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domingo, 24 de maio de 2009

Que Construção Europeia?

O meu cepticismo em relação à construção europeia deve-se em parte á minha própria formação académica, onde se destaca a importância dada à identidade cultural como valor essencial da formação individual de qualquer cidadão consciente.
É que, no meu entender, aquele que devia ser preservado como principal valor de identidade europeia, que é o da própria diversidade cultural e histórica deste continente, tem sido totalmente desprezado pela actual geração de eurocratas.
Em vez da divulgação e preservação da sua diversidade cultural, em vez da valorização da rica experiência histórica dos diversos povos europeus, em vez da preservação e aprofundamento do original modelo social europeu, promove-se a uniformização económica, uma atitude cultural complexada face ao modelo do colosso americano e uma desregulamentação social para obedecer a meros interesses comerciais. Tudo isto acompanhado por um discurso burocrático, vazio de originalidade e criatividade, que é o que domina entre as instituições responsáveis pela construção europeia, incapaz de gerar qualquer entusiasmo e adesão por parte da maioria dos cidadãos europeus, como se comprova pelo elevado índice de abstenção nas eleições europeias, ou pela crescente desconfiança dos cidadãos europeus face ao futuro dessa construção europeia.
O facto de não acreditar no modo como está a ser construído o projecto europeu, não quero dizer que não acredite na necessidade de uma crescente aproximação entre os povos europeus e no facto de, apesar da sua diversidade, existirem valores comuns ente os povos europeus que é necessário preservar e aprofundar, nomeadamente o valor da democracia, o respeito pelas minorias, a liberdade cultural e criativa. Mas é exactamente por acreditar nestes valores europeus que vejo com algum cepticismo o actual modelo de construção europeia.
A forma como funcionam as instituições europeias é cada vez menos democrática, cada vez mais distante dos cidadãos; o respeito pelas minorias tem sido de certo modo posto em causa por discutíveis políticas de imigração; a liberdade cultural e criativa é cada vez mais marginalizada por uma sociedade incapaz de fugir à crescente política de estupidificação de massas, onde se confundem audiências com democracia e onde esta serve, cada vez mais, como alibi para um nivelamento por baixo da cultura e da educação.
Para terminar, queria referir uma situação concreta pela qual, quanto a mim, uma certa visão provinciana de construção europeia tem sido bastante prejudicial na formação dos nossos jovens : a situação do ensino da disciplina de História.
Acreditou-se, pelo menos, senão apenas em Portugal, que a melhor maneira de formar os nossos jovens para a cidadania europeia era criar uma mitológica “História Europeia”, onde a diversidade histórica dos vários povos europeus fosse esbatidas, como se não fosse de facto esta diversidade a própria originalidade histórica da Europa.
Assim, e no caso português, abandonou-se quase por completo a História de Portugal dos programas curriculares, aparecendo esta quase apenas como uma envergonhada nota de rodapé.
A pressa em nos apresentarmos como alunos exemplares da construção europeia fez esquecer que, pelo menos em termos pedagógicos, é muito mais fácil agarrar os jovens à disciplina de história se esta tratar de temas que lhe são próximos e com os quais se identificam, como a história local ou nacional, do que impor um modelo uniformizador. Devia-se partir do próximo para o distante, em vez de se fazer o contrário. Quem tem experiência lectiva sabe o entusiasmo com que os alunos participam nas aulas onde a história local ou nacional está presente, em contraste com o que se passa quando falamos de realidades históricas estranhas ou distantes.
Neste meu texto fugi propositadamente ao unanimismo dominante, porque sei que, mesmo fazendo declarações discutíveis e polémicas, este é o melhor contributo que se pode dar ao objectivo de uma Construção Europeia sem complexos e livre de constrangimentos e que a frontalidade de opiniões é a melhor maneira de consolidar um projecto generoso, mas que pode ruir devido à arrogância de certos “europeístas”.
Por vezes é preciso ter a coragem de apontar que “o rei vai nu” para salvar o reino.

(este texto foi escrito em 16 de Novembro de 2000, mas penso que, infelizmente, se mantém actual)

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