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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O Respigo da Semana - Pedro Lomba e o 1º de Dezembro.

Não deixa de ser irónico que se comemore hoje, dia da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, um outro dia tão caro aos egos patrioteiros e nacionalistas que ainda por aí vão sobrevivendo.

Esse 1º de Dezembro de 1640, no meu tempo, era dia de desfile pelas ruas cá do burgo da Mocidade Portuguesa (MP) e da Legião Portuguesa.
O meu pai tinha conseguido negociar como o reitor do Liceu, onde eu estudava, que eu fosse dispensado de frequentara a MP, caso raro, penso eu.
Ainda criança, sem consciência política, lamentava, todos os Primeiros de Dezembro, não poder desfilar com os meus colegas, devidamente fardados, pela ruas da então vila de Torres Vedras, e invejava aquele rufar de tambores.
Hoje, à distância, agradeço ao meu pai aquela iniciativa. Sou dos poucos da minha geração que se pode gabar de nunca ter vestido uma farda da MP.
Actualmente, integrados na União Europeia, o 1º de Dezembro é uma data quase surrealista, ainda por cima comemora o facto de uns nobres, descontentes com o facto de terem perdido, com Filipe IV a influência que Filipe II lhes tinha garantido, resolveraem morder a mão de quem lhes tinha dado de comer ao longo de 80 anos, em troca de reprimirem ferozmente, durante todo esse tempo, qualquer tentativa, por mais leve que fosse, de revolta popular, essa verdadeiramente genuína e patriótica.
Por tudo isso, parece-me bastante certeira a crónica de hoje de Pedro Lomba no Público, que escolhemos como “Respigo da Semana”:

“Patriotismo remix

Por Pedro Lomba


“O nosso 1.º de Dezembro é um feriado virtual. Como todos os feriados históricos, aliás. A data simboliza o dia que Portugal se rebelou contra o domínio filipino, quando um grupo de conspiradores foi até ao Paço da Ribeira exigir à duquesa de Mântua que abdicasse do estatuto de regente. "Vossa Realeza deseja sair por esta porta ou por aquela janela?", foi o convite em modos suaves que lhe fizeram. A duquesa optou pela porta e uma Revolução educada, como quase sempre foram as nossas revoluções, pôde começar.
O que se comemora é a independência do país contra um invasor estrangeiro. Mas, hoje, isto da independência significa o quê? Além de virtual, o feriado parece anacrónico. Já não temos nem independência, nem invasores que não tivéssemos consentido ou desejado. O sentimento de sermos independentes na política não esconde o cardápio sombrio das nossas dependências económicas. Estamos em crise e mais dependentes do que nunca do exterior, de Espanha, de quem nos der a mão. A Europa salva-nos todos os dias de um destino de maior desgraça. Neste caso, a dependência só tem sido uma bênção.
A celebração da nossa independência também não esconde as muitas dependências individuais com que cada um vive a sua vida. Em Portugal acumulamos listas indetermináveis de dependências. Dependemos do Estado e, como por cá o Estado se confunde com o Governo, estamos sempre à mercê de quem ganha as eleições. Dependemos de mil e uma leis e regulamentos e de mil e uma interpretações sobre essas leis e regulamentos, de funcionários que dependem de outros funcionários e de superiores que dependem de outros superiores, dos poderes do fisco e dos corredores sinistros da nossa justiça abstrusa e encaracolada. Basta sermos apanhados pelas malhas de um para não sabermos o que esperar. Numa magnífica entrevista ao i, António Barreto explicou o mecanismo psicológico da dependência que continua a crescer entre nós. A dependência é a incubadora do medo e do silêncio. E o medo e o silêncio são os piores inimigos duma democracia livre.
O que há para comemorar então no 1.º de Dezembro?
Há pouco tempo pus-me a pensar na seguinte pergunta: será legítimo uma pessoa gostar e defender o seu país se este, longe de ser recomendável, decente e organizado, for antes um país sem futuro, cheio de oportunistas, cleptomaníacos e governantes sem escrúpulos? Teremos algum dever moral de defender um país que parece ter sido capturado por uma rede de predadores que usa o poder em seu próprio benefício?
Para alguns a resposta é fácil: "o meu país, certo ou errado". Mas este patriotismo retórico nunca me convenceu. O patriotismo não pode ser a exaltação das virtudes de um país contra os outros, nem assistir resignado ao nosso envilecimento colectivo. Para minha informação, o meu amigo Eduardo Nogueira Pinto fez-me ver há tempos que aquela frase célebre tem uma formulação mais completa: "O meu país, certo ou errado: se certo, que se mantenha certo; se errado, que se torne certo".
Quer dizer então que a liberdade de existirmos como país não serve de nada se não formos exigentes, críticos, insatisfeitos, até que os aldrabões e os governantes sem escrúpulos saiam dos lugares que ocupam. Os conjurados de 1640 estavam descontentes com quem os governava e resolveram por isso agir. Este é o único sentido de independência que ainda nos sobra. Já que este país é o nosso, não vamos deixar que no-lo estraguem ainda mais. É uma luta permanente. Jurista”

