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sexta-feira, 25 de junho de 2021

Apesar de você (Um Hino contra a Censura e o Autoritarismo)


Foi em Março de 1970 que Chico Buarque, regressado do exîlio, gravou um dos seus temas mais icónico, "Apesar de Você".

A letra da musica era uma crítica indirecta,  à Ditadura Militar Brasileira, disfarçada de uma briga entre amantes.

Ao enviar a canção à Censura, como era obrigatório, os censores não perceberam o segundo sentido da letra, tendo autorizado a sua edição em vinil.

Lá, como cá, muitos censores eram incultos e idiotas, não percebendo o princípio das metáforas.

Só em Fevereiro de 1971, perante o êxito da canção, é que a ditadura se apercebeu do sentido a mesma, proibindo de imediato a sua passagem nas rádios e mandando os gorilas da polícia política à sede local da editora Philips, destruindo todas as cópias ainda aí existentes.

Felizmente não destruiram a matriz, permitindo que a canção fosse gravada mais tarde, já em democracia.

O censor que deixou passar a musica foi igualmente punido e Chico Buarque teve de prestar declarações à polícia que, em certo momento do interrogatório lhe perguntou quem era o "você" da musica, ao que o musico respondeu: "é uma mulher muito mandona, muiti autoritária".

Até ao fim da ditadura Chico Buarque ficou marcado e foi perseguido em várias ocasiões.

Para fugir à censura, Chico Buarque chegou  compor com pseudónimos, como "Julinho de Adelaide" ou "Leonel Paiva", mas o estratagema também foi descoberto pela censura.

A canção também tinha sido gravada pela cantora Clara Nunes em 7 de Janeiro de 1971, que também não tinha percebido o duplo sentido da canção, sendo obrigada, para escapar à perseguição, a colaborar com a própria ditadura, obrigada a gravar canções que faziam a apologia do regime.

Só em 1978 é que a canção foi incluida num album em vinil, "Chico Buarque (1978)", tendo também sido interpretada por outros cantores como Maria Bathânia, Benito de Paulo, Beth de Carvalho ou Daniel Mercury.

"Apesar de Você" tornou-se um hino contra as ditaduras, um hino cada vez mais actual, quer contra "velhas" ditaduras (China, Coreia do Norte...) ou "ditaduras de novo estilo", disfarçadas ou não de rituais "democráticos" (Irão, Arábia Saudita, Venezuela, Nicarágua, Rússia, Turquia, Hungria, Polónia, Ucrânia, Israel, Bielorrússia, Brasil...).

Para memória futura, pois pode tornar-se necessário saber cantá-la, aqui fica a letra desse hino contra todas as formas de autoritarismo e ditadura:

APEASAR DE VOCÊ

(por Chico Buarque de Holanda)

Amanhã vai ser outro dia

Amanhã vai ser outro dia

Amanhã vai ser outro dia

Hoje você é quem manda, falou, tá falado

Não tem discussão, não

A minha gente hoje anda

Falando de lado e olhando pro chão, viu?

Você que inventou esse estado

Que inventou de inventar toda a escuridão

Você que inventou o pecado

Esqueceu-se de inventar o perdão

Apesar de você amanhã há de ser outro dia

Eu pergunto a você

Onde vai se esconder da enorme euforia?

Como vai proibir

Quando o galo insistir em cantar?

Água nova brotando

E a gente se amando sem parar

Quando chegar o momento, esse meu sofrimento

Vou cobrar com juros, juro

Todo esse amor reprimido, esse grito contido

Este samba no escuro

Você que inventou a tristeza

Ora, tenha a fineza de desinventar

Você vai pagar e é dobrado

Cada lágrima rolada nesse meu penar

Apesar de você amanhã há de ser outro dia

Inda pago pra ver o jardim florescer

Qual você não queria

Você vai se amargar

Vendo o dia raiar sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir

Que esse dia há de vir antes do que você pensa

Apesar de você

Apesar de você amanhã há de ser outro dia

Você vai ter que ver a manhã renascer

E esbanjar poesia

Como vai se explicar vendo o céu clarear

De repente, impunemente?

Como vai abafar

Nosso coro a cantar na sua frente?

Apesar de você

Apesar de você amanhã há de ser outro dia

Você vai se dar mal, etcetera e tal

Laraiá laraiá lá

Laraiá laraiá, laraiá laraiá

Lá laiá lá

Laraiá laraiá, laraiá laraiá

Lararará

Apesar de você...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Reprimir o acto musical, um acto comum aos mais diversos poderes instituídos.


O que têm em comum os Sex Pistols, as Pussy Rioy e Pablo Hasél ?

Todos foram parar à cadeia por desafiarem as autoridades, tenha sido a velha monarquia inglesa, a “nova monarquia” de Putin na Rússia ou a monarquia corrupta de Espanha.

Os Sex Pistols lançaram o tema “God Save the Queen” em 1977, tornando-se um ícone do punk, tema durante anos censurado nas rádios britânicas, e que levou à proibição da actuação da banda em solo de sua majestade, apesar de ter vendido 150 mil exemplares em apenas cinco dias e batido record´s de venda.


Uma actuação ilegal da banda, num navio no meio do Tamisa, nesse mesmo ano, para “comemorar” o Jubileu de Prata da Rainha, provocou a intervenção policial e a detenção dos músicos, que passaram algum tempo  na prisão.

