Ontem, um dos nossos comentadores mais lúcidos, José Vitor Malheiros,
usou um termo que costumamos ver aplicado noutros contextos, o da guerra e o
das ditaduras :“Democracia de Baixa Intensidade”.
Costuma-se utilizar a expressão “guerra de baixa intensidade” como
referência a conflitos militares latentes, esporádicos, pouco intensos, muitas
vezes meras escaramuças, “descontinuados”, distinguindo-se dos grandes
conflitos de escala mundial ou regional, mais mortíferos e destrutivos.
Também podemos usar a mesma classificação para as ditaduras, as
históricas e as actuais. Até certo ponto podemos classificar a ditadura
salazarista como tendo sido de “baixa intensidade”, comparativamente como
outras ditaduras da mesma família política, como o fascismo italiano, o nazismo
ou o “franquismo”.
Também podemos usar essa classificação de “ditadura de baixa
intensidade” para ditaduras de sinal contrário, como a cubana, se a compararmos
com o estalinismo dos anos 30, o maoismo ou a ditadura norte-coreana.
Para quem sofre na pele a destruição das guerras ou a perseguição das
ditaduras, sejam elas de “alta” ou “baixa” intensidade, essa classificação não
fará qualquer sentido.
Invertendo uma frase popularizada, segundo a qual quem salva uma vida
salva a humanidade, também, podemos afirmar que quem persegue ou mata, uma
pessoa que seja, persegue e mata toda a humanidade.
Nas actuais circunstâncias parece-me pertinente a classificação de
Vitor Malheiros, pois vivemos de facto uma era em que a democracia se
transformou num mero pró-forma “legitimador” à qual muitos regimes autoritários
e até algumas ditaduras recorrem com cada vez mais frequência. E convém até
recordar que Hitler chegou ao poder por via eleitoral e que o próprio Salazar
realizou regularmente as suas “eleições”, que ele considerava “tão livres como
na livre Inglaterra” (sic!!!!).
O próprio comportamento das Instituições políticas europeias, todas
elas (excluindo o caso do Parlamento Europeu), sem legitimidade democrática, muito
têm contribuído para enfraquecer a democracia, impondo medidas ao arrepio das
escolhas políticas dos cidadãos, desrespeitando decisões de governos legítimos,
humilhando mesmo os povos que escolhem rumos diferentes do “austeritarismo”, apenas
para favorecer um voraz e corrupto sector financeiro.
Como afirma Malheiros, a “triste verdade é que as democracias de baixa
intensidade em que vivemos não possuem mecanismos que nos permitam a nós, ao
povo soberano, exigir uma acção determinada mesmo quando se trata de urgências
humanitárias”.
Os três pilares da democracia, “Igualdade, Fraternidade (= a
solidariedade e bem estar) e Liberdade” têm vindo todos a ser arruinados pelas
actuais oligarquias que se apoderaram do projecto europeu para o minarem por
dentro, contra os cidadãos e o humanismo, absorvendo a agenda da
extrema-direita xenófoba, da direita radical neoliberal e dos obscuros
interesses financeiros, fazendo da democracia uma mera formalidade retórica.
Referindo-se à situação na Síria, mas que também podia ser aplicada à
situação social e económica da Europa democrática, Malheiros classifica a nossa
impotência como contrária à democracia, concluindo que essa “impotência diz-nos
que nenhum poder efectivo reside no povo” e que, uma “das grandes tarefas à
nossa frente é impedir que a democracia se transforme para sempre no regime da
impotência dos homens e mulheres de boa vontade”.
Essa é a nossa árdua tarefa, num ano ameaçador que se avizinha.
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