Pesquisar neste blogue

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

“Democracia de Baixa Intensidade”


Ontem, um dos nossos comentadores mais lúcidos, José Vitor Malheiros, usou um termo que costumamos ver aplicado noutros contextos, o da guerra e o das ditaduras :“Democracia de Baixa Intensidade”.
Costuma-se utilizar a expressão “guerra de baixa intensidade” como referência a conflitos militares latentes, esporádicos, pouco intensos, muitas vezes meras escaramuças, “descontinuados”, distinguindo-se dos grandes conflitos de escala mundial ou regional, mais mortíferos e destrutivos.
Também podemos usar a mesma classificação para as ditaduras, as históricas e as actuais. Até certo ponto podemos classificar a ditadura salazarista como tendo sido de “baixa intensidade”, comparativamente como outras ditaduras da mesma família política, como o fascismo italiano, o nazismo ou o “franquismo”.
Também podemos usar essa classificação de “ditadura de baixa intensidade” para ditaduras de sinal contrário, como a cubana, se a compararmos com o estalinismo dos anos 30, o maoismo ou a ditadura norte-coreana.
Para quem sofre na pele a destruição das guerras ou a perseguição das ditaduras, sejam elas de “alta” ou “baixa” intensidade, essa classificação não fará qualquer sentido.
Invertendo uma frase popularizada, segundo a qual quem salva uma vida salva a humanidade, também, podemos afirmar que quem persegue ou mata, uma pessoa que seja, persegue e mata toda a humanidade.
Nas actuais circunstâncias parece-me pertinente a classificação de Vitor Malheiros, pois vivemos de facto uma era em que a democracia se transformou num mero pró-forma “legitimador” à qual muitos regimes autoritários e até algumas ditaduras recorrem com cada vez mais frequência. E convém até recordar que Hitler chegou ao poder por via eleitoral e que o próprio Salazar realizou regularmente as suas “eleições”, que ele considerava “tão livres como na livre Inglaterra” (sic!!!!).
O próprio comportamento das Instituições políticas europeias, todas elas (excluindo o caso do Parlamento Europeu), sem legitimidade democrática, muito têm contribuído para enfraquecer a democracia, impondo medidas ao arrepio das escolhas políticas dos cidadãos, desrespeitando decisões de governos legítimos, humilhando mesmo os povos que escolhem rumos diferentes do “austeritarismo”, apenas para favorecer um voraz e corrupto sector financeiro.
Como afirma Malheiros, a “triste verdade é que as democracias de baixa intensidade em que vivemos não possuem mecanismos que nos permitam a nós, ao povo soberano, exigir uma acção determinada mesmo quando se trata de urgências humanitárias”.
Os três pilares da democracia, “Igualdade, Fraternidade (= a solidariedade e bem estar) e Liberdade” têm vindo todos a ser arruinados pelas actuais oligarquias que se apoderaram do projecto europeu para o minarem por dentro, contra os cidadãos e o humanismo, absorvendo a agenda da extrema-direita xenófoba, da direita radical neoliberal e dos obscuros interesses financeiros, fazendo da democracia uma mera formalidade retórica.
Referindo-se à situação na Síria, mas que também podia ser aplicada à situação social e económica da Europa democrática, Malheiros classifica a nossa impotência como contrária à democracia, concluindo que essa “impotência diz-nos que nenhum poder efectivo reside no povo” e que, uma “das grandes tarefas à nossa frente é impedir que a democracia se transforme para sempre no regime da impotência dos homens e mulheres de boa vontade”.
Essa é a nossa árdua tarefa, num ano ameaçador que se avizinha.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O Regresso dos “Sacanas sem lei”



Não se pode falar propriamente de regresso, porque eles sempre têm andado por aí e este ano tem sido fértil na sua disseminação. Mas ao longo deste mês , o último de um ano trágico, eles têm voltado a ocupar, quer as primeiras páginas dos jornais, quer, noutros casos, o silêncio conveniente da mesma comunicação social.

Mas vamos a eles:

Por cá os representantes patronais têm-se comportado de modo miserável na concertação social, usando todas as munições da chantagem ao seu alcance para travarem um mísero aumento do salário mínimo (já por AQUI demonstrámos que qualquer ordenado inferior a 700 euros é um autêntico roubo…).