Mais recentemente, o todo poderoso “czar” do Kremlin, Vladimir Putin, sentindo-se ofendido por uma tema da banda punk local Pussy Riot, que o criticava, mandou prender as jovens musicas, que passaram maus momentos na prisão (chamamos a atenção para a violência das imagens).

As mesmas Riot foram notícia recente por um tema anti-Trump,o amigo de Putin, escapando por pouco à prisão nos Estados Unidos.


Nos últimos dias, foi a vez da corrupta monarquia espanhola “mandar” prender o raper Pablo Hásel, devido à divulgação de um tema musical onde este denunciava, com palavras violentas, essa monarquia decadente.

Por ironia do destino, o 40º aniversário da única acção da monarquia espanhola em defesa da democracia, a repressão da tentativa de golpe militar da extrema-direita de 23 de Fevereiro de 1981, é comemorado debaixo da polémica devido à prisão do músico.

Hoje é também o dia em que passa mais um aniversário sobre a morte de Zeca Afonso, outro musico perseguido pela forma como fez da musica uma arma para denunciar a ditadura salazarenta.

Hoje, como ontem, e como sempre, a musica independente continua a incomodar muita gente, e quem diz a musica, diz a cultura independente em geral.

Talvez por isso, a cultura seja o parente pobre das medidas previstas para recuperar a economia e a sociedade no pós-pandemia.

 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Homenagem a José Mário Branco (1942-2019)


Morreu José Mário Branco.

Assim, sem aviso, foi a notícia ouvida esta manhã.

Que melhor homenagem do que o recordar aqui em vários momentos, aquele que foi um dos mais importantes autores e musicos portugueses dos últimos 50 anos.

Até sempre Zé Mário.

Começamos por recordá-lo numa longa entrevistas, em duas partes, recolhida há apenas 2 anos em Paris, em 15 de Outubro de 2017, incluida no projecto da Fundação Calouste Gulbenkian "Artistes portugueses à Paris-una histoire oral", entrevista conduzida por António Contador:


Aqui recordamos alguns dos temas mais emblemáticos de José Mário Branco, como um tema que muito incomodou o regime salazarista, "a Ronda do Soldadinho":



Outro tema marcante, com origem à sua ligação ao projecto GAC, nos idos de 1975, "A Cantiga é uma arma":

Mas aquele que é talvez a sua musica mais conhecida é um tema baseado num poema de Camões, "Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades", aqui numa versão recente na companhia de Fausto e Sérgio Godinho:


Outro dos seus temas mais marcantes foi "eu vim de longe, eu vou para longe", retirado do seu album mais importante, "Ser Solidário":


E não podíamos esquecer o seu "poema-manifesto" FMI, sempre actual:

(FMI - 1ª parte)


(FMI - 2ª parte)

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Woodstock, quando o tempo parou



Ficou na memória de uma geração, mesmo na daqueles que não o viveram, ou só souberam da sua existência anos depois, o que aconteceu naqueles dias a meio de Agosto de 1969, perto da pequena cidade de Bethel, numa desconhecida quinta de criação de gado.

Foi entre os dias 15 e 18 de Agosto de 1969 que teve lugar um dos momentos mais importantes da geração de 60 e da história da musica rock, o incorrectamente chamado Festival de “Woodstock”.

Anunciado para uma localidade próxima do município de Woodstock, esse festival de musica esteve quase condenado ao fracasso ou a ser apenas mais um festival de musica entre tantos que se realizaram por essa época em vários locais dos Estados Unidos.

Anunciada a sua realização durante semanas em páginas de jornais, e já com milhares de ingressos vendidos, à última da hora os habitantes da conservadora cidade de Woodstock, sede do município da localidade de Walkill para onde estava programada a realização do festival, conseguiu forçara as autoridades locais a proibirem o evento, porque não queriam ver o sossego provinciano da sua terra a ser abalado por hippies e jovens contestatários da guerra do Vietname.

Os organizadores, liderados pelo visionário Michel Lang, tiveram de encontrar um outro local para o festival, já não indo a tempo de tirar a referência de Woodstock dos cartazes.

Graças ao “inconsciente” criador de gado Max Yasgur, acabaram por montar o palco e o arraial do festival, apressadamente, na quinta deste, perto da cidade de Bethel, no Estado de Nova Iorque, a 70 Quilómetros de Woodstock.
(uma das imagens icónicas do festival e os mesmos 40 anos depois)


Foi assim que Woodstock foi injustamente imortalizada como falsa sede do evento, enquanto a pequena cidade de Bethel, onde o festival de facto se organizou, acabou no esquecimento.

Ao contrário das expectativas iniciais, em vez dos 200 mil espectadores previstos, surgiram de todo o lado cerca de meio milhão de jovens para assistirem ao festiva, a maioria sem bilhete.

Alguns tinham adquirido o ingresso para três dias por 18 dólares, 24 dólares se comprado no local (8 dólares um diário), mas rapidamente a organização, para evitar o caos, teve de abrir as portas do recinto a todos os que apareciam, transformando o concerto num festival gratuito.

Apesar do caos, dos vários imprevistos, da quantidade de gente, da falta de tudo, alimentos, àgua, sanitários, do mau tempo que se abateu sobre o local, pelo menos por duas vezes, dos engarrafamentos monstruosos, apenas se registaram duas mortes (4 segundo outras versões).

