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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

TODOS SOMOS FRANCESES - O terror descrito na primeira pessoa:


Os bárbaros atentado de Paris não foram um "mero" atentado ao “Ocidente” e aos “Valores ocidentais”, como, numa retórica oportunista, em meras frases feitas esvaziadas de sentimentos, se ouve por aí nas palavras circunstanciais de alguns políticos.

O que se passou em Paris passou-se recentemente em Beirute e em Ancara, passasse-se todos os dias em Bagdad e em Damasco, passou-se no avião de turistas russos onde  o ataque ao “ocidente” e aos “valores ocidentais” esteve longe de ser o objectivo principal.

Os atentados bárbaros em Paris foram, sim, um atentado a TODA A  HUMANIDADE, essa humanidade que se pode encontrar no texto onde Isobel Bodwdery, que sobreviveu ao ataque no Bataclan, descreve com arrepiante sinceridade, como porta voz de  todos aqueles que morreram e não puderam dizer o que sentiram:

“Futuros destruídos, famílias de coração partido. Num instante”

Por Isobel Bowdery

In PÚBLICO 15/11/2015

Isobel Bowdery, 22 anos, tinha ido divertir-se numa sexta-feira à noite. Fingiu-se de morta durante mais de uma hora no Bataclan. Sobreviveu. O relato do que se passou naquela noite, e que partilhou no Facebook, tem já 1,7 milhões de gostos. Um testemunho que reproduzimos na primeira pessoa:

 “Nunca pensas que te vai acontecer a ti. Era apenas uma sexta-feira à noite num concerto de rock. O ambiente era de felicidade e toda a gente dançava e sorria. Quando os homens entraram pela porta da frente e começou o tiroteio, ainda pensámos, ingenuamente, que fazia tudo parte do espectáculo. Não foi apenas um ataque terrorista, foi um massacre. Dezenas de pessoas foram mortas mesmo à minha frente. Poças de sangue no chão. O choro de homens crescidos que seguravam os corpos mortos das suas namoradas atravessou a sala de concertos. 

"Futuros destruídos, famílias de coração partido. Num instante.

"Chocada e sozinha, fingi estar morta durante mais de uma hora, deitada entre pessoas que conseguiam ver aqueles que lhes são queridos sem qualquer tipo de movimento. A suster a minha respiração, a tentar não me mexer, não chorar – não mostrando àqueles homens o medo que queriam ver. Tive uma sorte incrível em sobreviver. Mas muitos não sobreviveram.

"As pessoas que estavam ali, exactamente pela mesma razão que eu, para se divertirem numa sexta-feira à noite, estavam inocentes. Este mundo é cruel. Actos como este demonstram a depravação dos humanos e as imagens daqueles homens a circularem à nossa volta como abutres vai assombrar-me para o resto da vida.

"A forma como apontaram meticulosamente para abater pessoas na plateia, no centro da qual eu estava, sem nenhuma consideração pela vida humana. Não parecia real. Esperava que a qualquer momento alguém dissesse que era um pesadelo.

"Mas ser uma sobrevivente deste horror permite-me falar dos heróis. Para o homem que me tranquilizou e colocou a sua vida em perigo para tapar a minha cabeça enquanto eu chorava; para o casal que trocou palavras de amor e me fez acreditar que há bondade no mundo; para o polícia que conseguiu resgatar centenas de pessoas; para os estranhos que me levantaram da estrada e me consolaram durante 45 minutos, numa altura em que estava convencida de que o rapaz que amo estava morto; para o homem ferido que eu acreditei poder ser ele, e que quando viu que eu tinha percebido que ele não era o Amaury me consolou e me disse que ia ficar tudo bem, apesar de também ele estar completamente sozinho e com medo; para a mulher que abriu a porta de sua casa aos sobreviventes; para o amigo que me ofereceu abrigo e foi comprar-me roupas novas para que eu não tivesse de usar este top manchado de sangue; para todos os que enviaram mensagens de apoio – vocês fazem-me acreditar que este mundo pode ser melhor.

"Para não deixar que isto volte a acontecer.

"Mas este texto é sobretudo para as 80 pessoas que foram assassinadas dentro da sala de concertos, que não tiveram sorte, que não puderam acordar hoje, e para os seus familiares e amigos que hoje sofrem. Lamento muito. Nada vai atenuar a dor. Sinto-me uma privilegiada por ter estado lá para os últimos suspiros dessas pessoas. E a acreditar genuinamente que me iria juntar a eles, prometo que os últimos pensamentos deles não foram para os animais que causaram tudo isto. Pensaram nas pessoas que amavam. Tal como eu, deitada no chão sobre o sangue de estranhos enquanto esperava que uma bala acabasse com a minha vida de meros 22 anos. Vi o rosto de cada pessoa que alguma vez amei e sussurrei 'amo-te'. Uma e outra vez. 

"Reflectindo sobre os pontos altos da minha vida. Desejando que aqueles que amo soubessem o quanto os amo, desejando que eles soubessem que, independentemente do que me acontecesse, eles deveriam continuar a acreditar na bondade das pessoas. Para não deixarem aqueles homens vencerem. Ontem à noite, a vida de muitos mudou para sempre e cabe-nos a nós ser melhores pessoas. Viver as vidas com que as vítimas inocentes desta tragédia sonharam, mas que infelizmente nunca vão poder cumprir.

Descansem em paz, anjos. Nunca serão esquecidos."


Tradução do testemunho que Isobel Bowdery, sobrevivente do massacre no Bataclan, publicou no Facebook

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