianos, apressou-se a fazer um raro pedido de desculpas ao Estado de Israel, e a tensão entre os dois governo, o israelita e o russo, parece ter abrandado.

No famoso e teatral desfile da “vitória”, lá estava na tribuna de honra, um bem visível representante da comunidade judaica, não sei se da Rússia,  se representante do Estado de Israel.

Pode parecer estranho esta “proximidade” entre os dois Estados nesta altura.

Agora ficámos a perceber (mais uma vez) a razão de tanta “proximidade”.

Os métodos de tratamento de palestinianos pelo Estado de Israel e os métodos de tratamento dos ucranianos pelo exército russo, não são assim tão diferentes.

Ambos usam argumentos parecidos, a “desnaziificação” e o combate ao “antissemitismo”, para perseguirem e matarem, respectivamente, ucranianos e palestinianos.

Claro que os Palestinianos, como os Ucranianos também têm as “suas culpas no cartório”, a Palestina tem os terroristas do Hamas e os ucranianos os terroristas do Batalhão Azov.

Mas a forma como foi barbaramente executada a jornalista palestiniana do AlJazeera Shiren Abu Akleh pelo exército israelita, bem como a tentativa de acusar os palestinianos e tentar desacreditar o testemunho de outros jornalistas, lembra o método usado por Putin para desacreditar os testemunhos dos crimes de guerra russos na Ucrânia.

Não se pense que a forma como a jornalista foi abatida é caso isolado na Palestina, às mãos de Israel. O número de jornalistas palestinianos mortos pelos israelitas já ultrapassa os vinte.

É caso para dizer: Palestinianos e Ucranianos, a mesma luta; Putin e o Estado de Israel…os mesmos métodos!

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Putin é “comunista”?


Em tempos de extremos e dominados pela “cloaca das redes sociais” , são muitas as asneiras que “vemos, ouvimos e lemos e não podemos ignorar”, escritas por aí.

Algumas são compreensíveis, quer pela revolta e indignação que nos atinge a todos, face à criminosa invasão de um país soberano, a Ucrânia, por uma potência nuclear e autoritária como a Rússia, e face à violenta destruição de alvos civis e aos indesmentíveis crimes de guerra cometidos pelos invasores (ou"danos colaterais", se o tema fosse outra guerra iniciada ou apoiada pela NATO ou pelos Estados Unidos...mas essa é outra "história"!!!).

Mas alguns raiam a mera propaganda política, oportunismo ideológico ou, pior ainda, falaciosa ignorância e má fé, como a de considerar que Putin é “comunista”, e, com isto, trazer ao de cima o mais primário anticomunismo que estava bem escondido nas entranhas de muitos.

Claro que se pode dizer que, por cá, o PCP foi o principal responsável por essa reacção, pela ambiguidade demonstrada, até hoje, em relação ao seu posicionamento perante a invasão russa, que desrespeitou toda a comunidade internacional e o direito internacional, acentuada pela inconcebível e desastrosa reacção da líder parlamentar, Paula Santos, ao discurso do presidente Zelensky no Parlamento Português, uma nódoa, a juntar a muitas outras dos últimos tempos, no património histórico do próprio PCP.

A melhor desmontagem da argumentação do PCP deve-se a José Pacheco Pereira, num artigo publicado no jornal Público no passado dia 23 de Abril (“PCP : ocultar que há um agredido e um agressor”).

Há quem diga que “o PCP se pôs a jeito”, e com isso iniciar ou justificar a campanha contra o PCP,  mas essa é uma posição idêntica àqueles que tentavam “justificar” o ataque às Torres Gémeas como o facto de “os Estados Unidos se terem posto a jeito”, ou justificar o ataque terrorista em Paris como o facto de o “Charlie Hebdo se ter posto a jeito”.

Como nada justifica os ataques terroristas, também as posições do PCP não justificam a campanha anticomunista que vai por aí, principalmente na “cloaca das redes sociais”, vendo em Putin um “comunista”, até porque o PCP nunca apoiou o ditador russo, criticando-o até há muito mais tempo que críticos recentes desse regime.