Essa posição está em linha com o comportamento da “sacanagem” do politburo de Bruxelas (Comissão Europeia, Eurogrupo, Eurofin, BCE….) em relação à Grécia. Depois de terem imposto um programa de austeridade que lançou 1/3 dos gregos para a miséria, resolveram elevar o nível de chantagem sobre aquele país, talvez como aviso ao resto da Europa, suspendendo as medidas de alívio da dívida, a propósito de duas medidas propostas no orçamento da Grécia. E quais são essas medidas? Pasme-se: restaurar o 13º mês para os reformados com pensões até os …615 euros, e adiar a subida do IVA nas ilhas do Mar Egeu que têm recebido os milhares de refugiados que fogem das guerras do Norte se África e do Médio Oriente. Aliás, esta última medida está em linha com toda a hipocrisia do politburo de Bruxelas em relação à situação dos refugiados que resultaram de conflitos alimentados, por omissão, irresponsabilidade ou intervenção de faco,  pela própria União Europeia (Iraque, Líbia, Síria, Egipto…).

Uma das organizações da troika que mais se tem empenhado na chantagem sobre a Grécia é o FMI, a mesma organização liderada por uma, sabe-se agora,  criminosa, condenada em França por, no mínimo, ter sido negligente num negócio que custou aos contribuintes franceses 400 milhões de euros, sendo contudo “perdoada” de cumprir pena de até um ano de prisão, apenas porque lidera aquela organização, a principal responsável pelo desastroso programa de austeridade na Grécia e noutros países da Europa.

Mas o ano que agora se aproxima arrisca-se a ser o ano dos “grandes sacanas sem lei”, com a Russia liderada por um homem com Putin, a Turquia com Erdogan, e, acima de todos, os Estados Unidos com a liderança de um Trump, secundados por uma enxame de “pequenos” mas perigosos “sacaninhas” (Orban na Hungria, Kacynski na Polónia, Maduro na Venezuela, Eduardo dos Santos em Angola, Assad na Síria, Duterte nas Filipinas, Kim Jong-un na Coreia do Norte, sem esquecer governos como o neo-fascista da Ucrânia ou os radicais e extremistas e/ou ditatoriais  de Israel, da Arábia Saudita,  da China,  do Egipto,  do Irão…). E a situação do próximo ano arrisca-se a ficar ainda pior, podendo acrescentar mais alguns “sacaninhas” à lista, com LePen em França à cabeça, e outros candidatos a “sacanas” do próximo ano nos países nórdicos e do leste e na própria Alemanha…

Mas o candidato mais provável a “super-sacana”, a pairar perigosamente sobre todos, é Donald Trump, que tem vindo a indicadr como seus “empregados” e conselheiros numa futura administração: um tal Bannon, responsável por um site de notícias falsas da extrema-direita, para conselheiro principal do presidente; um tal Flynn, general reformado, com negócios com Putin e Erdogan, para conselheiro da segurança nacional; um tal Tillerson, presidente de uma petrolífera, amigo de Putin, como secretário de estado; um tal general “Mad Dog” Mattis, defensor de um ataque armado ao Irão, um falcão do aparelho militar norte-americano, como secretário da Defesa e líder do Pentágono; um tal Session, racista declarado, que odeia imigrantes , para Procurador-Geral; um tal Steve Mnuchin, oriundo da “máfia” das Finanças, a Goldman Sachs, para secretário do tesouro; um tal Puzder, dono de uma cadeia de fast-food conhecida por violar legislação laboral e por tratar mal os seus trabalhadores, para secretário do Trabalho; um tal Carson, que defende a eliminação de verbas para os programas socias, para secretário da habitação; um tal Perry, que defende o total desregulamento da actividade petrolífera e defensor da energia nuclear, para secretário da energia; um tal Friedman , defensor da política agressiva do governo de Israel contra os palestinianos e da construção de mais colonatos judaicos na Cijordânia, para embaixador em Israel. Por último, a cereja no cimo do bolo,um tal Pruitt, um céptico das alterações climatéricas e critico de medidas de defesa ambiental tomadas por governos anteriores, para administrar a agência de protecção ambiental.

