Nem sempre tenho estado ao lado de Helena Roseta, como aconteceu nestas últimas eleições presidenciais.
Mas se estamos por vezes em cantos diferentes da barricada, a barricada é a mesma.
Como é sabido votei em Fernando Nobre, mas não hesitaria um segundo em dar o meu voto a Manuel Alegre se tivesse havido uma segunda volta.
Em 2006 estive com Manuel Alegre, pelas mesmas razões que agora estive com Fernando Nobre: pelo defesa de uma candidatura que valorizasse o direito à cidadania e a independência em relação aos aparelhos partidários.
Não estive desta vez com Manuel Alegre, até porque previa as contradições e as limitações de uma candidatura apoiada oficialmente por partidos tão diferentes como o PS e o BE, ainda por cima sendo os socialistas liderados por um homem como José Sócrates.
A colagem de Sócrates à candidatura de Manuel Alegre não passou de uma “habilidade” política do primeiro-ministro, aliás, uma das suas imagens de marca. A “habilidade” residiu no facto de, apoiando Alegre, fazer recair sobre esta candidatura todos os focos de descontentamento contra o actual governo, garantindo assim a reeleição do seu “amigo” Cavaco e a sobrevivência política do "socratismo", ao mesmo tempo que limitava as críticas de Alegre ao seu governo. Uma esperada derrota de Alegre nestas circunstâncias tinha ainda a vantagem de desorientar e eliminar a ala esquerda do PS. Ao mesmo tempo controlava as tentativas do BE de dividir o PS, o que seria provável, caso este não apoiasse oficialmente Alegre.
Helena Roseta, pelo contrário, foi uma das mais activas e sinceras apoiantes de Alegre.
Helena Roseta é uma mulher de firmeza e de fortes e coerentes convicções social-democratas, por isso está onde está e tem tomado as atitudes políticas que se sabe.
Ela não saiu do PSD ou do PS, depois de ter sido uma das mais activas militantes desses dois partidos, porque mudou de ideologia. Pelo contrário, foram aqueles dois partidos que mudaram de ideologia, entregando-se ao desvario ideológico do neo-liberalismo, guardando na gaveta, os primeiros a social-democarcia de Sá Carneiro, os segundo o socialismo democrático que Alegre representa.
Por isso, nutrimos o maior respeito por Helena Roseta , mesmo quando não concordamos sempre com as suas opções políticas.
Aliás, seria interessante a uma certa direita, que traz sempre Sá Carneiro na ponta da língua, que tivesse bem em conta o percurso desta mulher, uma das figuras políticas que, em vida dele, lhe foi mais próxima. Depois de morto é fácil arvorar uma figura com Sá Carneiro como mentor das políticas do partido que ele fundou. Mas, se fosse vivo, é muito provável que tivesse seguido um percurso político idêntico ao de Helena Roseta. Sá Carneiro era um homem de convicções e que acreditava na social-democracia e seria, hoje, o primeiro a renegar a deriva neo-liberal do partido que fundou.
O que nos leva a escolher para este “respigo da semana” um artigo da sua autoria, hoje publicado no jornal “Público”, é o facto de, no essencial concordarmos com a reflexão que ela faz sobre a necessidade de mudança e de unidade que deve haver à esquerda, embora, quanto a nós, tal seja impossível enquanto Sócrates liderar o PS.
"Carta à maioria do futuro
HELENA ROSETA
in Público de 28 de Janeiro de 2011.
"Há uma geração que nasceu depois do 25 de Abril, que tem convicções políticas profundas, que não desistiu da democracia e que quer para Portugal algo mais que este cenário triste e bloqueado em que nos encontramos.
"Para essa geração o que conta é construir com as suas próprias mãos uma nova esperança, encontrar novas respostas para o beco sem saída em que se encontra, sem emprego e sem perspectivas de futuro. Falo da geração mais qualificada de sempre, a quem o nosso mercado de trabalho tarda em abrir as portas e que nunca teve outra alternativa que não a da precariedade, da falta de reconhecimento e da vontade de partir.
"Foi gente desta geração que apareceu na campanha de Manuel Alegre, que desde o seu primeiro discurso se lhes dirigiu apelando a um "pacto de insubmissão". Foi a gente desta geração, dos vários partidos apoiantes da candidatura ou de partido nenhum, que eu ouvi nos comícios os melhores discursos. E foi gente desta geração que eu vi, com admiração e afecto genuínos, tomar Manuel Alegre como a grande referência moral do seu combate.
