Vou começar por contar uma história:
Era uma vez alguém que teve de trabalhar em empregos precários para poder tirar uma licenciatura, porque tinha ficado sem pai e tinha de pagar um quarto em Lisboa. Antes já tinha trabalhado os três meses de Verão como vigilante numa piscina, para ter algum dinheiro extra para apoiar as necessidades do curso que ia começar a frequentar em Lisboa.
Escusado é dizer que esse tempo de trabalho nunca foi contabilizado para efeitos de reforma.
Fez o primeiro ano em part-time num escritório em Lisboa, onde ia à tarde, depois das aulas. No fim do ano teve de deixar o quarto e as alternativas que encontrou não se enquadravam na sua bolsa, pelo que resolveu deixar o escritório e voltar para casa da mãe na terra natal, arriscando estudar um ano sem trabalhar, gastando o menos possível, o mínimo para um passe de comboio e outro de metro, e para as refeições nas cantinas da faculdade.
Durante esse ano levantava-se todos os dias às 5.30 da manhã para apanhar um comboio até ao Cacém, onde tinha de apanhar outro comboio a abarrotar de gente até ao Rossio. Depois ia de metro, também a abarrotar, até à ultima estação que era em Entre Campos e ia a pé até à Faculdade de Letras para começar com aulas às 8 horas, pelo dia fora.
Nos dois anos seguintes começou novamente a trabalhar, de forma precária e parcial, a substituir grávidas em baixa de parto no ensino, com horários por vezes incompletos e apenas durante alguns meses. Em dois anos passou por três ou quatro escolas, trabalhando, no total, uns 7 ou 9 meses.
Num desses anos, para ir dar aulas numa freguesia remota do concelho onde vivia, saia das aulas na faculdade, em Lisboa, apanhava um autocarro até Algés para ter boleia de um colega que ia para essa escola, para a qual não existiam quase transportes e os que existiam, apesar da distância curta, do ponto de vista geográfico (uns 10 quilómetros…), faziam o percurso em cerca de uma hora, percurso que fazia todos os dias, para regressar a casa, depois de acabar de dar aulas, para voltar no dia seguinte a apanhar o comboio para Lisboa…
No último ano do curso já estava a dar aulas com um horário completo, mas numa disciplina diferente daquela para a qual estudava. A partir daí, e durante dez anos, embora não tenha conhecido o desemprego, estava numa situação de precariedade, pois tinha de concorrer a concursos nacionais todos os anos. Se não fosse colocado não tinha qualquer direito a subsidio de desemprego.
Claro que o salário era baixo, não havia dinheiro para comprar carro, nem para tirar carta, e muito menos para comprar casa ou viajar par muito longe.
Sujeitou-se durante três anos a trabalhar longe de casa, dois anos em Vila Franca de Xira, para onde tinha se deslocar todos os dias numa camioneta, que era mudada a meio do percurso, que partia de Torres Vedras às 6 da manhã (sem ar condicionado…) e levava hora e meia a fazer um percurso de uns 40 Quilómetros, outro tanto na volta.
Outro ano foi parar ao Algarve, sujeitando-se a "ganhar para aquecer", já que teve de alugar casa, que teve de trocar por um quarto nos meses de Verão, pagando quase tanto como o que pagava pala casa alugada em Torres Vedras, não lhe sobrando um tostão no fim do mês, sujeitando-se muitas vezes a comer durante vários dias do mesmo prato de arroz que confeccionava no início da semana e que durava uns cinco dias, pois não se podia dar ao luxo de comer fora numa terra onde os preços eram elaborados para os turistas ingleses e alemães que enxameavam aquela terra Algarvia durante todo o ano.
Quando regressou à terra natal, a partir do início da década de 90, já com cerca de 35 anos, a situação melhorou alguma coisa. Passou a ter condições para fazer algumas viagens, tirou a carta, acabou por ser quase obrigado a comprar um carro (em segunda mão), pode comprar casa e já com 42 anos, ter uma filha. Foram cerca de dez anos em que parecia que todas as dificuldades pelas quais tinha passado tinham valido a pena. Ganhou ainda ânimo para tirar um mestrado, mais uma vez à sua custa e nas horas vagas que sobravam ao trabalho e que retirava ao convívio com a família e os amigos.
Mesmo assim teve de recorrer muitas vezes a duplo emprego, pago a recibos verdes, porque o salário de professor, ao contrário de muitas falácias por aí perpetradas, é baixo para a responsabilidade e para a formação que é exigida.
Com a entrada no novo século, um século que nos encheram os ouvidos como sendo o “amanhã que canta”, começou a trilhar-se o caminho do neo-liberalismo, desrespeitando-se cada vez mais o factor trabalho, meteram-nos no euro sem preparar o país para isso e o resultado está à vista. Ao longo dos últimos dez anos todos os que viviam do seu trabalho viram o seu nível de vida estagnar ou, pior ainda, desfazer-se no desemprego e no acentuar da precariedade. Pessoalmente ganha hoje menos do que ganhava há …seis anos atrás.
Por tudo isso, a pessoa da história, apesar de já ter 55 anos, também pertence à geração à rasca, pois viveu a maior parte da sua vida “à rasca” e não queria isso para as gerações mais novas.
Aquilo que muitos reclamam como sendo a “modernidade”, os salários baixos, a flexibilidade dos empregos, a precariedade e o desemprego, é um grande retrocesso social e um crime contra a humanidade, perpetrado por políticos, banqueiros, financeiros, economistas, apoiados ideologicamente por comentadores, politólogos, economistas e professores de gestão.
Por isso estou com esses jovens que amanhã se manifestam um pouco por todo o país, sejam quais forem as consequências dessa iniciativa.
…É tempo de dizer BASTA!
1 comentário:
A geração enrascada já chegou ao nó do problema: os partidos. Agora é preciso que não ate outro nó e queira passar de todo sem eles.
Venerando, Amigo, o princípio da solução é o partido abelha. Está em http://partidoabelha.blogspot.com e no facebook.
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