De facto, o ano que se aproxima anuncia-se como terreno fortemente competitivo para todo o tipo de “sacanas sem lei”…( e não falámos do ISIS, dos fanáticos “rebeldes” anti-Assad, da Al-Quaeda…mas esses estão par além da sacanisse, são bandidos e criminosos a soldo de muitos daqueles “sacanas” acima nomeados…)

 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O Respigo da Semana - "A Histeria das Classificações" por Pacheco Pereira



A histeria das classificações
Por José Pacheco Pereira

In revista  Sábado, 15 de Dezembro de 2016
“Existe hoje, como sinal do reducionismo e simplismo que vai crescendo na vida política portuguesa, uma verdadeira histeria das classificações. A morte de Fidel foi disso um bom exemplo, com metade do mundo a acusar quem não dizia que ele era "ditador" de ser conivente com todas as ditaduras, e a outra metade indignada com o modo como Fidel era equiparado a Pinochet e mesmo a Salazar. Depois vinha outra habitual palermice a que estamos cada vez mais habituados, a medida das ditaduras pelo número de mortos que tinham causado, uma boa maneira de atirar Fidel ao fundo, e de reabilitar a ditadura soft de Salazar. O número de mortos conta certamente para não metermos tudo no mesmo saco, e aí Hitler e Estaline são a primeira divisão, mas a contabilidade exige outros critérios, que são históricos e políticos. Por exemplo, na contabilidade de Salazar incluímos os mortos pela PIDE, ou em manifestações, mas excluímos os mortos da guerra colonial. Deixemos essa sinistra contabilidade que pouco nos diz sobre a natureza das personalidades e dos regimes, a não ser que são, regra geral pouco amigos da vida humana.

“Voltemos a Fidel. Fidel foi várias coisas; um combatente contra a ditadura de Batista e a corrupção da máfia, do jogo e da prostituição que faziam de Cuba o entreposto daquilo que o moralismo americano não queria no seu território; foi, num jogo perigoso que ele jogou plenamente, "empurrado" pelos americanos para os braços geopolíticos da URSS; passou de proponente de uma via diferente de fazer a revolução, que competia com o comunismo soviético e o chinês, para um dos mais ortodoxos apoiantes da URSS, sendo um dos primeiros, com Cunhal, a apoiar a invasão da Checoslováquia; moldou, como aconteceu também em África, o sistema de partido único a uma variante de "comunismo cubano" que implicou desalojar os velhos comunistas para o exílio nos países do Pacto de Varsóvia e substituí-los pela elite que vinha da guerrilha; conheceu conspirações americanas e tentativas de assassinato contínuas e também algumas conspirações soviéticas, e acabou órfão do poder soviético quando este ruiu em 1989. O regime cubano permaneceu num país pobre, com algumas e relevantes conquistas sociais, mas encurralado no seu futuro a que apenas Obama mostrou uma alternativa, que Trump vai querer fechar.

“Os americanos ajudaram, com uma política incentivada pelos exilados cubanos contra-revolucionários, a isolar Cuba e a consolidar o regime castrista, os russos davam -lhe petróleo enquanto puderam mas exigiam disciplina naquilo que eram os seus interesses mundiais. Fidel pelo meio ia sobrevivendo assente numa repressão que conheceu diferentes fases, mas que era sempre muito dura. Sim, Fidel foi um ditador, havia uma polícia política, prisões e execuções, praticamente até à véspera da sua retirada por doença, com o processo do general Arnaldo Ochoa como estertor final. Os Papas e Obama, alguns dirigentes latino-americanos que desafiaram o boicote americano e alguns países europeus que tinham relações históricas com Cuba, como Espanha, funcionaram como moderadores do regime com algum sucesso, mas Cuba não é uma democracia e os seus dirigentes são um misto de nostalgia guerrilheirista e de aparelhismo burocrático à soviética.

“Porém, no exterior, as "imagens" de Cuba e de Fidel traduziam as sucessivas contradições da sua história e a fixação revolucionária em Fidel e Che, permitia a gerações de órfãos de qualquer revolução aí procurar um modelo diferente. Na verdade, numa procura de legitimidade romântica, que era simbólica, mas não histórica e muitas vezes despolitizada. Que o digam os múltiplos dirigentes da direita portuguesa que foram ao beija-mão de Fidel quando este esteve recentemente em Portugal, ou mesmo o Presidente da República que foi a Cuba para ter uma photo opportunity com Fidel. Surpreendentemente não ouvi os que agora gritam por "ditador" criticar essa viagem e o encontro.