"Pela primeira vez, eu, que faço campanhas eleitorais desde 1975 e que as fiz todas - constituintes, legislativas, presidenciais e autárquicas -, senti que havia uma verdadeira passagem de testemunho. Para aqueles que, como eu e antes de mim, batalharam para que Portugal fosse uma democracia, esta é a garantia que nos faltava. É certo que cada geração trava os seus combates. A minha geração conheceu a guerra, a Pide, a prisão, o exílio. Esta tem pela frente o desemprego, a precariedade, a asfixia do endividamento, a mediocridade das elites mediáticas, o tacticismo dos políticos instalados, a promiscuidade entre negócios e política, a ameaça do ciclo vicioso da austeridade e da recessão.
"Foi por esta geração e para ela que Manuel Alegre fez o mais importante da sua campanha presidencial: dar a cara, assumir as suas convicções com orgulho e sem qualquer cedência, recusar as meias-tintas e defender o mesmo ideal de justiça, humanismo e liberdade que norteou toda a sua vida. Mas fez mais do que isso: abriu um caminho que inevitavelmente será um caminho de futuro.
"Falo da convergência das esquerdas num projecto comum para Portugal e para a Europa. Precisamos disso com a maior urgência, num tempo conturbado em que os interesses financeiros e a especulação manipulam o poder económico e dominam o poder político democrático à escala europeia e nacional. Manuel Alegre há muito que o defende - pelo menos desde a moção "Falar é preciso", que levou ao Congresso do Partido Socialista em 1999. Foram dele tentativas importantes de abrir o seu próprio partido à sociedade e à esquerda, primeiro com o Clube Liberdade e Cidadania, depois com a candidatura a secretário-geral e a moção "Mais igualdade, melhor cidadania" em 2004, finalmente em 2006 com uma candidatura presidencial autónoma que foi entre nós, no século XXI, a primeira grande experiência do poder dos cidadãos num acto eleitoral de escala nacional.
"Foi Manuel Alegre o primeiro a abrir e impulsionar estes novos caminhos. Foi na sua experiência precursora que se inspirou o meu próprio movimento em Lisboa, cuja aliança com o PS deu a vitória a António Costa. Desta vez empenhou-se em algo que ninguém até à data conseguira: promover a convergência das esquerdas em objectivos nacionais comuns, mesmo que as diversidades programáticas e sobretudo a história vivida continuem a separá-las. O resultado ficou aquém do necessário, mas o caminho está aberto.
"Há uma fractura entre as esquerdas que em Portugal decorre, creio eu, do confronto que se travou no PREC, em que o Partido Socialista e o próprio Manuel Alegre tiveram um papel decisivo para garantir que Portugal conseguia passar de uma ditadura à democracia sem cair numa nova ditadura. Mas a geração de Abril não viveu esta fractura e não tem dela nenhuma cicatriz. Para esta nova geração é incompreensível que as esquerdas não dialoguem, que não se entendam e que com isso dêem sistematicamente uma vantagem à direita, que não hesita em unir-se sempre que os seus interesses estão em causa.
"E não me venham dizer que já não há ideologias ou que esta dicotomia entre esquerdas e direitas é coisa do passado. Nunca como hoje foi tão urgente, no mundo, na Europa e em Portugal, contrapor ao pensamento neoliberal dominante uma alternativa mais justa e mais solidária. Se a democracia parece definhada, é precisamente porque ela precisa do confronto entre alternativas claras e não da simples alternância entre o mesmo e mais do mesmo. Falta uma alternativa à esquerda, com novas propostas e que junte partidos, movimentos e cidadãos de boa vontade. Falta construir a maioria do futuro.
"Mas uma coisa é certa. Ficamos todos a dever a Manuel Alegre a coragem dos pioneiros. Não será ele a colher o que semeou. Mas todas as maiorias de mudança começam algures por uma minoria. Tenho a certeza que a maioria do futuro, que já germina no coração de muita gente e que terá nas novas gerações os seus protagonistas, o terá sempre como exemplo, inspirador e companheiro de viagem".
*Arquitecta, fundadora do Movimento de Intervenção e Cidadania (MIC), que apoiou a candidatura de Manuel Alegre à Presidência.
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