“Pertenço a um país, em que cerca de 38% dos que hoje votaram, defendem
objectivamente que:
“a) menino pobre é para trabalhar nas obras, escola para todos é um
luxo num país como o nosso;
“b) velhinho com baixa reforma deve aguentar a doença e ficar muito
grato se tiver uma consulta ao fim de 2 anos;
“c) quem trabalha deve contar o dinheiro e não comprar um brinquedo
para os filhos, porque o banco está a ir à falência e precisa que lhe paguem os
prejuízos;
“d) liberdade é escolher qual o patrão que nos vai escravizar e
deixarmos de estar desempregados, porque aceitamos receber uma esmola ou até
aceitamos receber apenas a promessa de que um dia, se nos esforçarmos muito,
pode ser que a cabeça bondosa do patrão nos compense;
“e) devemos resignarmo-nos e agradecer a Deus o pão de cada dia, quando
ele existe e rezar para que ele apareça amanhã, se hoje a mesa estiver vazia e
a mais não somos obrigados;
“f) pobre tem direito a emigrar e a sentir saudade ;
“g) os empresários devem ser socialmente protegidos porque, sem eles,
deixávamos de ser país; uma fábrica sem trabalhadores funciona normalmente,
agora sem patrões…
“h) dignidade da pessoa humana é coisa para discurso do Papa, fica bem
falar nela, mas reivindicá-la todos os dias é impossível, nascemos com coluna
vertebral para andarmos curvados e essa é a posição normal, para ficarmos no
nosso cantinho, aconteça o que acontecer, curvadinhos a olhar para o chão, que
olhar para o sol encandeia a vista…
“i) os arrogantes e incompetentes devem ser premiados, por isso, devem
ser escolhidos para todos os lugares de poder, desde o governo, até ao chefe do
serviço de limpeza lá da empresa, por terem o perfil adequado para dar ordens
nesta sociedade em que vivemos;
“j) a mentira deve ser elevada à qualidade maior do ser humano, e deve
ser um valor a ter em conta na educação dos nossos filhos, porque se aprenderem
a mentir bem, serão gente empreendedora e de sucesso;
“k) a ordem natural das coisas é a vítima gostar do agressor, o escravo
adorar quem o algema, e, portanto, é natural sermos um povo que agradece,
venera e vota em quem o roubou todos os dias, quem o reduziu à miséria todas as
semanas, quem o exportou todos os meses e quem o sufocou durante 4 longos anos.
“Sinto que, só por engano à nascença, posso ter a mesma nacionalidade
no bilhete de identidade. Sinto-me estrangeira num país em que 38% ainda quer
viver ajoelhado”.
Ana Paula Alexandre, 4 de Outubro de 2015
1 comentário:
38%? Eu acho que os que votaram no outro partido do "arco, também eles gostam de se ajoelhar se não com 2 pelo menos com 1 joelho.
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