“Mas hoje só se percebe as multidões nas ruas de Cuba – e nem tudo é encenado – se tivermos em conta que, com a evolução da história, Fidel é visto cada vez mais como um nacionalista cubano e menos como um dirigente comunista. Estas mutações ocorrem na história várias vezes, e nem apagam o passado, nem deixam de ter significado no presente. Para os cubanos que conheceram a colonização espanhola, a "libertação" pelos americanos, depois a subjugação por uma aliança muito comum na América Latina entre os interesses económicos americanos e os ditadores locais, e que se sentem afrontados pelo longo embargo dos EUA, que vivem perigosamente perto do maior poder mundial, o nacionalismo é identitário. Como estamos numa Europa que acha que a identidade nacional acabou – está muito enganada –, nem sempre percebemos estes fenómenos, que a histeria das classificações coloca fora do lugar”.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Walt Disney morreu há 50 anos

BêDêZine: Walt Disney morreu há 50 anos: Passam hoje 50 anos sobre a morte de Walt Disney. Aqui recordamos alguns aspectos da vida e obra do conhecido realizador de cinema de animação e de banda desenhada (clicar para ler).

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

"JE SUIS" ALEPO...mas também sou Mossul,sou Palmira, sou.....


Apesar de não existirem notícias de fontes independentes sobre a batalha pela libertação de Alepo, não há duvida que esta cidade se tornou um símbolo (mais um…) do sofrimento humano.
De quem é a culpa? Do regime ditatorial Sírio e da Rússia que não olham a meios nem a alvos para controlarem a cidade mártir? Dos terroristas apoiados pelo ocidente que fazem as populações reféns das suas atrocidade?
 
Para isto não tenho resposta.
O que eu sei é que aquela população tem sofrido o que é humanamente insuportável, entalada entre os cegos bombardeamentos dos canhões do regime e da aviação russa e as atrocidades dos terroristas apoiados pelo ocidente e pela Turquia.
O que eu sei é que vejo imagens (manipuladas?) de alegria dos habitantes que fogem para o lado da cidade controlada pelo exército sírio, enquanto outros fogem em desespero para território controlado pelos terroristas associados à Al  Qaeda ou ao Daesh.
O que eu sei é que este é o trágico resultado da desastrosa “primavera árabe” e da tentativa de “exportar a democracia” para países como o Iraque, a Síria ou a Líbia, como se a democracia se construísse com guerras e invasões ou apoiando militarmente “oposições” formadas por fanáticos e não na vontade das populações que as sofrem no terreno.
 
O que eu sei é que existem dois pesos duas medidas e as forças apoiadas por Assad, pelo Irão ou pela Rússia são justamente condenados pelas atrocidades cometidas, mas as forças apoiadas pela  Arábia Saudita, pela Turquia e pelos Estados Unidos podem cometer as mesmas atrocidades, naquela ou noutras cidades do Médio Oriente ou do Norte de Africa, e são elogiadas porque  são combatentes da “liberdade” e da “democracia” .
Eu sou Alepo…mas também sou Palmira, também sou Mossul, também sou Tripoli, também  sou Cairo, também sou Damasco, e.... também sou……….humanidade!!!!!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Charles Aznavour e a Piscina do Vimeiro