Claro que, em política “o que parece é”, uma verdade que devia ser conhecida por um partido com uma vida politica tão longa.

Se as criticas à NATO ou aos Estados Unidos podem ser pertinentes, o que é um facto é que, neste caso, o que está em causa não é mais uma invasão ilegítima ou criminosa da NATO, dos Estados Unidos ou dos seus aliados (Israel, Arábia Saudita…), mas estamos perante uma invasão ilegítima e criminosa da Rússia, injustificável e condenável, “mesmo” que Putin fosse “comunista”.

A “santa ignorância” sectária que grassa para os lados do PCP não é muito diferente da “santa ignorância” sectária dos extremos opostos.

Apelidar Putin como “comunista” como justificação para recorrer a todo o argumentário do mais primário anticomunismo, acaba por prestar um mau serviço à justa causa ucraniana.

Uma das atoardas mais ridículas, ignorantes e falaciosas que vi por aí foi fazer um link para um discurso de Jirinovsky no Parlamento russo, onde ele acusa o comunismo pelos crimes que são conhecidos do tempo da guerra civil e do stalinismo, link apresentado como um manifesto contra o “comunista” Putin.

O que quem partilhou e divulgou esse vídeo desconhece, ou finge desconhecer, é que Jirinovsky, falecido há poucos dias, foi um dos mais fervorosos apoiantes da invasão da Ucrânia.

Recorde-se que, entre outras coisas, Jirinovsky defendia o regresso do velho Império Czarista, do…Alasca (!!!) até à Polónia, defendia a negação da Ucrânia como nação e  a divisão deste país pela Rússia, pela Polónia e pela Roménia.

Tendo falecido cerca de um mês depois da invasão da Ucrânia, ainda foi a tempo de afirmar que o dia 24 de Fevereiro (data do inicio da invasão) tinha sido o dia mais feliz da sua vida e que o ano de 2022 era o ano em que a Rússia ia “voltar à grandiosidade” (veja-se a referência a esse patético líder do maior partido de extrema-direita na Rússia, representado na Duma por 21 deputados, no jornal Público de 10 de Abril: – “in Memoriam – O expoente ultranacionalista russo que previu a invasão da Ucrânia”).

Um dos argumentos usados por Putin para enganar os incautos e para propaganda interna, num país onde acabou de vez a liberdade de expressão e onde acabou de vez a imprensa livre, onde impera a verdadeira “verdade única”, é o de que iniciou “ uma operação militar especial” para “desnazificar” a Ucrânia.

Sabendo-se a influência de grupos nazis e fascistas junto do poder ucraniano, sabe-se também que um dos objectivos do presidente Zelensky, no seu mandato, era reduzir o poder desses grupos, reintegrando alguns deles no exército para os controlar e combatendo politicamente o seu discurso, reduzindo a sua representação parlamentar para quase nada.

Mas mesmo que o “nazismo” fosse um problema mais grave, era uma questão que só dizia respeito aos próprios ucranianos resolver.

Aliás, a invasão russa veio permitir o renascimento e o fortalecimento desses grupos terroristas, como o célebre Batalhão Azov, entre outros.

E que dizer dos criminosos batalhões de Tchetechenos e do Grupo Wagner, este último a guarda pretoriana de Putin, uma espécie de SS dos nossos tempos, responsáveis pela maior parte dos crimes de guerra que tem tido lugar na Ucrânia?

Aliás, Putin não pode dar qualquer lição de “moral” e de “antinazismo”, já que, no seu próprio país, apoia mais de 10 organizações assumidamente nazis e fascistas, que desfilam publicamente frente ao Kremlin, todos os dias 4 de Novembro, data que era a da celebração da Revolução de Outubro, mas que Putin substituiu pelo Dia da Unidade Nacional de origem czarista.

Não nos devemos esquecer também que, na guerra civil que dura desde 2014 no leste da Ucrânia, , se do lado ucraniano combatem grupos de extrema direita, do lado russo combatem 4 organizações fascistas apoiadas pelo Kremelin, em maior número do que a sinistra Brigada Azov.

Há que recordar também todo o tipo de apoios que Putin tem dado a organizações e partidos de extrema-direita na Europa e nos Estados Unidos.

