A propósito da cimeira que hoje tem início na ONU para debater o resultado dos chamados “Objectivos do Milénio”, um programa de luta contra a pobreza à escala global, recordo aqui um interessante livro recentemente editado no Porto, intitulado “O que sabemos sobre A Pobreza em Portugal?”, organizado por uma equipa de investigadores destes temas e que tem por objectivo homenagear Leonor Vasconcelos Ferreira.
Editado pela “Vida Económica”, este livro reúne “um conjunto de contributos de elevada qualidade e rigor científico sobre as questões da Pobreza e Distribuição de Rendimentos”, numa “perspectiva multidisciplinar e integrada”, que integra “os aspectos económicos, sociólogos e políticos” relacionados com esse tema.
Esta obra devia ser de leitura obrigatória para os nossos economistas, políticos e comentadores, pois questiona muitas das ideias feitas sobre o tema, e que tão bem servem a costumada demagogia dominante.
Destaco aqui o texto assinado por Manuela Silva, intitulado “Pobreza, Direitos Humanos e Democratização da Economia”, uma interessante reflexão teórica sobre o conceito de pobreza, onde se defende a relação do combate à pobreza com a defesa dos Direitos Humanos e onde, entre muitas outras ideias interessantes, se sugere um novo modelo de empresa.
Aqui transcrevo algumas das partes mais significativas desse artigo, que merecem a nossa reflexão.
SOBRE O CONCEITO DE POBREZA
“O conceito de pobreza mais frequente nos estudos académicos ou nos relatórios institucionais continua a ser a pobreza monetária, que consiste em considerar como pobres os indivíduos ou agregados familiares cujo rendimento ou despesa é inferior a um certo limiar (…). Não obstante (…) o conceito de pobreza monetária enferma de várias limitações (….). Com efeito, a um baixo nível de rendimento ou despesa idêntico correspondem situações de privação muito diferentes, no caso de uma pessoa ou agregado familiar que tenha de prover a todas as suas necessidades na base de uma economia mercantil ou outra situação em que parte das necessidades essenciais da população, como sejam a saúde, a educação, a segurança social, se encontrem cobertas pelo Estado.
“Por outro lado, não basta dispor de certo rendimento monetário para deixar de ser pobre. O reconhecimento desta realidade tem levado a adoptar um conceito de pobreza assente no grau efectivo de privação, em que a privação do rendimento é apenas um elemento de um indicador compósito que contemple os diferentes défices de satisfação relativamente a um conjunto de necessidades essenciais correspondentes ao estilo de vida corrente. Entre outros, a qualidade da habitação e a respectiva inserção no espaço urbano, a par da segurança física, do acesso à educação e qualificação profissional, do acesso a cuidados de saúde, do lazer, da participação e da inserção social”.
POBREZA E DIREITOS HUMANOS
“(…) desde o início do milénio, tem vindo a impor-se a ideia de que a pobreza involuntária constitui uma violação de direitos humanos fundamentais e, como tal, deve ser colocada na agenda política.
“(…) Podemos perguntar-nos: que valor acrescenta este enfoque ao conhecimento da pobreza e, sobretudo, às estratégias para a sua erradicação?
“Em primeiro lugar, este conceito traz para primeiro plano o valor da dignidade de toda a pessoa humana, fundamento dos direitos humanos universalmente reconhecidos, e afirma que a pobreza involuntária ofende a dignidade e põe em causa o valor da vida humana”
UMA NOVA RESPONSABILIDADES PARA AS EMPRESAS
“A ideia de que o mercado, só por si, é o garante da democracia económica presidiu ao pensamento liberal e neoliberal das últimas décadas, mas hoje não resiste à verificação empírica: as grandes desigualdades, o risco ambiental, o desemprego massivo, só para referir alguns exemplos de disfunções que o mercado não previne nem corrige (…)
“Também o conceito de empresa carece de profunda revisão. Com efeito, a empresa não é apenas um capital, mas uma realidade social complexa, que envolve múltiplas relações : entre os diferentes sujeitos que nela intervêm (trabalhadores, fornecedores, clientes, além dos detentores do capital), bem como com a sociedade onde está implantada e onde opera. Assim sendo, os gestores não devem responder apenas, como hoje sucede, perante os accionistas que os nomeiam, mas devem também assumir responsabilidades perante os demais elementos que integram a empresa.”
Ficam aqui as ideias principais desse estudo e a recomendação para uma leitura mais atenta deste texto e dos outros, igualmente estimulantes, que integram este livro fundamental.
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