Esta semana respigámos este texto, publicado por Baptista Bastos no Jornal de Negócios:
"Somos os primeiros em todas as desgraças. E o discurso oficial declama que as coisas não estão tão más quanto a Imprensa o diz. A verdade, por muito dolorosa que seja, não faz parte das inclinações do Governo. Pode-se compreender que o papel daqueles senhores será o de amenizar as angústias colectivas. Mas, que diabo!, tapar o sol com a peneira já deixou de ser ridículo: é uma indignidade.
As estatísticas forneceram-nos dados sobre as novas iniquidades. Há dois milhões de portugueses a viver na faixa da pobreza. E a mancha não vai parar por aqui. Pessoas que tinham emprego, a vida organizada, um sorriso nos lábios, ficaram desempregadas, muitas foram corridas das casas por ausência de pagamento, entraram nas fileiras dos sem-abrigo, estão crucificadas na própria dor.
Entretanto, os mesmos jornais que nos aviam estas pavorosas informações, falam-nos dos vencimentos faraónicos dos “gestores” e das indemnizações auferidas logo-assim vão embora das administrações onde exerciam cargos. O número de “gestores” que infestaram o tecido social português é de bradar aos céus. Até o dr. Cavaco se pronunciou sobre o escândalo, embora a anomalia, até hoje, não tenha sido corrigida.
O problema é que nem os chamados “jornais de referência”, nem um certo semanário, de grave aparência e futilidade dissimulada, vez alguma se dedicaram, com seriedade, insistência e rigor, a revelar os aspectos mais vergonhosos e sórdidos deste assunto. “Quanto custa um rico a um país?”, inquiriu Garrett, na obra-prima “Viagens na Minha Terra.” Quanto custa um “gestor” a Portugal?, pergunto eu, modesta e humildemente. Uma vistoria do impropriamente designado “jornalismo de investigação” conduziria, inevitavelmente, a um caudal de escândalos.
Os ordenados, as gratificações por “objectivo”, as mordomias, as benesses, os privilégios obtidos pelos “gestores” atingem as zonas da obscenidade. Nunca, jamais, em tempo algum esse assunto (essa “matéria”) mereceu honras de primeira página e reportagens desenvolvidas.
Os problemas mais graves da nossa sociedade são minimizados, e o que, normalmente, constituiria frivolidade é colocado no alto da pirâmide. Os “teóricos” da “distanciação” possuem, aqui, um aliado poderoso. Distanciam-se, cada vez mais, do essencial e impõem o supérfluo. Ignoram, com falácias de “modernidade”, o que nos cerca, divide e domina. As emoções são suprimidas. Os sentimentos cada vez mais limitados. E as palavras, o vocabulário, revelam a franciscana pobreza de quem circunscreve o idioma ao linguajar dos eguariços.
Dois milhões de pobres! Vinte por cento da população portuguesa sobrevive entre a miséria e a falta de perspectivas. Avisam-nos que o número vai aumentar. Tudo o que é negativo, no nosso pobre país, vai aumentar: o desemprego, as falências, a desistência de alunos nos cursos superiores, a corrupção, a inércia desacreditante das autoridades. Como se canta no último álbum dos Xutos & Pontapés (já no YouTube): “Anda tudo do avesso/Nesta rua que atravesso./Dão milhões a quem os tem/Aos outros um passou bem. Não consigo perceber/Quem é que nos quer tramar/Enganar, Despedir/E ainda se ficam a rir/Eu quero acreditar/Que esta merda vai mudar/E spero vir a ter/Uma vida bem melhor.”
Há um descontentamento generalizado, ante o qual os sorrisos de José Sócrates surgem como uma demonstração pornográfica. Afirmam os ministros e seus apaniguados que atenuam as situações para não causar pânico. Bom: a ignorância ou a imbecilidade destes cavalheiros faz mossa. Então, desconhecem o que se passa no País? Os novos pobres juntam-se aos velhos pobres e formam legião. Mesmo que a comunicação social seja avara em imprimir manchetes, e que as televisões abram os noticiários com a chacina do futebol (que se converteu numa imoralidade jornalística, por acrítica); mesmo que a cegueira cívica seja imposta por um analfabetismo irremediável - não é já suportável que o Governo vire a cara para o lado.
Vinte por cento da população portuguesa sobrevive entre a miséria e a falta de perspectivas - repito. Os pais abandonam os filhos; a fome ataca os nossos miúdos; os nossos velhos andam por aí, meio tolos, meio espantados; homens e mulheres com mais de trinta e cinco anos não encontram trabalho (não é emprego: isso é para os “gestores”; é trabalho); os suicídios, no Alentejo, multiplicam-se; operários altamente qualificados tentam ganhar a vida no estrangeiro, em tarefas menores. O panorama é deprimente. E as acções governamentais quedam-se em resultados inválidos ou em perdas de milhões entregues a multinacionais, que escapam para países de mão-de-obra ainda mais barata do que a portuguesa.
Tem-se a sensação da inutilidade dos senhores do mando. E acentua-se a ideia de que somos tratados como matóides ou mentecaptos, sem vontade própria, e acossados pelo medo de tudo. Os portugueses estão cercados pelas maiores misérias e angustiados e perplexos por não saberem o que fazer e como reagir.