Mesmo que Putin, por vezes, tente recuperar alguma retórica dos tempos da União Soviética, não o faz por razões ideológicas mas, como em relação à 2ª Guerra, por puro “fervor nacionalista”. Aliás, o único líder soviético que Putin nunca criticou foi Stalin.

Ainda recentemente, no discurso onde tentou justificar a invasão da Ucrânia, criticou violentamente Lenine, a União Soviética e Krutchev por terem “dado” uma unidade política à Ucrânia no sei das Repúblicas Soviéticas.

O objectivo de Putin não é o de reconstruir a União Soviética, mas o de reconstruir o Império czarista, para além de outros objectivos de politica internacional que não pretendemos, porque não temos conhecimento suficiente para isso, analisar aqui.

Se juntarmos a tudo isto o facto de os principais ideólogos lidos e citados por Putin serem autores russos do século XIX ou do inicio do século XX (como Serguei Soloviev ou  Ivan ìllin), que defendiam teorias ultra nacionalistas ou fascista e nazis, muitos deles vivendo exilados após a revolução, mas recuperados pelo actual regime russo, então ainda é mais evidente que Putin não é “comunista”.

Lamento, por isso, “desiludir” os dois lados extremos da barricada, os que se indignam contra Putin porque acham que ele é a “encarnação do mal comunista” (não os vi tão indignados noutras guerras criminosas!!), e os que, no minímo, hesitam em condenar a barbaridade das tropas de Putin na Ucrânia porque acham que ele pretende reconstruir o “paraíso comunista na terra”.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

PASSARINHOS E PASSARÕES, "num cinema (Ideal) perto de si!"


No meio de tanta má notícia, uma boa notícia:

Está em exibição, no cinema Ideal em Lisboa, um dos mais interessantes, mas também menos conhecidos filmes de Pier Polo Pasolini.

Estreado em Maio de 1966, quase há 60 anos, a preto e branco, é uma ternurenta reflexão sobre a vida, a humanidade, a história  e a sociedade, entre pai e filho, acompanhados por um corvo falante, ao longo de uma caminhada pela "estrada fora".
Lembro-me da forma como este filme me marcou, ao vê-lo numa sessão do Festival da Figueira da Foz, na década de 70.

Nunca mais o voltei a rever, e, ao que parece, só agora o filme foi estreado numa sala de cinema em Portugal.

Já não me lembro muito bem da história, mas a humanidade das personagens e da sua história ficaram bem marcadas na minha memória.

Numa época dominada por tanta desumanidade, pela intolerância, pelo desrespeito pelas idéias contrárias e pela gritaria dominante na cloaca das redes socias, este é um filme que nos conforta e nos recorda que ainda há um lado humano a explorar.

Eis o resumo, transcrito da sinopse oficial do filme:

"Um conto alegórico estreado em Cannes e no qual brilha o lendário Totò com um desempenho memorável. Enquanto se deslocam pela estrada fora e através do tempo, com uma incursão à época de S. Francisco de Assis, Totò e o seu filho (Ninetto Davoli) encontram um corvo falante (e intelectual de esquerda) que os acompanha na digressão e vai comentando as peripécias que se sucedem de uma forma que o torna insuportável, pelo que os nossos heróis serão forçados a tomar uma medida drástica".

Sobre este mesmo filme, um dos menos conhecidos da sua cinematografia, escreveu Pasolini:

“é um filme sobre o fim do neorrealismo, uma espécie de limbo, que provoca o fantasma do neorrealismo, especialmente o princípio, acerca de dois personagens que vivem a sua vida sem pensarem nela – isto é, dois heróis típicos do neorrealismo, humildes, banais e ignorantes. Toda a primeira parte é uma evocação do neorrealismo, embora um neorrealismo idealizado. Há outros bocados, como o episódio dos palhaços, que pretendem deliberadamente evocar Fellini e Rossellini.” 

Este filme integra o  ciclo "O Cinema segundo Pier Paolo Pasolini", que celebra o 100º aniversário do nascimento desse realizador, organizado pleo cinema Ideal, perto do Largo de Camões, em Lisboa.

A não perder.