Estão "explicadas" as alterações climatéricas e as enxurradas como aquela
que aconteceu no Algarve no passado Domingo.
Tudo se ficou a dever ao facto de a” fúria demoníaca da Natureza não
ser nossa amiga” , de “ Deus nem sempre [ser] amigo” e “de vez em quando” nos dar “uns períodos de provação”.
Quanto ao homem que perdeu a vida em Boliqueime “entregou-se a
Deus".
Quem o diz é o novo ministro da administração interna, Calvão e Silva.
Mas as “sábias palavras” que o ministro proferiu, na visita que fez a
Albufeira, não se ficaram por aqui.
Considerou que o temporal que causou avultados prejuízos “é uma lição
de vida”, especialmente para quem não tem seguro, deixando a este o “conselho” e o “exemplo” pessoal: "Eu sei que há
muitas carteiras magras. Mas está a falar com uma pessoa que nasceu em
Trás-os-Montes, que sabe o que é ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém.
A mobilidade social funciona para todos. E todos temos de ter a nossa
responsabilidade no sentido e dizer: 'eu tenho um negócio, vou fazer o meu
seguro para que se o infortúnio me bater à porta tenha valido a pena pagar o
prémio” acrescentando ainda que cada um “tem
um pequeno pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais aqui ou além, paga um prémio
de seguro. Não imagina a quantidade de pessoas que falaram que já accionaram o
seguro. Isto é uma lição de vida para todos nós.”
Esqueceu-se de dois pequenos “pormenores” : em primeiro lugar que a
maior parte dos comerciantes de Albufeira, que já tinham sido atingidos pelas
cheias de 2008, ainda não receberam as indemnizações a que tinham direito por essa tragédia e que,
em segundo lugar, desde essa data as condições impostas pelas companhias de
seguro eram de tal modo incomportáveis que muitos desses comerciantes optaram
por arriscar não fazer qualquer seguro.
Mas, se perante tão “piedosas” palavras alguém esperava uma acção consequente
do novo governante, desenganou-se rapidamente quando ouviu da boca do mesmo
ministro que este não dava “qualquer
certeza sobre a declaração de calamidade pública, afirmando que é necessário,
antes de mais, que seja feito o levantamento dos danos, para depois se avaliar
se os “requisitos legais” estão “preenchidos”, acrescentando que “o que conta é a resposta imediata”: “Esta
gente precisa de ajuda imediata, que passa por uma palavra de solidariedade
imediata. Estou aqui hoje, mesmo que logo à noite já não fosse ministro.”
Mas não se pode esperar muito da mesma personagem que, há uns tempos
atrás , defendeu a idoneidade do antigo líder do BES, Ricardo Salgado, quando
este recebeu 14 milhões de euros não declarados com “presente” de um construtor
civil, considerando que um presente dada “ao amigo de longa data” não punha em
causa a “gestão sã e prudente” do banco, porque “o espírito de entreajuda e
solidariedade” é um princípio geral de uma sociedade, sendo “natural, pois, que
um amigo possa e tenha gosto em dar sugestões, conselho ou informações a outro
amigo", tudo isto num parecer por si assinado para o Banco de Portugal.
Tudo isto seria anedótico se não tivéssemos perante uma tragédia.
Fazendo uma analogia com o historial do 1º de Novembro, é caso para
imaginar o que teria sido de Lisboa e Portugal se, naquele outro muito mais trágico e distante 1 de Novembro
de 1755 tivéssemos líderes políticos como os actuais!!!!.
Em baixo reproduzimos os artigos do Público e do Expresso onde se
refere, o primeiro às afirmações feitas em Albufeira, as segundas às ligações
com o BES daquele caricato e “piedoso” ministro:
“Mau tempo no Algarve? "Deus nem sempre é amigo", diz
ministro
Por Idálio Revez, in PÚBLICO
02/11/2015 .
“O ministro da Administração Interna, João Calvão da Silva, esteve
nesta segunda-feira em Albufeira e defendeu que o temporal que causou avultados
prejuízos “é uma lição de vida”, especialmente para quem não tem seguro.
“Verifiquei que há muita gente que diz que já accionou os seus seguros.
Fantástico. As pessoas estão conscientes que há outros mecanismos para além dos
auxílios estatais”, disse o ministro da Administração Interna aos jornalistas,
defendendo a necessidade de os comerciantes terem seguro. “Cada um tem um
pequeno pé-de-meia. Em vez de o gastar a mais aqui ou além, paga um prémio de
seguro. Não imagina a quantidade de pessoas que falaram que já accionaram o
seguro. Isto é uma lição de vida para todos nós.”
“Questionado sobre a situação dos comerciantes que não têm seguro,
Calvão da Silva respondeu. “Quem não tem seguro, aprende em primeiro lugar que
é bom reservar sempre um bocadinho para no futuro ter seguro. Em segundo, é bom
esperar que o levantamento seja feito pela autarquia, que é a autoridade
adequada, e mostrar que os requisitos de calamidade se verificam”.
