Não sou católico, embora tenha sido baptizado.
Contudo, não tenho dúvidas que muitos dos meus valores são o que são porque nasci num país católico e, por isso, não lhes sou indiferente .
Nunca li a Bíblia, a não ser de modo indirecto, através da arte que se inspirou no seu conteúdo, nomeadamente na pintura e no cinema.
Porque no meu tempo era obrigatório a frequência da disciplina de religião e moral, onde tive aulas de um padre “liberal”, como o era o padre Joaquim Maria de Sousa, que não nos obrigava a saber de cor os princípios da Igreja, antes procurava transmitir os valores católicos através de visitas guiadas ao património local ou à apresentação de episódios da Bíblia através dos recursos audiovisuais então disponíveis (diaporamas e filmes), e mais tarde com o Padre Brito que discutia connosco, de modo aberto os problemas que nos preocupavam enquanto adolescentes, é dessa disciplina, conjuntamente com as aulas de História da Cecília Travanca ou as de Geografia de Mário Fernandes, que guardo boas memórias.
Não aprendi muito sobre a Bíblia, embora seja uma obra sobre a qual tenho alguma curiosidade, mas aprendi a gostar de arte e do património, já que, neste cantinho, só podemos apreciar arte conhecendo o papel histórico e ideológico da Igreja, e também aprendi a gostar muito de artes visuais (o cinema, a fotografia, a banda desenhada).
Tenho por mim que a Bíblia, tanto pode ser um manancial de bons costumes, como, lida de forma dogmática, um manual para os maiores crimes da humanidade ( a Inquisição e, no mínimo, a indiferença face ao holocausto, são exemplos disso).
Também sei separar o Velho do Novo Testamento, o primeiro transmitindo a ideia de um Deus vingativo, autoritário e arrogante, o segundo mais humano, ou não nos contasse ela uma história baseada na realidade histórica.
Por tudo isso percebo, mas não subscrevo, as afirmações de Saramago. De facto, lida de forma dogmática, a Bíblia “é um manual de maus costumes”, de facto, o modo dogmático como funcionam muitas instituições religiosas, cristãs, judaicas ou muçulmanas, têm levado aos maiores crimes contra a humanidade. A tentativa de imitar o mesmo dogmatismo por parte de “religiões” político-ideológicas, como o nazismo ou o stalinismo, é responsável pelos crimes que sobram.
Não subscrevo as afirmações de Saramago, porque revelam um jacobinismo que se esperava morto e enterrado, ditas num país, como Portugal, onde a actual Igreja Católica Portuguesa é liderada por uma geração de gente muito culta e aberta, ao contrário, por exemplo, da Igreja Espanhola, ultra-conservadora e ultra reaccionária.
Há contudo que dar o devido desconto.
A Obra de Saramago vale mais do que as suas já habituais declarações públicas, descabeladas, incoerentes e muitas vezes ignorantes, assim como a Bíblia vale mais do que a interpretação que muitos procuraram fazer dela ao longo dos tempos, para justificar os crimes mais hediondos e os costumes mais desumanos.
2 comentários:
Quem é que diz que o rato Mickey não existe?
Eu já o vi, em Anaheim, à porta da Disneylandia, numa picket line.
Estou muito de acordo com o teu texto.
Fernando Sarzedas
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