Nada como uma canção ou um musico para nos avivar a memória e viajar no tempo.
Quando, há alguns meses atrás, vi na televisão o anuncio televisivo do concerto de Charles Aznavour em Portugal, que teve lugar no passado Sábado no Meo Arena, dois pensamentos me ocorrerem, o primeiro de espanto, pois pensava que Aznavour já não era vivo, muito menos que ainda dava espectáculos, o segundo levou-me à infância e às tardes de verão na piscina do Vimeiro, na Maceira.
De facto, não posso recordar esses dias de verão passados à beira da piscina do Vimeiro, localizada na Maceira, sem os associar ás canções de Aznavour, que se repetiam até à exaustão, como fundo musical que animava aquele espaço.
Nessa altura, nos idos dos anos 60 do século passado, a rádio era o principal meio de comunicação que nos acompanhava durante o dia, pois a televisão, dando ainda os primeiros passos em Portugal, apenas iniciava as suas emissões no final da tarde, encerrando à meia-noite.
E na rádio de então, para além da musica portuguesa, entre o fado e a chamada musica ligeira e romântica, apelidada também, com algumas injustiças, de nacional cançonetismo, apenas se ouviam canções espanholas, italianas e francesa. Os temas em inglês eram raros, quanto muito  um Frank Sinatra,  um Louis Armstrong ou algum tem de filme famoso.
Entre os músicos franceses mais divulgados estava o nosso Aznavour. Pessoalmente nunca foi dos meus autores franceses preferidos, e só me recordaria dele depois de citar um Reggiani, um Férre, uma Piaf ou um Brel.
Mas são dele algumas das canções que mais me ficaram no ouvido, muito por culpa do ambiente musical que passava repetidamente na piscina do Vimeiro, que eu frequentava regularmente no Verão.
O meu pai era amigo do “Ferreira do Vimeiro”, que era, como se diria hoje, o “CEO” da Empresa das àguas do Vimeiro que geria também as piscinas na Maceira e o Hotel Golf Mar em Porto Novo.
Aliás, as àguas do Vimeiro e as suas piscinas não se localizam no Vimeiro, uma aldeia do concelho da Lourinhã, mas  na aldeia vizinha da Maceira, pertencente já ao concelho de Torres Vedras.
A escolha do nome “Vimeiro” foi uma questão de marketing, por causa da célebre batalha das Invasões Francesas.
Voltando ao “sr. Ferreira”, este oferecia ao meu pai e à sua família, durante o verão, entradas grátis na piscina, que eu me lembro de frequentar desde muito pequeno. Penso, aliás, que foi lá que aprendi a nadar.
A viagem de Torres Vedras era uma aventura, nas camionetas do “João Henriques”, outras vezes era uma aventura, num dos coupés do “sr. Ferreira” que muitas vezes era quem me levava ao “Vimeiro”.
O “Ferreira do Vimeiro”, era um homem bonacheirão, que, para além de ser um grande amigo do meu pai, homem da oposição e fumador impulsivo de pequenas cigarretes pretas de cheiro intenso e de cachimbo, era um entusiasta por livros e possui a maior biblioteca privada do concelho, pelo menos a maior que eu conheci, numa escritório imenso, em forma circular, com vários andares e com estantes rodeadas de varandins na sua imensa vivenda do Amial, perto do Ramalhal.
Essa biblioteca, bem como todos os elementos da sua família, tiveram destinos trágicos depois da sua morte, mas isso é outra história, que se confunde com rumores sobre a sua vida de juventude, ligada ao vício pelo jogo, que teria destruído a fortuna da família, e a sua paixão por mulheres.
Quando o conheci já era um homem que se tinha refeito desse passado e , como braço direito dos donos das àguas do Vimeiro, ganhava bem para a época, investindo muito em livros e em carros, bem como nas amizades que cultivava.
Tudo isto a propósito de Aznavour e das suas canções que se faziam ouvir até à exaustão durante os dias de verão na piscina do “Vimeiro”.
Anos mais tarde, depois da morte do meu pai, o “sr. Ferreira” deu-me um emprego sazonal, durante a época de verão da piscina do Vimeiro, em 1976, como forma de apoiar economicamente a minha família numa fase complicada.
A minha função era a de vigilante/salva-vidas, embora não houvesse muito para salvar naquelas piscinas. Por vezes ficava na bilheteira a substituir o velho porteiro, e era esse o momento mais esperado pelos míudos que estavam hospedados numa espécie de campo para “retornados”, pois eu facilitava-lhes a entrada. Mas, também nessa altura cabia-me a função de por a musica ambiente na piscina e foi então que descobri a razão de só se ouvir Aznavour.
É que só havia uma velha cacete, um cartucho maior que as cassetes vulgares de então, que reunia os êxitos de Aznavour. Claro que tentei alterar a situação, colocando musica rock, mas sem êxito, devido às queixas dos mais velho que frequentavam a piscina.
Então lá tive de repor o velho Aznavour, e, desde então até hoje, nunca mais o ouvi, pelo menos com a frequência de então.
Não sei se foi o "sr. Ferreira" que comprou aquela cassete para passar no circuito sonoro da piscina, mas se o fez, quero acreditar que o fez  porque aquelas cancões lhe recordavam os seus tempos de jovem boémio.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Na morte de John Glenn e Greg Lake: Dois icones da minha geração


Pertenço à geração que viveu a infância e o princípio da juventude a assistir a dois grande acontecimentos: o inicio da conquista do Espaço e o nascimento do rock.
 