“E novamente confrontando com as dificuldades de quem não tem seguro,
Calvão da Silva insistiu. "Eu sei que há muitas carteiras magras. Mas está
a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que é ser pobre
e vir do pobre e tentar ser alguém. A mobilidade social funciona para todos. E
todos temos de ter a nossa responsabilidade no sentido e dizer: 'eu tenho um
negócio, vou fazer o meu seguro para que se o infortúnio me bater à porta tenha
valido a pena pagar o prémio."
“O ministro não deu qualquer certeza sobre a declaração de calamidade
pública, afirmando que é necessário, antes de mais, que seja feito o
levantamento dos danos, para depois se avaliar se os “requisitos legais” estão
“preenchidos”.
“Questionado sobre se essa declaração de calamidade ainda se poderá
verificar no tempo de vida deste Governo, Calvão da Silva respondeu que “o que
conta é a resposta imediata”: “Esta gente precisa de ajuda imediata, que passa
por uma palavra de solidariedade imediata. Estou aqui hoje, mesmo que logo à
noite já não fosse ministro.”
"Deus nem sempre é amigo"
“No início da visita ao Algarve, Calvão da Silva lamentou que “ao lado
de danos patrimoniais avultados” ainda se tivesse verificado “a perda de uma
vida humana”: “Por isso fiz questão de começar esta visita pelos cumprimentos
de condolências à família enlutada. Era um homem que já tinha vindo do
estrangeiro, tinha 80 anos, fica a sua mulher Fátima. Ele, que era um homem de
apelido Viana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar
adequado.”
“Num discurso com muitas referências religiosas, o ministro defendeu
ainda que as forças “operacionais funcionaram muito bem” numa situação difícil
em que foi preciso enfrentar “uma fúria da natureza”. "A fúria da natureza
não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo.
"Também acha que de vez em quando
nos dá uns períodos de provação. Em quase todo o lado, excepto em Albufeira, o
nível autárquico foi suficiente de acordo com as medidas. E só não foi
suficiente aqui em Albufeira, porque a força da natureza, na fúria demoníaca,
embora os ingleses digam que é um acto de Deus, um 'act of God', a gente tem
traduzir de outra maneira..."
“Visão diferente têm os comerciantes de Albufeira, que acusam a câmara
de não ter tomado as medidas necessárias”.
“Como Calvão da Silva defendeu Salgado: €14 milhões foram “uma atenção”
por “conselho dado por amizade”
Pedro Santos Guerreiro, in Expresso 28.10.2015
“O Expresso revela o parecer em que Calvão da Silva, agora indicado
para ministro da Administração Interna, defendeu a idoneidade do antigo líder
do BES. Os €14 milhões que o construtor José Guilherme deu a Ricardo Salgado
foram um presente dada “ao amigo de longa data” que não punha em causa a
“gestão sã e prudente” do banco.
“O espírito de entreajuda e solidariedade” é um princípio geral de uma
sociedade e Calvão da Silva considera que “é natural, pois, que um amigo possa
e tenha gosto em dar sugestões, conselho ou informações a outro amigo",
sendo que "não é a circunstância de ser administrador ou presidente
executivo de um banco que o priva dessa liberdade fundamental”.
"E se alguém
decide dar dinheiro de presente (liberalidade) em reconhecimento desse
conselho, como José Guilherme deu a Ricardo Salgado, isso não põe em causa a
idoneidade de quem recebe.
“Assim escreve João Calvão da Silva, que aceitou esta semana ser
ministro da Administração Interna do novo governo de Pedro Passos Coelho. Mal a
indicação foi conhecida, logo o Bloco de Esquerda ligou o nome do jurista ao
processo de Ricardo Salgado, por ter emitido um parecer defendendo a idoneidade
do então líder do BES junto do Banco de Portugal. O Expresso, que no âmbito da
sua investigação jornalística, publicou dezenas de documentos oficiais relevantes
para o processo, revela hoje o parecer em causa, que pode ler na íntegra aqui.
“O parecer é de novembro de 2013, numa altura em que a
"guerra" dentro da família Espírito Santo já se tornava pública, em
que estava a ser vendido papel comercial do Grupo Espírito Santo em larga
escala mas ainda se desconhecia o falseamento das contas do Grupo Espírito
Santo (embora fosse nesse mês que o Banco de Portugal soubesse, mas não
tornasse público, dos indícios desse "buraco"). O parecer é emitido
por causa de outro assunto: depois das notícias de que Ricardo Salgado havia
recebido dinheiro do construtor José Guilherme, no valor de €14 milhões de
euros, o Banco de Portugal questionava a idoneidade do banqueiro. Salgado
recorreu então a dois pareceres externos, um deles de Calvão da Silva.