A abertura do festival, na 6ª feira 15 de Agosto, coube a Richie Heavens, embora o previsto fosse que esse momento coubesse aos SweetWater, que não conseguiram chegar a tempo, retidos pela policia numa operação stop e no trânsito infernal de ligação ao festival.

Nesse mesmo dia actuaram, entre outros, Ravi Shankar, Melanie, Arlo Guthrie e Joan Baez, esta grávida de 6 meses.


No Sábado 16 de Agosto a abertura coube ao quase desconhecido Country Joe McDonald, que também abriu esse dia contra a que estava programado, pois eram os Santana que deviam iniciar a actuação do 2º dia, mas que não estavam preparados para a sua actuação.

Além de Country Joe e de Carlos Santana, actuaram nesse dia os Canned Heat, os Greatful Dead, os Credence Clearwater Revivel, Janis Joplin e os The WHo.

Estes últimos começaram a actuar já pelas 4 horas da madrugada de Domingo, tocando 25 temas, actuando os Jefferson Airplane, que encerravam o 2º dia, já no inicio da manha  do terceiro dia.


O último dia do Festival, Domingo 17 de Agosto, ficou marcado pelo forte temporal que se abateu sobre o recinto após a actuação de abertura de Joe Cocker, interrompendo-se o concerto por 3 horas, após o qual se retomou o alinhamento.

Actuaram antão, novamente, Country Joe McDonald, e, entre outros, os Tem Years After, os The Band, Johnny Winter, Blood Swett & Tears e, um dos momentos altos, os Crosby, Still & Nash, que passaram a crescentar Neil Young, que aí iniciou uma curta ligação ao grupo.


Também actuaram na sessão de encerramento os Paul Butterfield Blues Band e Jim Hendrix.

Quando Jimi Hendrix subiu ao palco já era a madrugada da 2ª feira de 18 de Agosto e já muita gente se tinha ido embora, restando apenas 30 mil espectadores, que assistiram a uma das mais icónicas, e também a uma das últimas aparições daquele talentoso guitarrista.


Apesar da fama do Festival, e apesar dos convites, este não contou com a presença de algumas das mais importantes bandas ou cantores do momento, uns por impedimento de calendário, como aconteceu com Simon & Garfunkel, a gravar um álbum novo, os Chicago, os Moody Blues, com espectáculo em Paris, os Rolling Stones (Mick Jagger estava na Austrália) e os Procol Harum, a recuperar de uma cansativa digressão.

Os Beatles não compareceram porque estavam e digerir conflitos internos, não actuando há 3 anos, os The Doors porque desvalorizaram o evento, arrependendo-se depois, apesar do seu baterista, John Densemore, ter estado no festival a acompanhado Joe Cocker na sua actuação.

Sem razões conhecidas, também não actuaram, apesar de convidados, os Led Zeppellin, os Jethro Tull, os The Byrds, Frank Zappa e os Free.

Mas a maior desilusão foi a não comparência de Bob Dylan, que vivia em Woodstock, e que preferiu apostar no Festival da Ilha de Wight, marcado para o final desse mês.

Um dos casos mais paradigmático, entre as ausências, foi o de Joni Mitchel que, desejando ir, foi impedida pelo seu empresário. Seguiu com entusiasmo o festival pela televisão e através das descrições do seu namorado da altura, Graham Nash, dos Crosby, Still & Nash, ficando-se a dever a ela aquela que se tornou a canção-hino do Festival, “Woodstock”, escrita em casa enquanto acompanhava o acontecimento à distância, canção essa que, apesar de nunca ter sido tocada no festival, muito contribuiu para divulgar o evento.


Essa canção foi gravada por Joni Mitchell  e incluída num álbum seu de 1970, mas tornou-se mais conhecida pela interpretação que dela fizeram os Crosby, Still, Nash & Young no álbum do mesmo ano “Dejá Vu”.


O mayor de Bethel perdeu as eleições no final de 1969 por causa de ter deixado que o festival se tivesse realizado no seu município e, durante anos, este tipo de festivais esteve proibido naquela localidade, o mesmo acontecendo com Woodstock que, mais tarde , se aproveitou da fama que não lhe era devida.



O festival de “Woodstock” deu origem a um dos mais importantes documentários de sempre, realizado por Michael Wadleight e que teve na produção um então ilustre desconhecido…Martin Scorsese, e que venceu o Óscar para melhor documentário.

Deu ainda origem a dois álbuns em vinil, um triplo e outro duplo, hoje disputados no mercado de raridades.
“Woodstock” conseguiu fazer a síntese e a transição entre a musica popular dos anos 60 e os novos caminhos do rock dos anos 70.

Aí se cruzaram o “latin rock” de Santana  com o “rock blues” dos Tem Years After, o “rock psicadélico” dos Grateful Dead, com o “proteste Song” de Joan Baez, ou o “Pop inglês” dos The Who com o “country rock” dos Crosby Still, Nash & Young.

