“De cada vez que os portugueses
saem à rua, voltam a casa com mais dignidade".
José Luís Peixoto
“Normalmente, esta frase é dita por senhores de fato,
protegidos pelo ecrã da televisão. Não estão nervosos, como os desempregados
que gritam na rua ou à porta da fábrica, estão até bastante serenos; também não
têm a cara pintada, nem estão a insultar ninguém, como aquela multidão de
rapazes e raparigas que nunca conseguiram um emprego que durasse mais de três
meses, estão compostos e falam com correção. Vestem-se cemo pessoas sensatas,
penteiam-se como pessoas sensatas, têm carros de cilindrada sensata a esperá-los
no estacionamento.
“Arriscamo-nos a ser outra Grécia.
“E, no fundo, estão a dizer:
“Vocês arriscam-se a transformar este país noutra Grécia.
“Eles não fazem parte do «nós», eles estão a avisar-nos. Por
eles, pela sua acção, este país nunca se tornaria noutra Grécia. Se assim
fosse, eles não nos estariam a alertar, em tom professoral, em tom de quem sabe
mais e melhor. Não são eles que estão em risco de ser uma nova Grécia, eles são
apenas desinteresse e boas intenções. Somos nós, sem eles, que estamos em risco
de ser outra Grécia.
“A xenofobia dessa frase é desprezível. Utiliza a ignorância
dos sentimentos mais rasteiros para justificar argumentos desonestos. Ao mesmo
tempo, quer fazer pressupor que a Grécia está na atual situação económica porque
o seu povo protesta.
“Esses senhores, que até podem ter óculos, aliviam a sua
consciência culpando os pobres da própria pobreza. Há bem pouco tempo, por
exemplo, insurgiam-se contra o rendimento mínimo. Nunca se lhes ouviu uma
palavra acerca dos paraísos fiscais.
“Justificam a avareza mais reles, com a ideia de que a ajuda
pública desencoraja os pobres de trabalhar, toma-os preguiçosos. Isto, com
frequência, vindo da parte de pessoas que descendem de linhagens com muito a
aprender acerca do que é o trabalho.
“Neoliberais de merda. O Estado não deve meter-se na vida
das grandes empresas ou dos bancos, a não ser para, à mínima dificuldade, lhes
enfiar pazadas de dinheiro pela goela abaixo. Depois, se o Estado precisar seja
do que for, não tem o direito de exigir nada. Não tem o direito de interferir
na liberdade do mercado. Só tem direito de interferir na liberdade dos
cidadãos.
“Se calhar, temos de ser nós a ensinar-lhes que é o trabalho
que cria riqueza e não aqueles que vendem o trabalho dos outros.
“Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?
“De cada vez que os portugueses saem à rua, voltam a casa
com mais dignidade. Ao contrário do que aconteceu demasiadas vezes, as imagens
de multidões demonstram que não está tudo certo, eles não têm legitimidade para
tudo. Sobretudo, não têm legitimidade para fazer o oposto daquilo que disseram
que iam fazer e, menos ainda, para serem lacaios de outros em que ninguém
votou.
“Ridículos: a anunciarem medidas antes de jogos de futebol,
a esconderem- -se no estrangeiro onde não comentam nada, a dizerem que temos o
melhor povo do mundo. O mesmo povo que desrespeitam continuadamente.
“Arriscamo-nos a ser uma nova Grécia?
“Quando falam da Grécia nesse tom de xenofobia velada e
cobarde, seria interessante perguntar-lhes qual é, afinal, o país que eles quem
querem ser. Da mesma maneira que repetem que não querem ser gregos, seria
bonito ouvi-los afirmar que querem ser alemães.
“Então, talvez a xenofobia lhes caísse em cima. Talvez lhes
fizesse bem sentir esse peso. Tenho curiosidade de ver quantos os seguiriam no
dia em que tomassem explícitos os dois lados desse simplismo que coloca a
Grécia e a Alemanha em poios opostos de uma guerra surda, em que um dos lados
bombardeia o outro, diariamente, com humilhação.
“A Grécia não é um país a evitar, os gregos não são um povo
a evitar. Aqui, neste nosso país, há muitos que já são gregos porque estão
desempregados e sem horizontes como tanta gente na Grécia, porque não sabem
como pagar a casa ao banco, porque sofrem como tantos gregos. Quem tem
verdadeiro medo de ser como os gregos são esses senhores de fato, protegidos,
porque sabem que os seus homólogos da Grécia estão a ser vigiados, com pouca
margem.
“Seremos outra Grécia se tivermos sorte”.
José Luís Peixoto
in VISÃO 11 DE OUTUBRO DE 2012
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