In Público de 1 de Dezembro de 2009

1 comentário:

André Grilo disse...

Muito bom este artigo.

Portugal é sem dúvida um País sem futuro.

Andamos à deriva há muitos anos e com uma corrupção crescente.
Estamos na eterna espera que tudo resulte um dia, que as supostas apostas dos diversos governos se tornem realidade e nos salvem.
A Educação de mal a pior, a Tecnologia nem vê-la (só se vêem câmaras eólicas... bons negócios para quem pode, que são a minoria). A indústria, na maioria estrangeira, mas que tem a virtude de empregar e pagar os tão desejados impostos ao Estado, desaparece todos os dias.

As pequenas e médias empresas(PME), que devem ser o motor de um País pequeno como o nosso, o governo nos últimos anos afogou-as com impostos e regularizações de anos anteriores, independentemente do estado em que estas se encontrassem, pudessem ou não pagar... “Pode pagar, muito bem, então pague. Não pode pagar, não faz mal penhoramos o que há e vai para falência”.
Veio a crise e... o governo para não ficar mal na fotografia salvou um Banco da falência, muito bem... mas deixou as PME praticamente entregues a si mesmas, passado algum tempo abriu umas linhas de crédito muito fraquinhas para não dizer que nada fez.

Temos depois o problema da mentalidade Portuguesa, que eu penso que esteja a mudar, mas lá está ainda não se vê... que é eu tenho só direitos, os deveres cumpram os outros.
Venha a mim, depois venha a mim e depois ainda a mim e por fim se sobrar qualquer coisa pode ser que te dê alguma coisa, mas não esperes que te dê sempre, só levas desta vez.
No atendimento ao Público, especialmente quem trabalha para o Estado. Ainda nos dias que correm acontece: “Fechamos ás 16 horas”, mas são 15:25 e a máquina já não dá senhas. Deveriam então mudar o layout de todos os estabelecimentos Públicos para “deixamos de trabalhar ás 16, porque ás 16:30 queremos estar a sair daqui”.
Sem um bom atendimento e simpatia os turistas fogem.

Em Portugal o humor de quem atende é variável, podemos ter a sorte de ser atendidos com simpatia como não.

Enfim... talvez um dia Portugal seja totalmente governado pela Europa e nessa altura as coisas andem.
Se assim for é triste, muito triste, mas quem sabe, na ausência de grandes homens talhados para grandes causas e de um sistema corrupto instalado como temos, seja esta a solução. A realidade, neste momento é uma só: os anos passam, o essencial não se resolve (reformas estruturais onde andam elas?) e os problemas aumentam.

Um abraço a todos... e... continuação de boas selecções de artigos Venerando. :)

André Grilo