Não deixa por isso de ser irónico que tenham morrido, praticamente em simultâneo, dois dos ícones dessas duas realidades, o astronauta John Glenn e o baixista e vocalista Greg Lake.
 
John Glenn foi o primeiro astronauta norte-americano a fazer um voo orbital à volta da Terra, em 1962, e morreu na passada 5ª feira com 95 anos.
 
Greg Lake, que faleceu um dia antes do astronauta, aos 69 anos,  foi membro dos King Krimson, em 1968 e fundou, no início dos anos 70, os Emerson, Lake &Palmer, bandas que estiveram na origem do chamado rock progressivo que tornou famosas bandas como os Pink Floyd, os Yes ou os Gentle Giant.
 
Ao tomar conhecimento destas duas mortes quase em simultâneo, dei-me conta de que pertenço a uma geração privilegiada que assistiu às primeiras viagens do homem ao espaço, que viu em directo a chegada do homem à Lua (feito que é apenas um facto história para quem tem menos de 50 anos), ao mesmo tempo que acompanhou o nascimento e evolução do rock.
 
Duas realidades que povoaram o imaginário e o crescimento de uma geração que hoje chega à idade da reforma, tempos heroicos de descoberta, inovação e criatividade.
 
Duas realidade que por vezes se tocaram, não sendo de estranhar que o álbum mais famoso do género iniciado por Lake se intitule "The Dark Side of the Moon" (dos Pink Floyd)
 
Não sendo um nostálgico, não deixo de sentir que muitas das referências do mundo em que cresci começam a desaparecer a um ritmo vertiginoso.
 
Não será o fim do "meu" mundo, mas não deixa de ser o inicio do fim de um "mundo" em que cresci, aprendi e vivi...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

A propósito do PISA :Parabéns Colegas Professores


Não sou adepto de rankings ou de generalizações estatísticas, coisas bem diferente da análise séria e científica de dados estatísticos.
Transformar estatísticas e rankings em concursos de misses é uma das práticas a que se costumam dedicar jornalistas, comentadores e políticos.
Por isso olho para dados como os da OCDE, como os célebres PISA, com desconfiança, não negando que tenham por base um cuidado trabalho científico, mas que se prestam a generalizações demagógica e apressadas.
Mas, mesmo assim, penso que o que há a reter dos relatórios PISA agora divulgados é que Portugal passou da cauda dessa estatística educativa, onde se encontrava há 16 anos, para o topo, em  todas as áreas e de forma continuada.
Se isso revela alguma coisa é o resultado um trabalho continuado dos professores junto dos seus alunos, contra ventos e marés e apesar de ministros como Maria de Lurdes Rodrigues ou Nuno Crato ,que tão mal trataram essa classe profissional, acolitados por um bando de comentadores identificados e de políticos oportunistas que andaram a tentar destruir a reputação desses profissionais.
É caso para dizer, com orgulho, pois também pertenci à equipa até há dois anos, parabéns colegas professores!!!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O referendo italiano e a União Europeia: PIm-PAM-PUM, cada bola “mata” um!!!


 
 
É assim que devemos encarar mais uma estrondosa derrota eleitoral para o politburo de Bruxelas, desta vez em Itália.

Qualquer referendo ou eleição que seja apresentada como o de se decidir a favor ou contra a União Europeia, representa sempre uma derrota, sempre mais avassaladora que a anterior, para os cegos burocratas de Bruxelas.

Os cidadão europeus revelam assim  todo o seu asco pelo politburo antidemocrático que rege os actuais destinos da União Europeia e que apenas nos oferece austeridade, austeridade e mais austeridade..

Mesmo sem olhar para as consequências, os cidadãos europeus rejeitam tudo o que cheire a “Bruxelas”, mesmo que, como acontecia com o referendo em Itália, até estivessem em causa decisões justas e fundamentais para renovar o panorama político local.