Nunca mais nenhum festival conseguiu a força mítica de “Woodstock”, talvez apenas o “Live Aid” em 1985, que revelou a mesma força e o mesmo poder de sintetizar uma época.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

30 anos depois, recordar Zeca Afonso:

Passam hoje 30 anos sobre a morte de Zeca Afonso.
Zeaca foi um "imprescindível"

(“Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” (Bertolt Brecht))
Recordamo-lo aqui através de um documentário e da gravação quase inédita de um espectáculo ao vivo.
 



 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A Noite de Polly Jean

PJ Harvey, regressa esta noite a Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho, The Hope Six Demolition Project.

A artista britânica, nascida numa zona rural do sul da Inglaterra, inspirou-se para este álbum nas viagens que fez entre 2011 e 2014 ao Afeganistão e ao Kosovo, na companhia do fotojornalista irlandês Seamus Murphy,(clicar para ver trabalho do fotógrafo) viagem que terminou em Washington, local onde se tomaram as decisões que decidiram a situação de guerra vivida por aqueles dois países.

Desta viagem, para além no novo albúm de Polly Jean, resultou também o primeiro livro de poesia da cantora, The Hollow of the Hands, editado no ano passado, com a colaboração fotográfica de Seamus.
 

Harvey, além de musica de grande mérito criativo, também se dedica às artes plásticas, actividade que muito a inspira nas suas performances musicais.

Esta noite promete ser mais um memorável momento no Coliseu de Lisboa.

Em baixo transcrevemos o texto de Mário Lopes, hoje editado no jornal Público, sobre este evento:
 
PJ Harvey tem coisas muito importantes para dizer – outra vez
Por Mário Lopes   In Público de 27/10/2016
 The Hope Six Demolition Project resultou de viagens ao Afeganistão, ao Kosovo e a Washington. É um álbum negro, habitado pelos fantasmas bem vivos deste nosso tempo. Agora chega ao Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
“Não será um concerto de blues endiabrado e guitarra em punho a corroer o rock’n’roll. Não. Isso já foi há muito tempo e, neste tempo, não é isso que PJ Harvey persegue. Ou melhor, será um concerto de blues, mas blues arrancado às entranhas, blues enquanto retrato e denúncia. Sabemos porque vimos o que aconteceu dia 10 Junho no Nos Primavera Sound, no Porto, quando PJ Harvey assinou o concerto mais relevante, o mais negro e emocionalmente intenso do dia, com entrada directa para a história do festival. Quem o viu, ou quem ouviu os relatos do que se passou, não pode não estar ansioso pelo reencontro esta quinta-feira no Coliseu dos Recreios, em Lisboa (21h, bilhetes a 40 euros).
“Cinco anos antes víramos a primeira parte desta história, quando PJ Harvey apresentou Let England Shake em duas datas esgotadas na Aula Magna, em Lisboa. Era um álbum inspirado em leituras sobre a Primeira Guerra Mundial e sobre a poesia que brotou daquele cenário. Um álbum habitado por fantasmas dolorosos e permanentes, os da guerra que tudo ceifa, das trincheiras que sufocam, da impotência do homem soldado que não passa de peão de uma máquina que não controla. Cantou-o vestindo de negro, plumas caindo-lhe sobre o rosto. “What is the glorious fruit of our land?”, perguntou em The glorious land, “Its fruit is deformed children”.
“The Hope Six Demolition Project foi o passo seguinte, o segundo tomo de um díptico (afirmamo-lo com margem para erro, dado desconhecermos se terá continuidade) que começou em terras distantes, o das trincheiras de 1914/1918, e que, depois, inspirada pelo trabalho do fotojornalista Seamus Murphy, levou PJ Harvey a perseguir a morte, a turbulência, a iniquidade das desigualdades e a impunidade de quem decide no Afeganistão, no Kosovo e em Washington – o título do álbum é uma referência a um programa federal americano de revitalização de bairros sociais problemáticos.
“No Nos Primavera Sound vimos um palco onde o negro imperava, onde a luz era trabalhada para que se destacassem mais as sombras dos músicos do que os seus corpos. As vozes graves uniam-se como um coro gospel, ou como um coro de tragédia grega, acentuando a sensação de que o presente cantado tinha raízes fundas no tempo. PJ Harvey não pegou na guitarra uma única vez, substituindo-a pelo saxofone que dardejava notas sobre as melodias e sobre as tarolas rufadas como marcha assombrada, acentuando o ambiente fantasmagórico vivido durante todo o concerto. The Hope Six Demolition Project foi, como não podia deixar de ser, o centro de tudo. PJ Harvey só se afastou dele para recuperar os longínquos To bring you my love e Down by the water ou The words that maketh murder, do antecessor Let England Shake.
“A julgar pelo alinhamento dos últimos concertos da digressão, em Itália, essa estrutura manter-se-á razoavelmente inalterada na apresentação portuguesa, em nome próprio, de The Hope Six Demolition Project. Não se espere, portanto, uma celebração de carreira, uma visita guiada ao percurso iniciado por PJ Harvey em 1992, com Dry. Polly Jean tem coisas muito importantes a dizer e quer mostrá-las sem distracções. A julgar pelo extraordinário concerto de Junho, onde surgiu acompanhada, por exemplo, pelos habituais cúmplices Mick Harvey ou John Parish, resta-nos ouvi-la muito atentamente”.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

quinta-feira, 19 de junho de 2014

O OM DO DIA - 757 - Construção - Chico Buarque


Recordamos hoje alguns dos momentos mais significativos da carreira de Chico Buarque. 
O musico e poeta brasileiros completa hoje 70 anos de idade.
A história  da sua carreira também pode ser consultada AQUI.


