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quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

“Democracia de Baixa Intensidade”


Ontem, um dos nossos comentadores mais lúcidos, José Vitor Malheiros, usou um termo que costumamos ver aplicado noutros contextos, o da guerra e o das ditaduras :“Democracia de Baixa Intensidade”.
Costuma-se utilizar a expressão “guerra de baixa intensidade” como referência a conflitos militares latentes, esporádicos, pouco intensos, muitas vezes meras escaramuças, “descontinuados”, distinguindo-se dos grandes conflitos de escala mundial ou regional, mais mortíferos e destrutivos.
Também podemos usar a mesma classificação para as ditaduras, as históricas e as actuais. Até certo ponto podemos classificar a ditadura salazarista como tendo sido de “baixa intensidade”, comparativamente como outras ditaduras da mesma família política, como o fascismo italiano, o nazismo ou o “franquismo”.
Também podemos usar essa classificação de “ditadura de baixa intensidade” para ditaduras de sinal contrário, como a cubana, se a compararmos com o estalinismo dos anos 30, o maoismo ou a ditadura norte-coreana.
Para quem sofre na pele a destruição das guerras ou a perseguição das ditaduras, sejam elas de “alta” ou “baixa” intensidade, essa classificação não fará qualquer sentido.
Invertendo uma frase popularizada, segundo a qual quem salva uma vida salva a humanidade, também, podemos afirmar que quem persegue ou mata, uma pessoa que seja, persegue e mata toda a humanidade.
Nas actuais circunstâncias parece-me pertinente a classificação de Vitor Malheiros, pois vivemos de facto uma era em que a democracia se transformou num mero pró-forma “legitimador” à qual muitos regimes autoritários e até algumas ditaduras recorrem com cada vez mais frequência. E convém até recordar que Hitler chegou ao poder por via eleitoral e que o próprio Salazar realizou regularmente as suas “eleições”, que ele considerava “tão livres como na livre Inglaterra” (sic!!!!).
O próprio comportamento das Instituições políticas europeias, todas elas (excluindo o caso do Parlamento Europeu), sem legitimidade democrática, muito têm contribuído para enfraquecer a democracia, impondo medidas ao arrepio das escolhas políticas dos cidadãos, desrespeitando decisões de governos legítimos, humilhando mesmo os povos que escolhem rumos diferentes do “austeritarismo”, apenas para favorecer um voraz e corrupto sector financeiro.
Como afirma Malheiros, a “triste verdade é que as democracias de baixa intensidade em que vivemos não possuem mecanismos que nos permitam a nós, ao povo soberano, exigir uma acção determinada mesmo quando se trata de urgências humanitárias”.
Os três pilares da democracia, “Igualdade, Fraternidade (= a solidariedade e bem estar) e Liberdade” têm vindo todos a ser arruinados pelas actuais oligarquias que se apoderaram do projecto europeu para o minarem por dentro, contra os cidadãos e o humanismo, absorvendo a agenda da extrema-direita xenófoba, da direita radical neoliberal e dos obscuros interesses financeiros, fazendo da democracia uma mera formalidade retórica.
Referindo-se à situação na Síria, mas que também podia ser aplicada à situação social e económica da Europa democrática, Malheiros classifica a nossa impotência como contrária à democracia, concluindo que essa “impotência diz-nos que nenhum poder efectivo reside no povo” e que, uma “das grandes tarefas à nossa frente é impedir que a democracia se transforme para sempre no regime da impotência dos homens e mulheres de boa vontade”.
Essa é a nossa árdua tarefa, num ano ameaçador que se avizinha.

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