Vários jornais europeus, entre eles o jornal Público, divulgaram na passada semana um manifesto, assinado por investigadores europeus, dirigido às instituições europeias, denunciando as políticas de destruição da investigação e desenvolvimento seguidas nos últimos anos, sob orientação da comissão europeia (com Durão Barroso à cabeça), pelos vários governos.
A
escolha de um comissário europeu como o português Carlos Moedas para dirigir a área
da investigação e do desenvolvimento é, aliás, um péssimo sinal, já que ele
foi, em Portugal, um dos principais responsáveis pelas medidas que, neste país,
têm contribuído para a sistemática destruição dessa área fundamental para o
desenvolvimento económico.
A
prática seguida em Portugal, que teve em Carlos Moedas um técnico “competente” na
sua execução, foi a de considerar o apoio à investigação e ao desenvolvimento
uma “despesa” desnecessária, condenando-se os frutos do grande e meritório
investimento que Portugal fez nessas áreas nas últimas décadas, a geração de
jovens mais bem qualificados de sempre,
à emigração, com graves custos para o futuro do desenvolvimento do país.
Por
isso, é importante a divulgação de manifestos como este, que podem ser seguidos
e subscritos no site AQUI
Eles
escolheram a ignorância
In
Público , 9 de Outubro de 2014
“Investigadores
de diferentes países europeus escreveram uma carta aberta em que descrevem
fortes semelhanças nas políticas de destruição de investigação e
desenvolvimento (I&D) que estão a ser seguidas. Esta análise crítica,
publicada simultaneamente na revista Nature e em vários jornais de toda a
Europa, é dirigida aos decisores políticos, para que corrijam as suas
orientações, e aos investigadores e cidadãos para que defendam o papel essencial
da ciência na sociedade. Esta carta pode ser assinada em
openletter.euroscience.org:
“Os
responsáveis políticos nacionais de um número crescente de estados-membros, tal
como os líderes europeus, perderam completamente o contacto com a realidade da
investigação.
“Eles
escolheram ignorar os contributos cruciais de um sector forte de investigação
para a economia, particularmente necessários nos países mais severamente
atingidos pela crise económica. Ao invés, impuseram cortes drásticos nos
orçamentos para a investigação e desenvolvimento (I&D), o que torna estes
países mais vulneráveis, a médio e longo prazo, a futuras crises económicas.
Tudo isto aconteceu sob a complacência das instituições europeias, que estão
mais preocupadas com o cumprimento das medidas de austeridade por parte dos
Estados-membros do que com a manutenção e consolidação das infra-estruturas
nacionais de I&D, que podem ajudar estes países a alterar o seus modelos de
produtividade para um mais robusto baseado na produção de conhecimentos.
“Eles
escolheram ignorar que a investigação não se compadece com ciclos políticos;
que o investimento sustentável, a longo prazo, em I&D é fundamental, porque
a ciência é uma corrida de longa distância; que alguns dos seus frutos podem
ser colhidos agora, mas outros podem levar gerações para amadurecer; que se não
semearmos hoje, os nossos filhos não terão as ferramentas para enfrentar os
desafios de amanhã. Ao invés, seguiram políticas cíclicas de investimento em
I&D, com um único objectivo em mente: reduzir o défice anual para níveis
que podem ser artificiais impostos pelas instituições financeiras europeias,
alheios aos efeitos devastadores que esta orientação está a ter sobre o
potencial da ciência e da inovação dos Estados-membros e da Europa como um todo.
“Eles
escolheram ignorar que o investimento público em I&D atrai investimento
privado; que num “Estado de inovação” como os Estados Unidos mais de metade do
crescimento económico tem por base a inovação com raízes em investigações
financiadas pelo governo federal. Ao invés, e irrealisticamente, esperam que
nos seus países a meta de 3% do produto interno bruto (PIB) em investigação,
definida na Estratégia de Lisboa, seja alcançada através do sector privado, ao
mesmo tempo que reduzem o investimento público em I&D. Tal está em claro
contraste com a queda do número de empresas inovadoras, e com a prevalência de
pequenas e médias empresas familiares, sem capacidade de inovação.
“Eles
escolheram ignorar que a formação de investigadores implica tempo e recursos.