Construção

Por Chico Buarque

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
  
1971 © by Cara Nova Editora Musical Ltda.

O SOM DO DIA - 754 - Chico Buarque DVD Na Carreira - 20 Geni e o zepelim

O SOM DO DIA - 753 - Tanto Mar 1ª e 2ª Versão + Entrevista com Chico Buarque

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Recordar Pete Seeger - 4 - Pete Seeger recordado em cartoon´s













Recordar Pete Seeger - 3 - Como eu, com a "ajuda" de Ruben de Carvalho, recordo"aquela noite" em Lisboa:

Recordo-me bem daquele memorável noite, já lá vão...trinta anos e um mês (!!!).

O Pavilhão dos Desportos (hoje Carlos Lopes) estava a abarrotar.

fã de longa data de Pete Seeger, foi a realização de um sonho poder vê-lo ao vivo.

Lembro-me também de Pete Seeger, que se apresentava em palco com toda a humildade que o caracterizou em vida, mas ainda com uma voz forte e firme, ter aproveitado para homenagear o Zeca Afonso que se encontrava na primeira fila, já doente, e que se levantou com alguma dificuldade. 

Foi a última vez que eu, e muitos dos presentes, vimos o Zeca, que morreria pouco mais de quatro anos depois.

Do concerto resultou um LP duplo, que eu comprei assim que saiu, e, mais tarde um CD com um livro de fotografias e uma biografia de Pete Seegar, que também  adquiri religiosamente alguns anos depois.

Foi ainda com uma felis surpresas que pude ver o reaparecimento de Pete por ocasião da cessão comemorativa da tomada de posse do presidente Obama.

Aqui vos deixo a descrição desse concerto por um dos  responsáveis por esse grande concerto que ficou na memória musical de todos a que ele assistiram:


"Ruben de Carvalho recorda concerto "memorável" de Pete Seeger em Lisboa

in Lusa e Blitz on-line de 29 de Janeiro de 2014:

"Em 1983, o músico norte-americano que hoje faleceu tocou em Lisboa, "a pedido" de figuras como Sérgio Godinho. Do espetáculo esgotado nasceu um álbum ao vivo.

"O músico norte-americano Pete Seeger, que morreu na segunda-feira aos 94 anos, deu em 1983 um concerto "memorável" em Lisboa e que ficou registado em álbum, recordou à Lusa Ruben de Carvalho, um dos promotores do espetáculo.

"Considerado uma das figuras primordiais do folk norte-americano, Peter Seeger fez da canção uma arma de ativismo social e político, juntando-se a vários movimentos cívicos pelos direitos humanos ao longo do século XX, contra a opressão e a guerra.

"A 02 de dezembro de 1983 atuou no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, para uma plateia que esgotou os bilhetes "num ai, em dois dias", e o concerto acabou por ser editado em álbum, acompanhado de um pequeno livro e um folheto com fotografias.


Ruben de Carvalho recorda concerto "memorável" de Pete Seeger em Lisboa -


"Fizemos várias tentativas para trazer o Pete Seeger a Portugal e conseguimos depois de lhe ter escrito uma carta. Criámos uma comissão, com João Paulo Guerra, José Jorge Letria, Daniel Ricardo e o Sérgio Godinho", recordou Ruben de Carvalho, antigo jornalista e membro do Comité Central do PCP.

"Ruben de Carvalho, responsável pelo ciclo "Hootenanny", de blues e folk, na Culturgest, afirmou ainda que na altura do concerto conseguiu convencer Pete Seeger a não atuar sozinho em palco, tendo contado com as participações de Júlio Pereira, Zé da Ponte e Guilherme Inês.

"Houve ainda uma projeção de "slides" com as letras das canções numa tela com imagens criadas pelo artista plástico Rogério Ribeiro.

"Não tínhamos pensado em gravar o concerto, mas o ambiente era tão simpático que se conseguiu reunir condições para isso", disse.

"Por essa razão, pela adesão do público - que Pete Seeger iria recordar noutras ocasiões - Ruben de Carvalho tem na lembrança "uma coisa verdadeiramente memorável. Foi uma coisa gloriosa".

"Ruben de Carvalho admitiu ser um enorme fã da família Seeger ("já cá trouxe o irmão Mike Seeger e o sobrinho Anthony Seeger"), descrevendo Pete Seeger como "um exemplo de firmeza ideológica", um nome fundamental "de toda uma geração que fez parte da folk".

"Juntamente com Woody Guthrie, foi um dos responsáveis pela divulgação da música folk norte-americana, assinando canções como "Where Have All the Flowers Gone?", "If I Had a Hammer (The Hammer Song") e "Turn, Turn, Turn", e interpretando temas como "We Shall Overcome".

"Tocador de guitarra, ukulele e banjo (instrumento no qual tinha gravada a frase "Esta máquina cerca o ódio e força-o à rendição"), Peter Seeger participou em 2009 no concerto de celebração da eleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, interpretando, ao lado de Bruce Springsteen e do neto Tao Rodríguez-Seeger, a canção "This land is your land", de Guthrie.

