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segunda-feira, 11 de abril de 2016

O Respigo da Semana : "Offshores:não é uma questão fiscal, é uma questão de democracia", por José Pacheco Pereira


Offshores: não é uma questão fiscal, é uma questão de democracia

Por JOSÉ PACHECO PEREIRA in Público 09/04/2016

Se queremos salvar a democracia no século XXI, o problema do dinheiro anónimo, escondido, fugido e protegido algures é objectivamente mais dissolvente do que os tiros de uma Kalashnikov nas ruas de Bruxelas.

“Nas suas declarações sobre as revelações (mais confirmações do que revelações) dos chamados “Documentos do Panamá”, Marcelo Rebelo de Sousa foi ao âmago da questão quando disse que o problema dos offshores era um problema de democracia. E é.

“Os offshores são, antes de tudo, do crime, da lavagem de dinheiro, da fuga ao fisco, uma questão que significa para as democracias a perda de um princípio básico — o de que o poder político legitimado pelo voto e pelo primado da lei se sobrepõe ao poder económico. Por isso, tratar a questão dos offshores apenas como sendo de natureza fiscal e andar às voltas por aí é já um mau ponto de partida.

“A questão que muitas vezes é iludida é que não existe uma única razão económica sólida para que hajam offshores. Para que é que eles servem para a economia, para a produção, para o emprego, para a indústria, para o comércio, para o investimento limpo? Nada. Tudo aquilo para que os offshores servem é para esconder dinheiro e os seus proprietários, para esconder a origem do dinheiro, através de um conjunto de fachadas anónimas que depois vão desaguar aos grandes bancos sediados na Suíça ou em Londres.

“O que os políticos europeus dizem, quando confrontados com esta realidade, ou com os escândalos periódicos, como o actual com os documentos da Mossack Fonseca, é que não podem fazer nada e que o que podem fazer fazem. Por detrás desta declaração de impotência — eu estou a falar de políticos democráticos — está o retrato da captura ocorrida nas últimas décadas, e agravada pela crise de 2008, da política em democracia pelos interesses financeiros globais, pela banca, pelos “mercados”. Sim, porque uma das faces semivisíveis dos offshores são os biliões que circulam em fundos e outros tipo de operações financeiras e bancárias, a que nós chamamos os “mercados”, o Deus ex machina que faz mover os países como marionetas.

“Podem fazer alguma coisa? Podem fazer tudo. Repito: podem fazer tudo. E acrescento: mas não querem. Podem fazer tudo, mas não querem — esta é a frase que melhor resume o “problema para a democracia”. E não querem por dois motivos. Um de fraqueza política, — a maioria dos políticos europeus são gente frágil à frente de países fragilizados, uma combinação de que resulta uma imensa fraqueza para lidar com interesses poderosos, como são os que estão por detrás e pela frente dos offshores. O outro é a hegemonia nos partidos de direita, e em muitos socialistas subservientes, de uma mistura entre ideias sobre a economia, sobre o Estado, sobre as empresas, sobre a governação dos países, que corresponde ao “pensamento único” que tem presidido à política da Comissão Europeia, do Eurogrupo, aos partidos do PPE, e que tem levado a cabo a política de Schäuble e dos alemães e de alguns outros países seus aliados.

“Este segunda razão é do “podem, mas acham bem”, e essa aparece como de costume nos mais rudimentares defensores dos offshores que pululam na nossa direita mais radical, nos jornais, nos blogues e nas redes sociais. Eles são reveladores, porque têm a imprudência de dizer aquilo que os de cima da cadeia alimentar pensam, mas não podem dizer. E todos ficaram imensamente incomodados com os “Documentos do Panamá”, porque é “deles” e dos seus que os “documentos” falam. E correram logo a dizer que era uma questão com Putin e não com o capitalismo. Ou seja, os offshores são mais uma perversão do comunismo e do socialismo e dos “oligarcas”, como gostam de chamar aos poderosos do “outro lado”. E então é ler como os offshores são uma resposta à tirania fiscal dos Estados “socialistas”, ou uma digna resposta da liberdade económica do dinheiro e das empresas para fluir para todo o lado sem barreiras. Sem dúvida, admitem, que há crimes e lavagem de dinheiro, mas são pechas menores dos offshores. O essencial é que eles são mais uma manifestação normal da liberdade económica e da luta contra a prepotência dos Estados e das políticas “socialistas” dos altos impostos. Isto vem de quem fez o “enorme aumento de impostos”, retirou aos contribuintes qualquer protecção face aos abusos do fisco e só é “liberal” na bandeirinha da lapela. Pobre da “mão invisível” que foi possuída pela família Adams.