“A defesa de Salgado: os amigos de longa data
“Para perceber o parecer de Calvão da Silva é preciso relembrar a
argumentação de Ricardo Salgado para justificar ter recebido o dinheiro.
Recusando tratar-se de uma comissão por serviços de consultoria, Salgado disse
que se tratava de uma liberalidade: um presente.
“Segundo a defesa de Salgado, citada no parecer, José Guilherme era “um
amigo de longa data a quem nas suas conversas foi dando alguns conselhos e
opiniões sobre a evolução da economia e dos mercados a respeito de algumas
decisões que quis tomar”. Na crise de 2008, falando com José Guilherme, “por
amizade o dissuadiu” de investir na Europa de Leste, nomeadamente na Bulgária,
e em vez disso “o aconselhou a apostar em Angola”. Nesse campo, deu-lhe
“sugestões quanto à forma de abordar esse mercado e entidades a contactar”.
“Ora, diz o parecer, invocando a tese da defesa de Salgado, José
Guilherme “teve enorme sucesso em Angola” e, depois, “tomou a iniciativa de se
lhe dirigir, afirmando de modo categórico que queria ter para com ele uma
atenção, pela ajuda preciosa que lhe dera". Após "reiterada
insistência" de José Guilherme, Salgado "decidiu consultar dois
juristas externos ao Banco [Espírito Santo], tendo estes assegurado que a
questão era do foro pessoal e não colidia com quaisquer regras legais ou
éticas”, além de que “nenhuma relação existiu entre a oferta e a relação deste
com o Banco”. Finalmente, o “montante da oferta foi incluído da declaração de
IRS”, diz o parecer, embora não refira que só o foi depois de várias
retificações por parte de Salgado: não constava na declaração incial entregue
às Finanças. "A oferta resultou de uma liberalidade em razão dos seus
conselhos, orientações e ajudas dadas a título pessoal e de amizade, nunca a
título profissional”.
“É pessoal, ninguém leva a mal
“Como a liberalidade foi por conselho dado a título pessoal, fora do
exercício das funções e por causa das funções de administrador bancário, não se
vê por que razão censurar a sua aceitação, muito menos que possa constituir
fator relevante na decisão de registo sob o prisma de uma idoneidade necessária
a uma gestão são e prudente da instituição de crédito”, escreve Calvão da
Silva.
“O parecer destaca que a avaliação de idoneidade pelo Banco de Portugal
visa “assegurar uma gestão sã e prudente da instituição, tendo em vista, de
modo particular, a segurança dos fundos a ela confiados”, bem como ver da
capacidade do banqueiro “para decidir de forma ponderada e criteriosa”, da
tendência para cumprir obrigações e de não ter comportamentos incompatíveis com
a preservação da confiança do mercado.
“Considerando que “nenhuma dúvida séria e consistente” põe em causa que
“a lente exigida na lei na apreciação da idoneidade é a de gestor criterioso e
ordenado”, Calvão da Silva refere que “não é, pois, a um ato isolado” que a lei
se refere, mas sim “ao modo habitual da gestão dos negócios ou do exercício da
profissão”, pelo que “não pode o Banco de Portugal deixar de considerar
preenchido o requisito de idoneidade dessa pessoa indicada para administrador e
aceitar o seu registo”. No caso, Ricardo Salgado.
“Calvão da Silva cita vários acórdãos, a Constituição e diretivas
europeias. E fundamenta que “se o conselho de amigo de longa data de ir para
Angola e não para a Bulgária exercer a profissão no setor imobiliário que
exercia em Portugal se revelou certeiro e propiciou resultados lucrativos no
exercício dessa profissão, nada impede a liberalidade feita ao amigo”. Além
disso, “o conselho havia sido dado por amizade, sem vínculo jurídico algum,
muito menos ao abrigo de contrato de consultoria por investimentos”.
“Código de Conduta do BES? Tudo ok
“Além de cumprir a lei, a liberalidade aceite por Salgado “não viola em
nada o Código de Conduta do grupo [Espírito Santo], justamente por ser
totalmente alheia à atividade profissional de administrador do grupo”. É assim,
mesmo que o Código de conduta do BES proibisse a aceitação de “qualquer tipo de
remuneração ou comissão por operações efetuadas em nome do grupo” ou de
“presentes, convites, favores ou benefícios semelhantes” se relacionadas com a
sua atividade profissional no grupo”.
“É tendo em conta estes argumentos que, no parecer, João Calvão da
Silva defende “a não perda de idoneidade do administrador em causa”.
“Recorde-se que Ricardo Salgado nunca chegou a perder o estatuto de
idoneidade durante o exercício das suas funções. Demitiu-se quando ainda a
mantinha, em julho de 2014, oito meses depois da emissão deste parecer. Calvão
da Silva deverá tomar posse na sexta feira como ministro, sendo que poderá não
chegar a exercer funções efectivas, pois prevê-se o chumbo na Assembleia da
República do programa do governo, levando à sua queda”.
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