Os bárbaros atentado de Paris não foram um "mero" atentado ao “Ocidente” e aos
“Valores ocidentais”, como, numa retórica oportunista, em meras frases feitas
esvaziadas de sentimentos, se ouve por aí nas palavras circunstanciais de
alguns políticos.
O que se passou em Paris passou-se recentemente em Beirute e em Ancara, passasse-se
todos os dias em Bagdad e em Damasco, passou-se no avião de turistas russos onde
o ataque ao “ocidente” e aos “valores
ocidentais” esteve longe de ser o objectivo principal.
Os atentados bárbaros em Paris foram, sim, um atentado a TODA A HUMANIDADE, essa humanidade que se pode
encontrar no texto onde Isobel Bodwdery, que sobreviveu ao ataque no Bataclan, descreve
com arrepiante sinceridade, como porta voz de todos aqueles que morreram e não puderam
dizer o que sentiram:
“Futuros destruídos, famílias de coração partido. Num instante”
Por Isobel Bowdery
In PÚBLICO 15/11/2015
“Isobel Bowdery, 22 anos, tinha ido divertir-se numa sexta-feira à
noite. Fingiu-se de morta durante mais de uma hora no Bataclan. Sobreviveu. O
relato do que se passou naquela noite, e que partilhou no Facebook, tem já 1,7
milhões de gostos. Um testemunho que reproduzimos na primeira pessoa:
“Nunca pensas que te vai
acontecer a ti. Era apenas uma sexta-feira à noite num concerto de rock. O ambiente
era de felicidade e toda a gente dançava e sorria. Quando os homens entraram
pela porta da frente e começou o tiroteio, ainda pensámos, ingenuamente, que
fazia tudo parte do espectáculo. Não foi apenas um ataque terrorista, foi um
massacre. Dezenas de pessoas foram mortas mesmo à minha frente. Poças de sangue
no chão. O choro de homens crescidos que seguravam os corpos mortos das suas
namoradas atravessou a sala de concertos.
"Futuros destruídos, famílias de
coração partido. Num instante.
"Chocada e sozinha, fingi estar morta durante mais de uma hora, deitada
entre pessoas que conseguiam ver aqueles que lhes são queridos sem qualquer
tipo de movimento. A suster a minha respiração, a tentar não me mexer, não
chorar – não mostrando àqueles homens o medo que queriam ver. Tive uma sorte
incrível em sobreviver. Mas muitos não sobreviveram.
"As pessoas que estavam ali, exactamente pela mesma razão que eu, para
se divertirem numa sexta-feira à noite, estavam inocentes. Este mundo é cruel.
Actos como este demonstram a depravação dos humanos e as imagens daqueles
homens a circularem à nossa volta como abutres vai assombrar-me para o resto da
vida.
"A forma como apontaram meticulosamente para abater pessoas na plateia,
no centro da qual eu estava, sem nenhuma consideração pela vida humana. Não
parecia real. Esperava que a qualquer momento alguém dissesse que era um
pesadelo.
"Mas ser uma sobrevivente deste horror permite-me falar dos heróis. Para
o homem que me tranquilizou e colocou a sua vida em perigo para tapar a minha
cabeça enquanto eu chorava; para o casal que trocou palavras de amor e me fez
acreditar que há bondade no mundo; para o polícia que conseguiu resgatar
centenas de pessoas; para os estranhos que me levantaram da estrada e me
consolaram durante 45 minutos, numa altura em que estava convencida de que o
rapaz que amo estava morto; para o homem ferido que eu acreditei poder ser ele,
e que quando viu que eu tinha percebido que ele não era o Amaury me consolou e
me disse que ia ficar tudo bem, apesar de também ele estar completamente
sozinho e com medo; para a mulher que abriu a porta de sua casa aos
sobreviventes; para o amigo que me ofereceu abrigo e foi comprar-me roupas
novas para que eu não tivesse de usar este top manchado de sangue; para todos os
que enviaram mensagens de apoio – vocês fazem-me acreditar que este mundo pode
ser melhor.
"Para não deixar que isto volte a acontecer.
"Mas este texto é sobretudo para as 80 pessoas que foram assassinadas
dentro da sala de concertos, que não tiveram sorte, que não puderam acordar
hoje, e para os seus familiares e amigos que hoje sofrem. Lamento muito. Nada
vai atenuar a dor. Sinto-me uma privilegiada por ter estado lá para os últimos
suspiros dessas pessoas. E a acreditar genuinamente que me iria juntar a eles,
prometo que os últimos pensamentos deles não foram para os animais que causaram
tudo isto. Pensaram nas pessoas que amavam. Tal como eu, deitada no chão sobre
o sangue de estranhos enquanto esperava que uma bala acabasse com a minha vida
de meros 22 anos. Vi o rosto de cada pessoa que alguma vez amei e sussurrei
'amo-te'. Uma e outra vez.
"Reflectindo sobre os pontos altos da minha vida.
Desejando que aqueles que amo soubessem o quanto os amo, desejando que eles
soubessem que, independentemente do que me acontecesse, eles deveriam continuar
a acreditar na bondade das pessoas. Para não deixarem aqueles homens vencerem.
Ontem à noite, a vida de muitos mudou para sempre e cabe-nos a nós ser melhores
pessoas. Viver as vidas com que as vítimas inocentes desta tragédia sonharam,
mas que infelizmente nunca vão poder cumprir.
Descansem em paz, anjos. Nunca serão esquecidos."
Tradução do testemunho que Isobel Bowdery, sobrevivente do massacre no
Bataclan, publicou no Facebook
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