“Também nos offshores se verifica a escassíssima vontade dos políticos europeus, que tem à sua cabeça institucional o senhor Juncker, que tem no seu currículo ter feito enquanto primeiro--ministro do Luxemburgo todo o tipo de acordos ilegais, insisto, ilegais, à luz das regras europeias, destinadas a levar para o seu país empresas que aí encontravam um paraíso fiscal protegidas pelo segredo de Estado. Ou no caso do Reino Unido, em que dezenas de offshores estão em territórios sob soberania britânica.

“O problema como sempre é o dos alvos e dos intocáveis. Ou melhor: defender por todos os meios os “intocáveis” de serem tocados e impedir que os alvos deixem de ser alvos. O objectivo da política do “ajustamento”, policiada pelas instituições europeias sem estatuto democrático como o Eurogrupo, ou pelo FMI, em consonância com os “mercados”, foi proteger o sistema bancário, os “mercados”, o dinheiro que “flui” e, sem o dizer, no mesmo pacote vão os offshores “contra os quais nada se pode fazer”. E o melhor atestado de ineficácia da múltipla legislação europeia tão gabada nas suas intenções de dar “transparência” ao sistema financeiro e combater a corrupção é o que revelam estes “Documentos do Panamá” e muitas outras estimativas sérias: o dinheiro que vai para os offshores é cada vez mais. Ponto.

“A solução da questão dos offshores é simples, se tivermos vontade para a aplicar. E desconfiem de quem venha com muitas complexidades e complicações, é sempre mau sinal. Insisto, não é muito complicado: trata-se de comparar o dinheiro dos offshores com o dinheiro dos terroristas. Um rouba, em grande escala, Estados e povos, o outro mata. Um mata à fome em África, outro nas ruas de Paris ou em Nova Iorque. Um destrói economias, poupanças, classes médias criadas com muitos anos e esforços para progredir, outro escraviza povos e reduz a ruínas países já muito pobres. É uma comparação que admito ser excessiva, mas, se partirmos dela, talvez possamos compreender (ou não) por que razão aquilo que se admite em termos de recursos de investigação, penalizações duríssimas, confisco de bens do crime ou da droga, ou da corrupção ou da fuga ao fisco, e se aplica ao dinheiro do terrorismo, se pode aplicar ao dinheiro ilegal dos offshores. Ah! Já estou a ouvir em fundo: “Mas muito desse dinheiro é legal.” Ai é? Então, qual é o motivo por que em vez de estar inshore vai para os offshores?


“Deixem-se por isso de falsos espantos e falsas surpresas. Tudo o que está nos “Documentos do Panamá” não é novidade para ninguém. Como não é novidade para ninguém o discurso de “não se pode fazer nada”. Mas, se queremos salvar a democracia no século XXI, o problema do dinheiro anónimo, escondido, fugido e protegido algures numa caixa de correio humilde de uma casa nas Ilhas Caimão, ou num cacifo acolchoado de um luxuoso escritório de advogados no Panamá é objectivamente mais dissolvente do que os tiros de uma Kalashnikov nas ruas de Bruxelas. Faz-nos pior, porque os tiros são-nos exteriores, são do “inimigo”, e os biliões das Ilhas Virgens são de dentro, dos “amigos””.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Panama Papers : um exemplo dos tais "mercados" com que justificam a austeridade


O escândalo "Panama Papers" só pode surpreender pela dimensão e os incautos.´

Empresas de advogados como aquela que agora foi denunciada proliferam às centenas pelo mundo fora, muitas sediadas em offshores na própria União Europeia.