Ao invés, protegidos pela directiva europeia para a diminuição da força de
trabalho no sector público, impuseram cortes drásticos às universidades e
unidades de investigação. Em conjunto, a falta de oportunidades no sector
privado e os cortes nos programas de formação avançada de recursos humanos tem
motivado uma “fuga de cérebros” do Sul para o Norte da Europa e para fora do
espaço da União Europeia. O resultado é a perda irreparável de investimento em
I&D e o agravamento das disparidades entre Estados-membros. Desencorajados
com a falta de oportunidades e a incerteza inerente aos contratos a termo
certo, muitos investigadores estão a ponderar pôr termo à investigação, o que
dada a natureza das actividades de investigação torna tal decisão uma jornada sem
retorno possível. É a destruição de força de trabalho qualificada disponível
para a indústria. Ao invés de diminuir o défice, esse êxodo está a contribuir
para a criação de um novo défice: um défice em tecnologia, inovação e
descoberta à escala europeia.
“Eles
escolheram ignorar que a investigação aplicada não é mais do que a aplicação da
investigação fundamental, e não se limita à investigação com impacto no mercado
a curto prazo, como alguns políticos parecem acreditar. Ao invés, a nível
nacional e europeu, há uma forte mudança de foco para os produtos
comercializáveis, quando estes são apenas o “fruto maduro” de uma árvore de
pesquisa intrincada. Mesmo que algumas das suas sementes possam germinar novas
ideias, ao minar a investigação fundamental eles estão lentamente a matar as
raízes.
“Eles
escolheram ignorar a forma como se faz a construção de ciência; que a
investigação requer experimentação e que nem todas serão bem-sucedidas; que a
excelência é a ponta de um icebergue que flutua sob uma equipa de trabalho. Ao
invés, a política científica a nível nacional e europeu optou pelo
financiamento de um número cada vez menor de projectos e investigadores bem
estabelecidos, destruindo o portfólio diversificado de que necessitamos para
enfrentar os desafios sociais e tecnológicos de amanhã. Além disso, esta
abordagem está a contribuir para a “fuga de cérebros”, que um pequeno número de
instituições de investigação com maiores recursos alicia.
“Eles
escolheram ignorar a sinergia crítica entre ciência e educação. Ao invés,
cortaram o financiamento da investigação em universidades públicas, diminuindo
a sua qualidade global e ameaçando seu papel de promotoras da igualdade de
oportunidades.
“E
acima de tudo, optaram por ignorar que a investigação, além de servir a
economia, também aumenta o conhecimento e o bem-estar social, inclusivamente
daqueles sem recursos para pagar a conta.
“Eles
escolheram ignorar, mas nós estamos determinados a recordar-lhes. Como
investigadores e cidadãos, formamos uma rede internacional para a troca de
informações e propostas. E estamos envolvidos numa série de iniciativas de
nível nacional e europeu que se opõem fortemente à destruição sistemática de
infra-estruturas nacionais de I&D e que quer contribuir para a construção
de uma Europa social da base para o topo. Apelamos a investigadores e cidadãos
que adiram connosco a esta iniciativa. Não existem alternativas. Devemo-lo aos
nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos”.
Amaya
Moro-Martín, astrofísica, Instituto de Ciência do Telescópio Espacial,
Baltimore (EUA); porta-voz da plataforma Investigación Digna (Espanha);
Euroscience (Estrasburgo).
Gilles
Mirambeau, virologista de sida, Universidades Sorbonne, UPMC Universidade de
Paris VI (France); IDIBAPS, Barcelona (Espanha); Euroscience (Estrasburgo).
Rosário
Mauritti, socióloga, ISCTE, CIES-IUL, Lisboa (Portugal).
Sebastian
Raupach, físico, fundador do movimento “Perspektive statt Befristung”
(Alemanha).
Jennifer
Rohn, bióloga celular na área do cancro, Departamento de Medicina, University
College de Londres (Reino Unido); presidente da Science is Vital.
Francesco
Sylos Labini, físico, Centro Enrico Fermi, Instituto para Sistemas Complexos
(ISC-CNR), Roma (Itália); editor da Return on Academic Research (www.roars.it).
Varvara
Trachana, bióloga, Faculdade de Medicina, Escola de Ciências da Saúde,
Universidade de Thessaly, Larissa (Grécia).
Alain
Trautmann, imunologista na área do cancro, CNRS, Instituto Cochin, Paris
(França); porta-voz de “Sauvons la Recherche”.
Patrick
Lemaire, embriólogo; CNRS, Centro de Investigação de Bioquímica Macromolecular,
Universidades de Montpellier; fundador e porta-voz do movimento “Sciences en
Marche” (França).
(As
visões expressas pelos signatários são pessoais e não reflectem necessariamente
a posição das suas instituições).
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