Vivemos cerca de vinte anos ao lado um do outro.
As nossas mães eram primas direitas, e, quis o destino, que viessem a ser vizinhas de andar quase toda a vida (a minha “prima” “Finita” já se foi no principio do ano que agora terminou…).
Aquele prédio, com os enormes quintais nas traseiras e aquela praceta á frente, vazia de automóveis, era o nosso país.
Éramos um grande bando de crianças que passava os dias na rua, dentro da fronteira delimitada por essa praceta e pelos quintais. Raramente nos aventurávamos para além desse espaço, mas recebíamos muitos outros putos das redondezas, umas vezes aceitando-os, outras vezes correndo com eles à pedrada.
Entrados na escola, primeiro na primária, depois, alguns, no liceu ou na “técnica”, começamos aquele caminho que o destino vai traçando de nos fazer perder de vista uns amigos, ganhar outros e manter alguns dos antigos.
Com o tempo o meu círculo de amigos de brincadeira da praceta foi-se restringindo, surgindo outros novos.
O Pedro, apesar de não ser meu colega de turma, porque era um ano mais velho, continuava a manter-se nesse círculo, ou não fosse ele o meu vizinho do lado.
Parte do grupo da infância voltou a reunir-se já pala adolescência fora quando alguém se lembrou, depois de umas férias grandes passadas a jogar hóquei em campo na praceta, de nos convidar para formarmos uma equipa de hóquei em patins na Física, então situada no outro lado da rua Henriques Nogueira, próxima da praceta.
Aí nos voltámos a reunir, eu e o Pedro e muitos outros que frequentavam a praceta.
As férias em Santa Cruz, eram outro momento de reencontro, enquanto duraram, pelo início da idade adulta. (As minhas duraram até à morte do meu pai).
Depois os estudos superiores de uns, as profissões de outros, os namoros e os casamentos, encarregaram-se de nos afastar, mesmo quando ainda vivíamos na mesma cidade.
As nossas mães, a minha e a do Pedro, que continuavam a ser vizinhas, mantinham-nos ao corrente das vidas de uns e de outros.
Por vezes ainda nos cruzávamos na rua e falávamos, mais do passado do que do presente.
Até que recentemente uma doença grave nos voltou a colocar do mesmo lado do jogo da vida e da morte, e nestas coisas em que o azar e a sorte também contam, eu fiquei do lado da sorte e ele na do azar.
Confesso, embora pensasse nele todos os dias, e ía sabendo notícias dele pela minha mãe, não tive coragem para o visitar, preferia ficar a lembrar-me dele como um atleta dedicado ao hóquei em patins, um aluno exemplar, um engenheiro dos verdadeiros, sério e competente, e, principalmente, o puto tímido e sensato, que todos, os putos da praceta, respeitávamos porque era mais velho que nós.
O Pedro deixou-nos ontem à noite.
Já não nos vamos voltar a cruzar na “praceta”…
1 comentário:
Foi com grande tristeza que li este teu apontamento. Não tive convivência com o Pedro a não ser quando o meu filho frequentou a iniciação ao hóquei, na Física, por volta de 1988/89. O Pedro era o monitor. Ficou-me a imagem de um homem sereno e muito afável.
Depois, os encontros casuais na rua, o saber da doença... Agora, o desenlace.
"Que a terra lhe seja leve" - como diziam os antigos romanos. E um aceno de solidariedade à mulher dele, nossa colega professora em Penafirme.
Até sempre, Pedro!
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