A Grã-Bretanha possui três ilhas que não pertencem à União Europeia exactamente para fugir a qualquer controle financeiro.

Recentemente tivemos a confirmação que o Luxemburgo é ele próprio uma “pátria” offshore, que durante anos andou a apoiar empresas para fugir ao fisco de outros países europeus, situação que aconteceu em governos de Juncker, premiado com a liderança da Comissão Europeia.

Outros países, como a Holanda, país de origem do impronunciável líder do Eurogrupo, faz o mesmo e, aqui há uns tempos atrás, também ficámos a saber que 19 das 20 empresas do PSI20 da bolsa portuguesa tinham empresas subsidiárias nesse país para fugirem ao pagamento de impostos em Portugal.

O que pode surpreender neste novo caso é a dimensão e, ao mesmo tempo, a informação selectiva que vai saindo a público.

É no mínimo estranho que não tenha aparecido, até agora, qualquer norte-americano envolvido, embora existam muitas explicações para isso, como o facto de, nos próprios Estados Unidos existirem offshores que oferecem melhores condições para escapar ao fisco do que as oferecidas por aquela empresa agora denunciada.

Este escândalo é apenas uma pequena ponta do iceberg desse mundo obscuro em que se move o sistema financeiro mundial.

Calcula-se que as empresas offshore lavam e escondem, em dinheiro, o dobro de todo o rendimento anual do conjunto dos países da União Europeia.

Claro que tudo é legal e que muitas personalidades envolvidas não são directamente citadas neste caso, recorrendo a testas de ferro ou a empresas fictícias.

Contudo, nada disto é eticamente aceitável, principalmente quando se vive numa situação de crise financeira mundial onde os únicos sacrificados são os que pagam os seus impostos e os que trabalham.

Muitos dos advogados, políticos e “Ceos” envolvidos nessas empresas são aqueles que passam a vida na comunicação social, com o colaboracionismo vergonhoso desta, a debitar discursos em defesa da austeridade, da redução de salários e pensões e da redução do Estado Social , em nome da defesa dos “mercados”, os tais mercados que vivem à sombra desses offshores.

Mais escandaloso ainda é ver os defensores deste sistema financeiro e deste “mercado”, ao mesmo tempo que defendem a livre circulação financeira,  preocupados em encerrar as fronteiras para impedir a livre circulação de pessoas que fogem à guerra e à miséria, guerra e miséria fomentada pelos obscuros negócios que se fazem à sombra dessas offshores.

Espero que esta revelação, não sendo nova nem surpreendente, leve os cidadãos a reagir e a exigir o fim e a ilegalização desse tipo de offshores e o julgamento de todos os envolvidos.

A propósito desse tema, deixo em baixo a transcrição da crónica de José Vitor Malheiros publicada na edição de hoje do jornal “Público”:

"Os impostos são só para os trabalhadores e para os pobres

"Esta fuga de informação diz respeito apenas a UMA empresa de advogados, com sede no Panamá, a Mossack Fonseca. Muitas outras do mesmo tipo existem no mundo.
  • O escândalo revelado pelos Panama Papers não constitui uma surpresa. Há décadas que sabemos que as coisas se passam assim.

  • "Sabemos que existem paraísos fiscais que proporcionam este tipo de serviços – muitos deles no seio da própria União Europeia, apesar do hipócrita discurso moralista dos seus dirigentes. 

  • "Sabemos que esses paraísos fiscais servem apenas para criar e albergar empresas fictícias onde pode ser parqueado dinheiro de origem clandestina ou criminosa. 

  • "Sabemos que essas empresas são criadas e geridas por advogados e consultores fiscais que trabalham em gabinetes que gozam dos favores dos poderes. 

  • "Sabemos que as pessoas que recorrem a estes paraísos fiscais desejam esconder dinheiro oriundo de negócios sujos, ter acesso a dinheiro cuja origem não possa ser localizada para financiar actividades ilegais e, acima de tudo, não pagar impostos em país algum. 

