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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O RESPIGO DA SEMANA - "Ocupa Wall Street"


“Esta geração merece todo o apoio, pois o seu sucesso é também o sucesso da nossa sociedade”
 
"OCUPA WALL STREET
Por Domingos Ferreira
Público, 11 de Outubro de 2011

"De início os mass media americanos não quise­ram prestar atenção. Talvez pensassem que se tratava de mais uma pequena contestação sem expressão, à semelhança de muitas ou­tras. Todavia, o movimento “Occupy Wall Street” instalou-se no centro financeiro de Manhattan, cresceu e alastrou a outras grandes cidades, como Atlanta, Washington, San Francisco, Chicago, Los Angeles, etc. A Al Jazeera foi a primeira grande estação noticiosa a compreender que as mesmas forças que redesenharam a política em Tahrir Square no Egipto, e que resultou na Primavera Árabe, são as mesmas que provocaram as manifestações das Puertas del Sol em Madrid, os violen­tos eventos de Londres, da Grécia, do Chile, de Roma e são também as mesmas que estão a inspirar as mani­festações nos EUA e que poderão também redesenhar a real politic americana.
"Os sindicatos, bem como um crescente número de de­mocratas, expressaram já o seu apoio ao protesto dos “Occupy Wall Street”. Por conseguinte, era impossível para os media ignorar mais este movimento e que protesta contra os "banksters” (gangsters da banca). São os jovens revoltados  da geração “sem futuro”, que não têm trabalho ou estão subempregados, que não conseguem pagar os empréstimos para tirar as suas licenciaturas, mestrados ou doutoramentos e que se sentem traídos depois de esperançadamente terem elegido um Presidente que afirmava ”sim, nós podemos” (yes, we can) ter uma democracia mais justa. Porém, a unica coisa que viram foi a continuação do status quo, que resultou na transferência de grande parte da riqueza da classe média e baixa para a pequeníssima classe multibilionária isenta de impostos. É também a revolta daqueles que não conseguem pagar as hipotecas das suas casas, que não conseguem comprar um pouco do american dream, que trabalharam arduamente, mas, que apesar de tudo, foram radicalmente despedidos, vítimas da ganância de Wall Street que os levou à ruína económica e social. Um em cada seis americanos vive na mais completa pobreza. E os indicadores de bem-estar social são os piores desde a Grande Depressão de 1930. Apesar deste cenário dramático, os sistemas políticos, não só na América, mas também na UE, estão paralisados quer pelas lutas partidárias intestinas, quer pela inércia, quer pela falta de visão estratégica e impreparação dos líderes políticos em lidar com a presente crise. Por conseguinte, encontramo-nos na iminência da derrocada do sistema bancário europeu e americano, cujas consequências nem sequer se conseguem imaginar. Desta maneira, os cida­dãos não se sentem representados pelos actuais líderes políticos subservientes ao poder das grandes corporações económicas e, por isso, pretendem uma verdadeira de­mocracia “nós o povo e para o povo”.
"No início, os bancos tiraram partido da desregulamentação e manipularam gananciosamente de forma impru­dente o sistema apenas em seu benefício, inflacionando bolhas e pagando aos seus executivos vencimentos multimilionários. Em resultado, as bolhas rebentaram, e com elas rebentaram também muitos bancos, obrigando, deste modo, os governos a intervir com dinheiros públicos de forma a evitar o colapso do sistema financeiro. Todavia, apesar da injecção de dinheiro dos contribuintes e destes terem perdido os seus empregos, as suas casas e as suas famílias e a sua dignidade, os banqueiros mantiveram os seus obscenos vencimentos e voltaram ao business as usual. Como se tudo isto não bastasse, os bancos viraram as costas àqueles que os salvaram e tentam agora destruir a incipiente tentativa de regulamentação, que procurava, assim, evitar nova crise. Crise esta que nos bate à porta novamente. Desta maneira, não é preciso ser comunis­ta para compreender a brutalidade das injustiças deste capitalismo e, por isso, para além da simpatia, deve-se prestar também um forte aplauso a este movimento. Sim, é verdade que apesar da fantástica capacidade organizativa, estes jovens mostram alguma incoerência nas suas reivindicações por vezes quixotescas. Sim, também é verdade que se vestem de forma esquisita. Mas o que é que isso interessa? Não foi a sobranceria e a arrogância intelectual dos plutocratas que vestem impecavelmente Armani e Boss que nos conduziram à actual situação? Embora eu não partilhe os sentimentos antifinanceiros de alguns manifestantes, dado que os bancos são instituições indispensáveis que, se funcionarem adequadamente, prestam um serviço fundamental à comunidade (não só alocando o capital para onde ele é mais preciso, mas também elevando o padrão de vida dos cidadãos).
"Também é verdade que estes jovens têm razão na ge­neralidade das suas aspirações. Neste sentido, dado o gritante desinteresse dos líderes políticos na resolução da falta de emprego, esta geração merece todo o apoio, pois o seu sucesso é também o sucesso da nossa sociedade. É re­voltante observar jovens inteligentes e confiantes, cheios de sonhos e de projectos, os quais poderiam prestar um fortíssimo contributo positivo à sociedade, tornarem-se em jovens sem alegria, sem horizontes, atávicos, arras­tados indefinidamente nas casas dos seus progenitores com as suas vidas frustradas e adiadas. Desta maneira a situação grave de desemprego de milhões de pessoas desesperadas vai levar dramaticamente milhares de jo­vens quer ao radicalismo político manifestado nas ruas das capitais, quer ao radicalismo social, podendo muitos destes enveredar por caminhos de criminalidade que irá certamente destruir os seus futuros e tomar a nossa sociedade mais pobre, mais doente e gravemente mais desequilibrada".
 
Domingos Ferreira.
 Professor e investigador, Universidade do Texas – EUA/ Universidade Nova de Lisboa

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