(cartoon de Antero Valério)
A legitimidade eleitoral, o regresso da direita, a entrada do FMI e os custos financeiros de um acto eleitoral, são alguns dos argumentos usados para defender a manutenção do actual governo.
Esses argumentos seriam aceitáveis se vivêssemos uma situação normal ou se não tivéssemos uma pessoa como José Sócrates à frente dos destinos do país.
Até há umas semanas atrás também eu defendia que este governo se devia manter até ao fim da legislatura, embora não concordando com as suas políticas.
O governo tinha a legitimidade democrática dos resultados das últimas eleições.
Acontece que este governo tem vindo a acentuar o seu carácter autoritário nos últimos tempos, escondendo do país a verdade da situação financeira e, mais grave ainda, negociando nas costas de todos compromissos com União Europeia, que depois vem impor como factos consumados.
É que, se este governo tem legitimidade eleitoral para governar, deve respeitar essa mesma legitimidade que, recorde-se, retirou a Sócrates a anterior maioria absoluta, o que o obrigava a negociar com a oposição as medidas a tomar, principalmente se estas têm impacto em todo o País e na vida de todos (ou quase todos) os cidadãos.
Recorde-se igualmente que este governo foi eleito com base num programa e em princípios políticos social-democratas que têm vindo a ser sistematicamente atirados para o caixote do lixo pelos sucessivos PEC’s.
Por isso, a não ser formalmente, este governo já perdeu toda a legitimidade eleitoral que tinha.
Quanto ao medo do “regresso da direita”, só por facciosismo e cegueira política se pode divisar alguma diferença entre as acções deste governo e aquilo que qualquer governo de direita faria em iguais circunstâncias. Ninguém é de “esquerda” ou de “direita” só porque diz que o é. São a opções e a prática política que permitem aferir esse posicionamento, para além do facto de essa demarcação ser, nos nossos dias, cada vez mais ambígua.
Em nome da “esquerda” praticaram-se, por esse mundo fora, e ao longo da história, as maiores atrocidades contra a humanidade e, em nome da “renovação” da esquerda, a maior parte da social-democracia e do trabalhismo europeus deixaram-se cair nos braços do mais abjectos princípios do neo-liberalismo, uma outra forma de crime contra a humanidade .
Por seu lado, muita gente conotada com a “direita” defende coisas, no campo social e económico , muita mais humanas e progressistas, do que aquilo que foi a acção deste governo. Basta ouvir uma certa direita coerente com os verdadeiros princípios democratas cristãos, para se perceber que têm ideias de justiça social e económicas muito mais avançadas e “à esquerda” do que aquelas que têm sido postas em prática por Sócrates.
Recordo ainda que foi num governo de direita, o de Cavaco Silva, que se atenuaram as grandes desigualdades sociais que existiam em Portugal, se criaram condições para uma verdadeira mobilidade social e que melhor se lidou com os funcionários públicos e os professores .
Por isso, embora não tenha ilusões, a direita também não me mete medo. Medo mete-me o pântano para onde José Sócrates conduziu o país. A crise internacional ajudou, mas o governo de Sócrates, quer pelo que fez antes da crise, quer pela cegueira como lidou com ela, potenciou fortemente os seus efeitos.
Em relação ao medo que se está a lançar sobre uma intervenção do FMI, não deixa de ser irónico que ele venha principalmente dos mesmos meios financeiros, económicos e jornalísticos que sempre aplaudiram as medidas anti-sociais de José Sócrates.
Em primeiro lugar o resgate financeiro, do qual já não podemos fugir, com ou sem José Sócrates, mas devido à incompetência deste, não será feito pelo FMI, mas pela Comunidade Europeia com a colaboração daquela organização financeira.
Em segundo lugar, as tão temidas receitas financeiras do FMI já estão a ser postas em prática pelos sucessivos PEC´s.
Estou convencido que, se o tão temido FMI entrar por cá directa ou indirectamente, já não vai ter campo de manobra para aumentar a austeridade sobre as classes médias e os desfavorecidos, mas vai aplicá-las penalizando os sectores que até agora têm escapado à crise, como o sector financeiro, as grandes empresas estatais, as megalómanas obras públicas deste governo e todos os privilégios dos “boys” , institutos, fundações e parcerias público-privadas. Daí serem estes mesmos sectores que mais nos apoquentam como o papão do FMI.
Por último, os custos de um acto eleitoral são os custos próprios de um regime democrático, nada que ultrapasse certos gastos sumptuosos de que este governo tem abusado nalguns sectores do Estado ou em benefício da sua clientelas.
Não sei se o que aí vem é melhor ou pior, mas não podemos eternizar este pântano, de PEC em PEC até um FMI final que, quanto mais tarde vier, mais penalizador vai ser.
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