"Os 90 anos do músico foram celebrados no Madison Square Garden, em Nova Iorque, com um concerto em que Bruce Springsteen o apresentou como "um arquivo vivo da música americana e da sua consciência, um testemunho do poder da música e da cultura".

"Alinhamento do disco Pete Seeger Ao Vivo em Lisboa (gravado a 2 de dezembro de 1983).

1 Introdução Ao Espectáculo
2 Union Maid
3 Guantanamera
4 Italian Flute
5 I Come And Stand At Every Door
6 We Shall Overcome
7 Wasn't That A Time
8 Christo Ya Nació
9 Well May The World Go
10 This Old Man
11 We Shall Overcome"



Recordar Pete Seeger - 2 - Pete Seeger em Portugal , recordado por Nuno Pacheco (Público)


"Pete Seeger em Lisboa, numa noite febril de 1983



"Foi no dia 2 de Dezembro de 1983 e havia uma enorme ansiedade para ver Pete Seeger. Sim, vê-lo a cantar de perto, porque ouvi-lo já todos o tinham ouvido. Dos discos, da rádio, da lenda que ele nobremente tecera numa mistura de brio e humildade. Não era uma vedeta nem queria sê-lo, era um porta-voz de ansiedades, de histórias, de poemas, de vidas alheias, de alegrias e de imperativos de justiça.

"No Pavilhão dos Desportos (mais tarde Carlos Lopes) a gente era muita e o som era mau, mas ninguém se importou com isso. Quando Seeger, então com 64 anos, chegou ao palco, foi recebido com uma tempestade de aplausos. “Faltava-nos Pete Seeger”, declarava por escrito a comissão encarregada de organizar o concerto, como se fosse uma cimeira ou convénio. E deixou de faltar.

"No palco, ele fez o que melhor sabia: cantar histórias. De vida, de esperança, também de morte – uma outra forma de reacender a esperança. Cantou canções dele próprio e de Woody Guthrie, José Martí, Carlos Mejía Godoy ou de Nazim Hikmet (por sinal o poema onde o poeta turco dá voz ao fantasma de uma menina morta em Hiroxima).

"Ouvimos Guantanamera, Union maid, Wasn’t that a time, Christo ya nasció, Well may the world go, We shall overcome e muitas outras canções feitas hinos. E nunca ao longo da noite na sala se fez silêncio, fosse com palmas sincopadas ou coros desafinados, todos queriam participar. Afinal, estava ali Pete Seeger. E que outra oportunidade  haveria de voltar a cantar com ele? Nenhuma.

"Dessa noite ficou um bom disco (LP, mais tarde reeditado em CD) e um bom livro. E ficou a memória de uma noite de festa, ansiosa, febril, por algo indistinto a que poderíamos chamar futuro. E era já passado".

Recordar pete Seeger - 1 - :Biografia de Pete Seeger, por Mário Lopes (Público)


"Morreu Pete Seeger, o decano da folk americana

Por Mário Lopes 
"O autor de If I had a hammer, activista que atravessou todas as convulsões do século XX, morreu aos 94 anos em Nova Iorque.

"Pete Seeger, o decano da folk americana, o activista pelos direitos civis e pela ecologia, morreu de causas naturais, disse a família ao New York Times, na manhã de segunda-feira no Hospital Presbitariano em Nova Iorque, onde estava internado há seis dias. Tinha 94 anos.

"Um dos grandes responsáveis pela transmissão do conhecimento sobre a música de raiz americana aos seus compatriotas, autor de Turn turn turn, If i hada a hammer  e responsável pela popularização enquanto hino de We shall overcome, Pete Seeger atravessou todas as convulsões do século XX e as do início deste em que vivemos actualmente. Sempre presente. Como nota em obituário o Washington Post, cantou contra o terror de Hitler, nas décadas de 1930 e 40, opôs-se à utilização da energia nuclear, foi incluído na lista negra do McCarthismo na década de 1950, juntou-se, na década seguinte, aos movimentos pelos direitos cívicos liderados por Martin Luther King e aos protestos dos estudantes americanos na década de 1960, e, já nonagenário, fez questão de marcar presença nas mais recentes manifestações Occupy Wall Street: “Desconfiem dos grandes líderes”, declarou nesse contexto à Associated Press, em 2011. “Desejem que existam muitos, muitos pequenos líderes.”

"Companheiro de estrada de Woody Guthrie no início de carreira, com influência marcante na ascensão de uma figura chamada Bob Dylan (foi ele que o recomendou a John Hammond, que o contrataria para a editora Columbia), Pete Seeger era, como titula o obituário do Los Angeles Times, “a consciência da América”. Várias das suas canções foram alvo de diversas versões, muitas vezes com maior popularidade. Cantaram-no, por exemplo, Marlene Dietrich (em inglês, francês e alemão), Peter, Paul & Mary ou os Byrds. Em 2006 Bruce Springsteen dedicou-lhe um álbum inteiro, We Shall Overcome: The Pete Seeger Sessions.

"Nascido a 3 de Maio de 1919 em Manhattan, Nova Iorque, viveu uma vida longa e preenchida, activa até ao fim. “Ainda há dez dias estava a cortar lenha”, contou a sua neta, Kitama Cahill-Jackson, ao Washington Post. Deixa na memória colectiva a sua imagem imponente, o rosto adornado pela barba icónica e, a tiracolo, o banjo, instrumento pelo qual se apaixonou ainda muito jovem e que divulgou incansavelmente. Isso e, claro, a sua voz, arma poderosa contra a opressão, qualquer que fosse a forma que esta assumisse.