O desastre só não se repetiu na Áustria porque aí estavam em causa valores mais profundas e, diga-se em abono da verdade, o candidato que se apresentava como alternativa ao candidato de um partido assumidamente nazi era um candidato de esquerda, que não vinha do velho centrão e que demonstra que é possível defender o projecto Europeu com um projecto alternativo ao neoliberalismo e à austeridade…mesmo assim não é caso para festejar, já que, naquele país, a extrema-direita já é o partido maioritário…

Enquanto o politburo de Bruxelas continuar a  reger-se pela agenda neoliberal de defender a austeridade, o sector financeiro e o euro contra os cidadãos, os seus direitos e o Estado Social, vamos a continuara a assistir ao avanço da extrema-direita populista e à derrota de qualquer projecto de “reforma estrutural”, mesmo desafiando a racionalidade das decisões, como aconteceu na Grã-Bretanha e agora na Itália…

…continuem pois cegos, surdos e mudos…e vão ver onde tudo isto vai parar…

Morreu Golib.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O regresso dos Rolling Stones

Acaba de ser editado hoje o mais recente trabalho dos Rolling Stones (ver mais informações AQUI).
Por aquilo que já consegui ouvir, este álbum, feito de covers de famosos temas da história do Blues, é um regresso às origens e é já um dos melhores álbuns de toda a história dos Stones.
Os "velhotes" não param de nos surpreender..

Uma Praça no “centro” de Torres Vedras

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Yann Arthus-Bertrand, o fotógrafo da humanidade

A televisão pública portuguesa tem vindo a exibir às segundas-feiras uma fabulosa série sobre a humanidade e as suas preocupações, exactamente intitulada “Humanos”.
O seu realizador é o fotógrafo parisiense de 70 anos YannArthus-Bertrand.
Fabulosas imagens aéreas da natureza e da acção do homem sobre a natureza têm marcado a sua actividade como fotógrafo, tendo já publicado, sobre o tema cerca de 60 livros, para além de ser um colaborador frequente da National Geographic.
AQUI podemos ver algumas dessas fotografias.
Yann tem-se dedicado igualmente ao cinema documental, realizando, entre outros, o filme “Home”, em 2009, uma alegoria à nossa Terra e um documento em defesa da sua preservação.
 
 
Mas é com esta fabulosa série, “Human”, de 2015, que presta um notável sentido cívico, mais um, à própria humanidade.
“Humanos” é um testemunho impressionante sobre a nossa época, baseado na recolha de mais de duas mil entrevistas recolhidas em 65 países.
Numa época em que se assiste ao crescimento preocupante da desumanidade e do desrespeito pelos mais elementares direitos humanos, esta é uma série que devia ser de exibição obrigatória nas escolas e junto das elites que governam o destino da humanidade.
Em baixo reproduzimos partes desse documentário, sem legendas, disponível no Youtube, alertando para a urgência de todos verem essa série.
De certeza que, depois de  vermos, vamos olhar com outros olhos para o nosso mundo

 


 

VOL 1

VOL 2

VOL 3

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Recordando "Quim e Manecas", famosa série de BD portuguesa

BêDêZine: Recordando "Quim e Manecas", a famosa série de BD ...: Para quem não viu a reportagem da RTP 2 sobre a mais famosa série de BD portuguesa "Quim e Manecas", criada por Stuart Carvalhais, pode ler  a reportagem clicando sobre a parte sublinhada.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Com Fillon, Le Pen já ganhou, mesmo perdendo...

Perante uma esquerda dividida e desacreditada, tudo indica que a escolha dos franceses nas presidenciais vai-se fazer-se entre Fillon e Marine Le Pen.
 
Fillon é o "Donald Trump" francês, mais polido e bem educado.
 
Em termos sociais é ainda mais radical que Le Pen.
 
Fillon defende o despedimento de 500 mil funcionários públicos, a destruição radical do "Estado Social" francês, o aumento do horário de trabalho até ás 48 horas semanais e tem um discurso radicalmente conservador em termos culturais e sociais.
 
Com Fillon a Frente Nacional, mesmo que não ganhe as eleições, já ganhou ao impor o seu discurso xenófobo e islamofóbico, e, perante o radicalismo neoliberal de Fillon, até pode surgir como uma opção "moderada" em termos sociais.
 
Se é com candidatos como Fillon que a direita europeísta pretende combater o populismo da extrema-direita, oferecendo em troca mais austeridade, então o sonho de uma Europa solidária caminha para o desastre total.
 
Se no caso americano, apesar das discordâncias, Hillary Clinton era uma alternativa credível a Trump, o mesmo não se pode dizer em relação a Fillon em França.
 
Se fosse francês, votava em branco numa segunda volta onde se venham a  perfilar aquelas  duas sinistras figuras.
 
