O modo como o tema dos feriados e da sua abolição está a ser equacionado em Portugal enferma de uma grande dose de ignorância, má-fé, autoritarismo e demagogia.
Em primeiro lugar, ignorância pelo significado histórico/cultural de alguns desses feriados. Claro que o problema tem raízes fundas na ignorância cultural e histórica de grande parte das nossas elites, especialmente as políticas, as económicas e as jornalísticas.
Nunca se rentabilizou o verdadeiro significado dessas datas e, para uma parte do “povo”, um feriado é visto como mais uma oportunidade de se pavonear pelas catedrais do consumo, em vez de aproveitar essas datas para as ocupar num passeio, numa visita a um sítio cultural ou para, pura e simplesmente, cultivar amizades e solidariedades.
E foi assim que muitos feriados perderam o seu significado e pouco dizem à maior parte das pessoas.
Em segundo lugar, o debate sobre o tema está eivado de má-fé, porque se procura criar a ideia que o lazer e o descanso, proporcionado pelos dias de feriado, são uns desperdícios económicos, incapazes de criar riqueza.
Mais uma mentira, tanto mais escandalosa quanto este é um país que se vangloria das suas capacidades turísticas.
Em terceiro lugar, esse debate trás ao de cima o mais negro autoritarismo da nossa classe política, secundada pela alarvidade de alguns comentadores, por negarem a tradição de alguns feriados, impondo o cinzentismo da sua ideologia, impondo, sem debate público, cortes nos feriados que chocam com as suas convicções.
Não deixa de ser significativo, aliás, que um “não-feriado” como a terça-feira de Carnaval, que ninguém ainda teve coragem para transformar em feriado oficial, seja um daqueles que mais dinâmicas provoca na sociedade civil e que mais adesões conhece por parte desta, fazendo “inveja” à mobilização de outros feriados oficiais, ao mesmo tempo que tem sido a maior vítima de governantes com laivos autoritários que, desrespeitando tudo e todos, procuram, com uma regularidade irritante, aboli-lo do calendário.
O autoritarismo e cinzentismo dos poderes deste país nunca se deram bem como carácter libertário e transgressor dessa data.
Por último, temos a demagogia à volta da abolição de feriados, com o argumento de se aumentar a produção e a riqueza com a sua extinção.
Como se o esforço braçal ou a quantidade de horas no local de trabalho tivesse alguma influência na produção! De facto, em pleno século XXI, marcado por grandes avanços tecnológicos e qualitativos, o que pode marcar hoje o aumento de produção não é o aumento do tempo de trabalho mas a melhoria da sua qualidade e da sua gestão, ao mesmo tempo que se garante a melhoria das condições do trabalho, que passa pelo direito ao descanso e ao lazer.
Os verdadeiros empresários sabem que proporcionar qualidade de vida aos seus empregados gera, a prazo, benefícios para as suas empresas.
Por sua vez, a actual crise económica e financeira só se pode combater com medidas de equidade fiscal, salarial, e de perseguição à fraude e ao compadrio, essas sim capazes de gerar riqueza para o país.
Claro que entre uma parte ignorante da população, ainda marcada pela realidade rural das suas origens, a demagogia desse discurso anti-feriado , contra o lazer e o descanso, continua a ter impacto entre as elites que governam a economia, a política e a informação deste país atrasado, e, cortar nos feriados e aumentar o horário de trabalho, ainda por cima sem contrapartidas salariais, ainda cai muito bem entre uma parte do eleitorado….veremos até quando!
…Só quem não trabalha, ou trabalha mal, ou tem a consciência pesada sobre a sua própria utilidade produtiva para o país, é que desvaloriza, de forma muitas vezes boçal, o direito ao lazer e ao descanso.
Vamos gozar o carnaval, gozando com quem pensa que nos goza….
1 comentário:
Li o teu texto de fio a pavio e adorei. Falaste, Venerando, e disseste o que muitos de nós pensam. Não imagino como vai ser o dia de aulas na terça-feira gorda, nesta nossa terra.
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