"A sua voz, incapaz já de atingir tom de tenor, pouco rico timbricamente, mas muito expressivo, que lhe ouvimos na juventude, continuava hoje a ser instigadora daquilo que Seeger via de mais precioso na música, a capacidade de reunir comunitariamente e de contribuir para a transformação do mundo. Nos concertos dos últimos tempos, limitava-se a lançar o início dos versos ao público e a deixar que este os completassem num coro de milhares – desejo de partilha que o público português pôde testemunhar, voz ainda intocada, em Dezembro de 1983, data do único concerto em Portugal de Pete Seeger, no Pavilhão dos Desportos.

Não por acaso, afirmava que as suas canções não eram verdadeiramente suas (fazia até questão de desvalorizar os seus talentos de compositor, afirmando que se limitava a adaptar velhas canções do cancioneiro do folclore e dos espirituais negros americanos). O seu forte sentimento comunitário, aliado a uma humildade desarmante, conduzia a afirmações como as dadas ao Guardian numa entrevista de 2007. 

"Comentando o álbum que Bruce Springsteen lhe dedicara, disse que preferia que o cantor de New Jersey não tivesse utilizado o seu nome na capa. “Sobrevivi todos estes anos mantendo um perfil discreto. Agora o meu disfarce foi desmascarado. Se tivesse sabido antecipadamente, ter-lhe-ia pedido que só mencionasse o meu nome algures no interior.” Depois, enfatizou novamente o seu papel reduzido enquanto compositor: “Aquelas não são as minhas canções, são velhas canções, eu limitei-me a cantá-las.” Exemplo máximo, We shall overcome, o hino da luta pelos direitos cívicos nos Estados Unidos, hino intemporal para qualquer luta de oprimidos perante a opressão, tem a sua génese na canção gospel I'll overcome someday, de Charles Albert Tindley. Em 1948 surge publicada no People's Song Bulletin, dirigido por Seeger, com o título We will overcome. A sua única contribuição, diria depois o cantor, seria uma pequena alteração prática: "shall" adequava-se melhor ao canto que "will". Ainda assim, apesar de Seeger procurar a discrição, essa não foi uma marca permanente na sua carreira.

"Filho de um musicólogo, Charles Louis Seeger, e de uma violinista, Constance de Clyver Edson, ambos professores na prestigiada Juilliard School, e enteado de uma compositora modernista, Ruth Crawford Seeger, segunda mulher do pai, Pete Seeger foi colega de John Kennedy enquanto estudante de Sociologia em Harvard, período em que se juntou à Juventude Comunista Americana. Desiludido com o percurso académico, teria os momentos definidores da sua vida quando, juntamente com o pai, viu uma velha cantora tocar o banjo de cinco cordas, que se tornaria o seu instrumento de eleição – usava um de braço longo, criado por si. “Gostei do tom vocal estridente dos cantores, da dança vigorosa”, recorda na biografia de David Dunaway, How Can I Keep From Singing, citado no obituário do New York Times. “As palavras das canções tinham todo o sangue da vida nelas. O seu humor era mordaz e não trivial. A sua tragédia era real, não sentimentalista.”

"Pouco antes de assistir na Carolina do Norte àquele festival, começara a trabalhar na Biblioteca do Congresso Americano, fazendo catalogação e transcrição da música tradicional recolhida em todo o país. Fora convidado por John Lomax, histórico folclorista e amigo próximo de Charles Seeger. Essa música passou a ser a sua música e foi perante ela que ele se definiu enquanto músico, autor e intérprete.

"Encontramo-lo então, no final dos anos 1940, enquanto membro dos Weavers, uma das bandas que se revelariam fundamentais no revivalismo folk com centro na Greenwich Village nova-iorquina (essa que os irmãos Cohen revisitam no recente A Propósito de Llewyn Davis). Durante o seu curto primeiro período de vida, os Weavers estiveram no topo das tabelas de vendas com uma versão de Goodnight Irene, original do mítico bluesman Leadbelly (que Seeger conhecera através de Lomax), e venderam em quatro anos cerca de quatro milhões de discos, números impressionantes para a época. Foi o momento de maior exposição mediática e sucesso comercial de Seeger, contrapondo com o breve período durante o início da Segunda Guerra Mundial em que percorrera os Estados Unidos à boleia ou saltando ilegalmente para os vagões de comboio, como o faziam os milhões de deserdados da Grande Depressão. Ganhava dinheiro  tocando o seu banjo em cafés a troco de gorjetas. Aprendera as melhores técnicas para o fazer com Woody Guthrie, que se tornaria seu mentor e companheiro.

"Tocaram juntos nos Almanac Singers, cantando canções antiguerra e anti-racismo e promovendo o poder sindical na luta por melhores condições de vida dos trabalhadores. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial acabaria com a banda. O fim da guerra traria o nascimento dos Weavers e a imagem inusitada de Pete Seeger no topo das tabelas de venda – “não consigo lembrar-me de um momento que ele sinta como menos importante na sua vida”, declarou Arlo Guthrie, filho de Woody, no concerto de celebração dos 90 anos de Seeger. A América em histeria anticomunista dos anos McCarthy não tardaria, porém, a voltar-se para ele.