Entre o "diabo" da direita radical neoliberal representada por Fillon e o "diabo" da extrema-direita neofascista representada por Le Pen...venha o diabo e escolha!
 
 

sábado, 26 de novembro de 2016

Fidel: a morte do revolucionário pragmático e do ditador manso


 
Goste-se ou não  de Fidel, ele era uma das últimas referências vivas do século XX.

Conduziu uma das mais míticas e originais revoluções que muitas esperanças provocou entre a  geração socialista do pós-guerra.

Muitos viram nessa revolução um novo rumo para a ideologia socialista revolucionária então em declínio, marcada pela recente denuncia dos crimes stalinistas, e que não se revia, nem na violência extremista da revolução chinesa, nem na burocracia autoritária do “socialismo real” do leste da Europa.

Fidel Castro não era um revolucionário de formação comunista. Era, pelo contrário, um homem de formação católica. Em parte por isso, foi visto com desconfiança pela velha guarda do Partido Comunista Cubano que acabou varrido na voragem da revolução dos “barbudos”.

Cedo, contudo, começou a instalar-se a desilusão, em parte também por culpa dos Estados Unidos, que, incapazes de perceberem a revolução,  sentindo-se humilhados por perderem o seu capataz Fulgêncio Baptista e dominados por uma elite política com ligação aos bandos mafiosos que dominavam a ilha, se envolveram com os pouco recomendáveis anticastristas na aventura falhada da Baía dos Porcos e em várias tentativas de assassinar Fidel,  atirando a sobrevivência de Castro para os braços da União Soviética.

Para sobreviver, Castro aproximou a revolução da influência soviética e adoptou a retórica soviética, tornando-se mais um joguete nas mãos da estratégia politica desta superpotência durante a Guerra Fria.

A principal consequência dessa aproximação atingiu o seu auge durante a Crise dos misseis, que colocou o mundo à beira de uma guerra mundial e, mais tarde, durante a participação desastrada e condenável na guerra civil angolana.

Quando a União Soviética acabou,  sujeito a um duro embargo económico por parte dos Estados Unidos, todos vaticinaram o rápido fim do castrismo. Mas foi nesse momento difícil para o regime que Castro evidenciou todas as suas capacidades políticas, conseguindo salvar o regime com pragmatismo e abertura controlada, atitude que culminou numa atitude rara em ditadores, a de se retirar e permitir a abertura do regime.

Curiosamente, o outro ditador que permitiu em vida uma transição pacífica foi aquele que representou a outra face da moeda na política latino-americana, o sanguinário ditador Augusto Pinochet.

Essa capacidade de se retirar a tempo e permitir a abertura do regime foi uma lição, até para muitos “democratas” apegados ao poder.

Claro que, como qualquer ditadura, a liberdade e os Direitos Humanos foram muitas vezes desrespeitados, mas, comparativamente com outras ditaduras, à direita e à esquerda, ou mesmo com algumas “democracias” do nosso tempo (Hungria, Ucrânia, Russia, Israel, Angola, Arábia Saudita, Filipinas…) podemos classificar o Castrismo como uma ditadura de “baixa intensidade” e mansa.

Quanto à falta de legitimidade democrática do castrismo, também aí Cuba não pode receber muitas lições de democracias subjugadas por poderes e instituições sem qualquer legitimidade democrática (FMI, BCE, EUROGRUPO, COMISSÃO EUROPEIA, para falar apenas de algumas delas…).

Com a morte de Fidel, a Revolução Cubana chegou ao fim e passa a um tema de estudo histórico.

Das memórias do mundo da minha infância, agora resta apenas a Rainha de Inglaterra…

Em alternativa a uma oposição maioritariamente liderada por gente pouco recomendável, com destaque para os intolerantes anticastristas de Miami, onde se inclui a maior parte dos 25% de latino americanos que votaram Trump, Fidel teve pelo menos o mérito de ter criado as condições para se fazer uma transição pacífica a caminho da democracia e da liberdade, esperando-se que se mantenham alguns aspectos positivos do regime, nomeadamente na cultura, educação e saúde.

No mundo de hoje já não há lugar para figuras positiva ou negativamente carismáticas como Fidel Castro, mas apenas para caricaturas perigosas como Trump, Putin, Erdogan….

Que o povo cubano saiba virar com serenidade e sabedoria mais esta página da sua dolorosa história!

sexta-feira, 25 de novembro de 2016