10-05-2010 José Luís Cardoso, in Público
"Os "magníficos ex-ministros", se tivessem um mínimo de pudor, estariam calados, dado não lhes reconhecer autoridade política para resolver a grave crise que atravessamos. Ela é filha das políticas que implementaram quando foram governo. O senhor Presidente não deve esquecer que foi ministro das Finanças e primeiro-ministro por um longo período de tempo. E não deve esquecer que as profundas desigualdades sociais que vivemos são uma consequência directa desse período. Os seus seguidores, nos quais se incluem os ex-ministros das Finanças, limitaram-se a consolidar e agravar essas desigualdades, causa última da crise que atravessamos.
O Presidente da República vai receber hoje ex-ministros das Finanças, que lhe irão expor as causas da crise e apresentar as suas soluções.
Nos últimos tempos, segundo creio, todos estes ex-ministros das Finanças se pronunciaram publicamente sobre a actual crise económica e financeira e o modo como pensam que a mesma se resolverá. Todos eles apresentam a solução para a presente crise: não ao investimento público e total apoio ao capital financeiro. A diminuição dos salários e pensões e cortes no subsídio de desemprego são, entre outras, as recomendações que vão apresentar ao Presidente.
Assim, o Estado e os privados devem reduzir salários e pensões e restringir ao mínimo o subsídio de desemprego. O quadro negro que será apresentado ao Presidente da República merecerá deste a maior das compreensões ou, dito por outras palavras, levá-lo-á a passar da pouco subtil intervenção que nos últimos meses tem tido, a mais abertamente defender o entendimento do PS com o PSD e se possível com o CDS/PP, para implementar a sua solução, coincidente com a dos ex-ministros. E será em nome da estabilidade e do crescimento que os mesmos de sempre continuarão o penoso trajecto de ser responsabilizados por uma crise que não provocaram mas que terão que pagar.
Não ouvi o Presidente da República nem os ex-ministros responsabilizar pela crise nacional e internacional os seus causadores: o capital financeiro. Não ouvi o Presidente da República nem os ex-ministros das Finanças dizer que a actual União Europeia não serve os portugueses e admitir que os grandes responsáveis pela actual crise serão os grandes beneficiários das medidas brutais que estão a ser implementadas hoje na Grécia, amanhã em Portugal, depois em Espanha e a seguir talvez na Irlanda ou na Itália. Não ouvi uma palavra do Presidente da República, propondo que a crise deva ser resolvida exigindo um maior esforço aos 10% (dez por cento) dos detentores da riqueza nacional e grandes beneficiários de todas as crises.
Ao Presidente não interessa, por exemplo, dizer que todos os portugueses só podem receber uma única pensão da Caixa Geral de Aposentações ou que devem ser eliminadas todas as pensões que tenham sido concedidas a quem não descontou para as mesmas (por ex: administradores do Banco de Portugal). O Presidente da República não dirá que todos os vencimentos e pensões acima de determinado valor devem ser tributadas com uma taxa excepcional, pelo menos até 2014.
Fala o Presidente na disparidade dos prémios recebidos por alguns gestores e os vencimentos dos trabalhadores, contudo não disse que as empresas públicas e privadas deviam ter um tecto máximo de remunerações e prémios e que o remanescente seria utilizado num fundo destinado a apoiar a criação de emprego nas pequenas empresas.
O Presidente não disse nem dirá que as mais-valias de bolsa devem ser tributadas por igual seja qual for o seu titular. O Presidente não disse nem dirá que os bancos devem pagar IRC na mesma percentagem de qualquer empresa, 25% (vinte e cinco por cento). A solução da crise para o Presidente e ex-ministros das Finanças não passa por aqui. Note-se que todos eles são directamente responsáveis pela crise em que nos encontramos pelo menos desde 1976. As soluções do Presidente da República e dos "magníficos" ex-ministros das Finanças serão muito claras: redução dos salários e pensões, limitação do subsidio de desemprego e paralisação das obras públicas. Após a reunião o sr. Presidente dirá que foram muito interessantes as sugestões que recebeu. Assim se julgará com legitimidade acrescida para impor ao Governo as suas soluções.
O Presidente da República é um cidadão honrado e não é conhecido qualquer benefício que tenha retirado do facto de ter sido primeiro-ministro durante dez anos e Presidente há quase cinco anos. É contudo co-responsável com todos aqueles que, sem excepção, nos governaram nos últimos vinte e cinco anos, pela crise endémica em que como nação nos encontramos. Assim é dispensável a sua intervenção na presente crise, assim como a dos senhores ex-ministros. Continue sr. Presidente a sua campanha eleitoral para o segundo mandato, mas não impute veladamente aos que trabalham e aos reformados a responsabilidade pela solução da crise; peça a todos sacrifícios na medida das suas possibilidades e não apenas a noventa por cento dos portugueses.
Os "magníficos ex-ministros", se tivessem um mínimo de pudor, estariam calados, dado não lhes reconhecer autoridade política para resolver a grave crise que atravessamos. Ela é filha das políticas que implementaram quando foram governo. O senhor Presidente não deve esquecer que foi ministro das Finanças e primeiro-ministro por um longo período de tempo. E não deve esquecer que as profundas desigualdades sociais que vivemos são uma consequência directa desse período. Os seus seguidores, nos quais se incluem os ex-ministros das Finanças, limitaram-se a consolidar e agravar essas desigualdades, causa última da crise que atravessamos.
Senhor Presidente: no ano de comemoração dos cem anos da República, defenda sem reservas os princípios que informam os ideais republicanos: Liberdade, Fraternidade, Igualdade, e deixe-se de manifestar sentimentos de pena pelos trabalhadores, reformados, desempregados e pequenas empresas. Estes precisam de um Presidente que se coloque a seu lado e não ao lado daqueles que criaram as profundas desigualdades da actual sociedade portuguesa. E se não o incomodar muito, deixe os senhores ex-ministros das Finanças a falar sozinhos.
José Luís Cardoso, Capitão de Abril, advogado, militante do PS desde 1985, mandatário de Manuel Alegre em 2006
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