"Abandonara o Partido Comunista em 1950, em conflito com o estalinismo, mas não o invocou em sua defesa perante a Comissão de Actividades Antiamericanas. Recusando-se a qualquer denúncia declarou perante ela, em 1955: “Sinto que não fiz nada de natureza conspirativa em toda a minha vida. Não vou responder a quaisquer questões relacionadas com as minhas filiações, as minhas crenças filosóficas, religiosas ou políticas, ou em quem votei nas últimas eleições, ou qualquer um desses temas da minha privacidade. Julgo ser muito imprópria colocar essas perguntas a um americano, especialmente neste contexto de coacção” – na supracitada reportagem do Guardian, o jornalista Edward Helmore conta que, ao subir ao palco de um pequeno clube em Beacon, a terra nas margens do rio Hudson em que viveu desde os anos 1940, se apresentou dizendo: “Ainda me considero um comunista falhado.”

"Condenado em 1961 a um ano na prisão, que não chegou a cumprir, foi colocado na lista negra, impedido de actuar na rádio e televisão e proscrito dos grandes palcos. Os Weavers terminaram (três dos quatro membros tinham enfrentado a comissão) e, no que é um aparente paradoxo, Pete Seeger entrou naqueles que considerou serem os melhores anos da sua vida. Passou a tocar apenas em universidades ou em pequenas associações locais. Adepto da máxima “pensa globalmente, age localmente”, revelou aos jovens estudantes a música americana que eles nem imaginavam existir e mostrou a todos os que o ouviam, dizia, que não era necessário entrar no jogo do comércio para viver em sociedade. Foi neste período que ouviu com atenção um jovem Bob Dylan, de quem se tornou conselheiro. E seria com Bob Dylan que viveria um episódio que entrou nos anais da história da música popular.

"Em 1965, Dylan apresentava-se novamente no Newport Folk Festival, de que Seeger fora em 1959 um dos fundadores. Momento histórico: pela primeira vez, a jovem esperança da folk, a “voz de uma geração”, surgia acompanhado de uma banda eléctrica. Conta a lenda que, irado com o seu protegido, que trocava a pureza acústica do folclore pela selvajaria gratuita e burguesa do rock’n’roll, terá pegado num machado e tentado cortar a fonte de alimentação do palco. Seeger e outras testemunhas viriam a negá-lo. Estava irritado, sim. Não com Dylan, mas com o técnico de som que afogara as palavras do cantor sob o volume da guitarra – e Seeger achava que era importante que o público ouvisse os versos de Maggie’s farm.

"Era difícil, de resto, imaginá-lo a tomar tal atitude. Se a guitarra de Woody Guthrie tinha inscrita no seu corpo “This machine kills fascists” (“Esta máquina mata fascistas”), no banjo de Seeger lia-se “This machine surrounds hate and forces it to surrender” (“Esta máquina cerca o ódio e força-o a render-se”). Firme nas suas convicções, corajoso na sua afronta ao poder, dono de uma coerência a toda a prova, Pete Seeger era um revolucionário humanista, crente no futuro – autor de música para crianças, afirmava que era impossível não acreditar no futuro quando cantava para elas.

"O homem que fora sentenciado pelo Estado americano, que erguera a sua voz com Martin Luther King e 200 mil pessoas na Marcha de Washington contra a ignomínia desse crime legalizado que era a segregação racial; ele que amante e estudioso da tradição americana se mantivera sempre aberto ao mundo (cantou Guantanamera, cantou canções republicanas da Guerra Civil de Espanha, transformou uma canção russa sobre cossacos partindo para a guerra em hino anti-Guerra do Vietname, Where have all the flowers gone), seria, já septuagenário, distinguido por Bill Clinton com a Medalha Nacional das Artes, a mais alta distinção que o Estado americano atribui aos seus artistas. Cinco anos depois, em 1999, Cuba concedeu-lhe homenagem semelhante, a medalha da Ordem Félix Varela, pelo seu “humanismo e trabalho  artístico em defesa do ambiente e contra o racismo”. A 18 de Janeiro de 2009, estava nas escadas do Memorial Lincoln cantando This land is your land, a canção do velho amigo Woody Guthrie, para o novo presidente americano, Barack Obama.

"Nada disso o alterou. Continuou a tocar regularmente nos pequenos clubes nas redondezas de sua casa, que construíra na década de 1940 com a mulher, Toshi-Aline Öta (morreu em 2013, a dias de festejar os 70 anos de casamento), e a participar em acções de intervenção social e de activismo ecológico, principalmente em defesa da despoluição do seu amado rio Hudson. O humor mantinha-se intacto. Os locais lembrar-se-ão dos autocolantes que distribuía com o slogan “Gravity – it’s just a theory” (“Gravidade – é apenas uma teoria”), encorajando a que os enviassem para alguém no Kansas, o estado criacionista por excelência.

“A chave para o futuro do mundo”, afirmava em 1994, “é encontrar as histórias optimistas e torná-las conhecidas.” Pete Seeger encontrou as histórias e cantou-as. No processo, pelo seu exemplo e atitude, tornou-se também ele parte da história. Essa. Com agá maiúsculo".