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sexta-feira, 24 de abril de 2009

O respigo da semana - 6 - Moedas Duarte

Hoje escolhemos para esta secção um texto de Joaquim Moedas Duarte, publicado no seu blog Ao Rodar do Tempo (http://aorodardotempo.blogspot.com/), no passado dia 21, muito actual e acutilante, sobre o significado do 25 de Abril.
Intitulado "Valeu A pena? - Carta a um jovem da geração traída", teve como mote um poema de Luís Filipe Cristovão, autor de outro blog com interesse, "O homem que queria ser luis filipe cristovão" (http://luisfilipecristovao.blogspot.com/).
A resposta deste último completa o sentido do texto do Moedas, por isso também o incluimos neste post:

"Carta a um jovem da geração traída*

"Pego no teu livro, meu caro Luís, e sinto a boca seca apesar da leitura silenciosa que faço dos teus versos: “Sou apenas mais um daqueles / de quem se poderá dizer /que pertencem / a uma geração traída.”
"Vi-te crescer por entre os nossos comícios e sessões de esclarecimento, as eleições primeiras para essa novidade absoluta que eram as autarquias nas mãos do povo ou as intermináveis reuniões das comissões de moradores.
"Tínhamos a ilusão de construir um mundo novo sobre as ruínas de um Estado Velho que nos empurrara para o beco do «orgulhosamente sós» da guerra colonial, esse absurdo histórico. "Provavelmente não nos preocupámos muito contigo, ocupados que estávamos em te garantir a herança de um país bem diferente, radicalmente melhor, onde tu fosses, finalmente, feliz!
"Mas, trinta e cinco anos depois, leio o teu profundo desencanto:«E aqui onde me encontro, / onde nos encontramos, / eu e a minha geração, / sabemos agora que tudo isso valeu nada / porque sentimos / exactamente / as mesmas dores / as mesmas balas / mas em forma de / desemprego / salário mínimo nacional / emprego desqualificado / & etc e tal.»
"Procuro consolar-te com a LIBERDADE em que vives, que nós não tínhamos antes daquele ano de 1974. E recebo em pleno rosto o teu desabafo, irónico e tão doloroso:«Fizeram-nos infelizes / ou felizes sem razão / fizeram-nos fanáticos da bola / ignorantes da filosofia / sem partido / sem religião / sem entrada / e / sem saída profissional. / Agora casamo-nos / e divorciamo-nos/ rapidamente. // Tudo é uma questão / de margem de lucro.»
"Deixa-me que te diga, meu jovem Luís: nós não traímos a tua geração! Naqueles anos 74/75, acreditámos ingenuamente num futuro melhor para nós e para ti. Não sabíamos ainda que os exércitos marcham à velocidade dos mais lentos ou dos mais manhosos e calculistas.
"Os capitães que partiram as grades não quiseram parecer interesseiros e entregaram as chaves aos velhos carcereiros. E agora, que é de novo madrugada e o calendário diz que passam 35 anos depois daquele memorável 25, vemos passar na rua um jaime general enquanto todos os salgueiros maias vivem em presídios bolorentos.
"Os chefes desta república bebem, outra vez, o sangue fresco da manada e o povo, desiludido, deixou de gritar que “jamais será vencido”.Sim, Luís, ainda há quem acredite que o 25 de Abril valeu a pena. Mas muitos limitam-se a verificar que ganharam a liberdade mas perderam a segurança – trucidados pela eterna oposição entre esses dois pólos da vida humana!
"Agora, que se faz tarde para mim, quero acreditar em ti e na tua geração. Que vocês não vão ficar aí parados a gemer queixumes. Que têm uma palavra a dizer, uma carta a jogar, um país a refazer. Eu sei que não são fáceis as madrugadas redentoras.
"Mas ainda acredito, ainda acredito. Porque sem esperança a História é uma engrenagem sem sentido.
"* A partir do livro A Cabeça de Fernando Pessoa, de Luís Filipe Cristóvão. O autor nasceu em 1979. Edição Ardósia, S/L, 2009.

"Luís Filipe Cristóvão disse...
"não me caberá a mim justificar o meu próprio texto, bem o sei.
"mas julgo que haverá algo a acrescentar.
" como bem perceberá, estou longe de considerar que o 25 de abril não valeu a pena. muito menos que a minha geração seja a única geração que se possa sentir traída. nada disso. acho até que o texto, apesar de algumas referências temporais (quase todas aos anos 80), tem dados com que muita gente se identificará. a traição sentida não é pela promessa da liberdade, não pode ser. "a traição é pela promessa de conhecimento, de evolução, de camaradagem, tudo coisas que nunca foram cumpridas.
"talvez, mais do que colar este texto ao 25 de abril, me pareça que faz sentido colá-lo à nossa entrada para a união europeia (coisa que também vejo, historicamente, como inevitável).
"no entanto não posso calar que aquilo que nos foi prometido sucessivamente, e principalmente pelos senhores Cavaco Silva e Mário Soares (e por todos aqueles que com eles estiveram nos diferentes momentos da história), não se cumpriu. não se cumpriu mesmo! e tanto mais doloroso isto pode ser, que Cavaco Silva beneficiou de maiorias e votações de toda a direita, tal como Mário Soares chegou a ter largas votações e apoios em todos os partidos da esquerda.
"agora, vitimização, não. uma geração, mesmo que traída, nunca é vítima. as vítimas são aqueles que acreditaram e deixaram de acreditar.
"a nós, deram-nos a possibilidade de sermos, talvez, a geração mais cínica da história de portugal.
"e talvez, por isso mesmo, continuemos a lutar. um texto como este (até pela repercussão que tem aqui) é uma boa forma de não baixar a guarda.um abraço, professor."
(23-04-2009 14:07 )

2 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

SeMuito sensibilizado pela tua leitura!
Abraço

JMD

Luis F. Cristóvão disse...

há mais aqui: http://avidanestepaisaquiagora.blogspot.com/2009/04/nao-va-de-maduro-o-maio-cair.html