  • "Sabemos que entre as pessoas que usam estes paraísos fiscais que financiam o crime e que defraudam os estados se encontram figuras poderosas dos negócios e da política que costumamos ver nos telejornais a debitar discursos sobre moral e justiça, a defender o primado da lei ou a apresentar-se como exemplos de empreendedorismo. 

  • "Sabemos que muitos destes paraísos fiscais são entidades legais, que albergam empresas cuja criação é legal e cuja actividade é legal – mas isso apenas é assim porque os legisladores nacionais e internacionais ou se abstêm de legislar sobre estes espaços invocando a inutilidade de legislação que não seja aplicada ao nível planetário ou porque têm o cuidado de deixar na lei os alçapões necessários para proteger os prevaricadores que serão um dia seus clientes ou patrões. 

  • "Sabemos que este mesmo dinheiro que se encontra nos paraísos fiscais é dinheiro que foi roubado à economia, ao erário público, aos contribuintes e que, se houvesse um combate decidido contra esta evasão fiscal, muitos dos problemas sociais que afectam o mundo poderiam ser resolvidos e muitos dos conflitos poderiam ser evitados. 

  • "Sabemos que a actividade desses paraísos fiscais não se faz sem a cumplicidade dos bancos, já que é a partir deles, através deles e para eles que o dinheiro acaba sempre por fluir. 

  • "Sabemos que os paraísos fiscais, mesmo quando não são ilegais, são imorais e ilegítimos e promovem a desigualdade, a pobreza, o crime organizado, a corrupção, as ditaduras e as guerras, sendo como são espaços impenetráveis ao escrutínio dos cidadãos.

  • "Sabemos tudo isso. Sempre soubemos tudo isso. Há milhares de indícios que apontam nestas direcções e que sabemos que são minúsculas pontas de um gigantesco iceberg.

  • "A diferença é que agora – graças a uma fuga de informação de um denunciante não identificado, ao trabalho do diário alemão Süddeutsche Zeitung, do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) e de 378 jornalistas de 107 meios de comunicação de 77 países – temos uma extensa lista de nomes de pessoas e de empresas e milhões de documentos que podem ajudar a provar a ilicitude de algumas dessas transacções e a denunciar (e a condenar?) alguns dos seus autores.

  • "A massa de informações contida nesta fuga dá-nos uma noção da dimensão mundial da fraude em que vivemos e do número de “personalidades” (na política, nos negócios, no desporto, no crime organizado) que não só fogem impunemente aos impostos como conseguem esconder a sua riqueza para esconder os seus crimes. É conveniente ter em conta que esta fuga, com os seus terabytes de dados, diz respeito apenas a UMA empresa de advogados com sede no Panamá, a Mossack Fonseca, e que muitas outras do mesmo tipo existem no mundo.

  • "O facto que esta fuga de informação põe em evidência é algo que a esmagadora maioria dos cidadãos continua a não querer ver: o facto de as leis serem aplicadas à massa de cidadãos trabalhadores, os cidadãos com menos rendimentos ou mesmo declaradamente pobres, que são obrigados a pagar os seus impostos, mas poupando ilegitimamente os mais poderosos, uma minoria de pessoas que detém quase toda a riqueza do mundo e que consegue viver à custa do sacrifício de todos os outros, comprando Lamborghinis com o dinheiro que não pagaram em impostos e que deveria ter sido usado para aliviar a pobreza, a fome e a doença. O sistema impõe regras aos mais pobres e permite todas as batotas aos mais ricos.

  • "Esta é uma iniquidade moralmente intolerável e socialmente destruidora. Mas tem sido tolerada por legisladores, governantes e até pelos cidadãos eleitores, que aceitam com bonomia que um homem como Jean-Claude Juncker, cujo governo ajudou a transformar o Luxemburgo numa estância de evasão fiscal (como a LuxLeaks, uma outra fuga de informações, mostrou), seja, para nossa vergonha, presidente da Comissão Europeia.

  • "Esperemos os próximos capítulos deste escândalo e esperemos os nomes dos políticos ocidentais e portugueses, que não deixarão certamente de vir à superfície. Depois, iremos deixar os paraísos fiscais na mesma, como temos feito até aqui?"