Esperamos, quê? Jorge de Sena, há muitos anos, já tinha perguntado: “Que Portugal se espera em Portugal?” Nunca soubemos responder."
As estatísticas forneceram-nos dados sobre as novas iniquidades. Há dois milhões de portugueses a viver na faixa da pobreza. E a mancha não vai parar por aqui. Pessoas que tinham emprego, a vida organizada, um sorriso nos lábios, ficaram desempregadas, muitas foram corridas das casas por ausência de pagamento, entraram nas fileiras dos sem-abrigo, estão crucificadas na própria dor.
Entretanto, os mesmos jornais que nos aviam estas pavorosas informações, falam-nos dos vencimentos faraónicos dos “gestores” e das indemnizações auferidas logo-assim vão embora das administrações onde exerciam cargos. O número de “gestores” que infestaram o tecido social português é de bradar aos céus. Até o dr. Cavaco se pronunciou sobre o escândalo, embora a anomalia, até hoje, não tenha sido corrigida.
O problema é que nem os chamados “jornais de referência”, nem um certo semanário, de grave aparência e futilidade dissimulada, vez alguma se dedicaram, com seriedade, insistência e rigor, a revelar os aspectos mais vergonhosos e sórdidos deste assunto. “Quanto custa um rico a um país?”, inquiriu Garrett, na obra-prima “Viagens na Minha Terra.” Quanto custa um “gestor” a Portugal?, pergunto eu, modesta e humildemente. Uma vistoria do impropriamente designado “jornalismo de investigação” conduziria, inevitavelmente, a um caudal de escândalos.
Os ordenados, as gratificações por “objectivo”, as mordomias, as benesses, os privilégios obtidos pelos “gestores” atingem as zonas da obscenidade. Nunca, jamais, em tempo algum esse assunto (essa “matéria”) mereceu honras de primeira página e reportagens desenvolvidas.
Os problemas mais graves da nossa sociedade são minimizados, e o que, normalmente, constituiria frivolidade é colocado no alto da pirâmide. Os “teóricos” da “distanciação” possuem, aqui, um aliado poderoso. Distanciam-se, cada vez mais, do essencial e impõem o supérfluo. Ignoram, com falácias de “modernidade”, o que nos cerca, divide e domina. As emoções são suprimidas. Os sentimentos cada vez mais limitados. E as palavras, o vocabulário, revelam a franciscana pobreza de quem circunscreve o idioma ao linguajar dos eguariços.
Dois milhões de pobres! Vinte por cento da população portuguesa sobrevive entre a miséria e a falta de perspectivas. Avisam-nos que o número vai aumentar. Tudo o que é negativo, no nosso pobre país, vai aumentar: o desemprego, as falências, a desistência de alunos nos cursos superiores, a corrupção, a inércia desacreditante das autoridades. Como se canta no último álbum dos Xutos & Pontapés (já no YouTube): “Anda tudo do avesso/Nesta rua que atravesso./Dão milhões a quem os tem/Aos outros um passou bem. Não consigo perceber/Quem é que nos quer tramar/Enganar, Despedir/E ainda se ficam a rir/Eu quero acreditar/Que esta merda vai mudar/E spero vir a ter/Uma vida bem melhor.”
Há um descontentamento generalizado, ante o qual os sorrisos de José Sócrates surgem como uma demonstração pornográfica. Afirmam os ministros e seus apaniguados que atenuam as situações para não causar pânico. Bom: a ignorância ou a imbecilidade destes cavalheiros faz mossa. Então, desconhecem o que se passa no País? Os novos pobres juntam-se aos velhos pobres e formam legião. Mesmo que a comunicação social seja avara em imprimir manchetes, e que as televisões abram os noticiários com a chacina do futebol (que se converteu numa imoralidade jornalística, por acrítica); mesmo que a cegueira cívica seja imposta por um analfabetismo irremediável - não é já suportável que o Governo vire a cara para o lado.
Vinte por cento da população portuguesa sobrevive entre a miséria e a falta de perspectivas - repito. Os pais abandonam os filhos; a fome ataca os nossos miúdos; os nossos velhos andam por aí, meio tolos, meio espantados; homens e mulheres com mais de trinta e cinco anos não encontram trabalho (não é emprego: isso é para os “gestores”; é trabalho); os suicídios, no Alentejo, multiplicam-se; operários altamente qualificados tentam ganhar a vida no estrangeiro, em tarefas menores. O panorama é deprimente. E as acções governamentais quedam-se em resultados inválidos ou em perdas de milhões entregues a multinacionais, que escapam para países de mão-de-obra ainda mais barata do que a portuguesa.
Tem-se a sensação da inutilidade dos senhores do mando. E acentua-se a ideia de que somos tratados como matóides ou mentecaptos, sem vontade própria, e acossados pelo medo de tudo. Os portugueses estão cercados pelas maiores misérias e angustiados e perplexos por não saberem o que fazer e como reagir.
Esperamos, quê? Jorge de Sena, há muitos anos, já tinha perguntado: “Que Portugal se espera em Portugal?” Nunca soubemos responder."
Baptista Bastos
in Jornal de Negócios , 17 de Abril de 2009
Sem comentários:
Enviar um comentário