Já AQUI manifestei a minha opinião sobre essa enorme mistificação e
falácia que é analisar a realidade do nosso sistema educativo através da
publicação anual dos malfadados ranking´s.
Transformar a educação numa espécie de campeonato de futebol, pode ser
divertido e apaixonante e dar muito tempo de antena a uns comentadores que
percebem de tudo e assim podem discutir com “factos”, prescindindo de uma
análise profunda sobre o problema da educação, o que dava uma trabalheira, ou
poder debitar meia dúzia de ideias feitas para contentar o iletrado “zé povinho”,
que acha que a educação é uma perda de tempo.
Vivemos uma época em que tudo se resume a números, em que cada um de
nós não passa de um dado estatístico para encher as primeiras páginas dos
jornais ou as aberturas dos noticiários, não sendo por isso de admirar o
endeusamento que é feito da publicação desses ranking’s.
Felizmente ainda há comentadores que pensam com a própria cabeça e sem
os complexos ideológicos que pastam no “observador” , e por isso aqui transcrevemos
hoje a crónica de Daniel Sampaio, onde, remando contra a maré, esses rankings
são desmistificados, ainda por cima por alguém que sabe do que fala:
“A mentira do ranking
Por Daniel Sampaio, in 2-Público, 20 de Dezembro de 2015
“Começo por protestar contra o uso repetido deste termo “ranking”, como
se o português não contivesse vocábulo apropriado. Hesitei em usá-lo, mas fui
vencido pelo hábito: se escrevesse sobre a “classificação das escolas”, muitos
leitores não saberiam do que estaria a falar.
“A comunicação social, em regra tão omissa em tratar os problemas da
escola (excepto os negativos), dedicou agora amplo espaço ao tema. A televisão
optou até por se deslocar às “melhores” e às “piores” escolas, sem cuidar de
aprofundar os fundamentos da seriação publicada.
“Tudo o que seja aferir o funcionamento de uma escola e disso dar conta
à comunidade educativa merece a nossa atenção. As nossas crianças e
adolescentes passam a maior parte do seu dia em território académico, por isso
faz sentido que todos sejam informados sobre a escola. A classificação em
causa, todavia, tem um alcance muito limitado e de modo algum demonstra o que
na realidade se passa nos estabelecimentos de ensino.
“Convém explicar aos menos esclarecidos que os célebres rankings são
apenas uma seriação das classificações obtidas pelos alunos nos exames nacionais.
Se já é discutível que se avalie o mérito de um estudante apenas pela nota do
exame final, é fácil compreender que esse dado não poderá servir para
classificar uma escola em “melhor” ou “pior”. Por uma razão simples: os dados
publicados não entram em linha de conta com as diversas características dos
alunos que realizam essas avaliações finais, nem consideram um dado decisivo e
que não deveria ser escondido de modo sistemático — as escolas privadas
seleccionam os alunos, logo quem chega lá ao final do ano está em melhores
condições para obter bons resultados.
“Os pais fazem muitos sacrifícios para manterem os alunos no privado,
com a crença de que terá melhor ensino. O que se sabe, de modo seguro, é que
obterão em princípio melhores notas, mas é duvidoso que fiquem mais aptos para
enfrentar os problemas da vida. Como psiquiatra que trabalha há 40 anos com
adolescentes, pais e professores, sou testemunha de um facto indesmentível:
quando é detectado um problema de comportamento grave ou uma perturbação mental
significativa, a escola privada aconselha a mudança de estabelecimento de
ensino. Os argumentos são corteses mas só correspondem, de facto, à necessidade
imperiosa de se ver livre de um estudante “problemático”, que poderá contribuir
para a baixa da média no ranking final. Assim, muitos estudantes são
encaminhados para o ensino público, que tem de acolher todos, em vez de a
escola privada garantir apoios significativos a alunos com dificuldades de
aprendizagem ou perturbações psiquiátricas.
“Por outro lado, é hoje um facto incontestado que a origem social e
cultural dos estudantes condiciona o seu percurso escolar. Assim, os alunos que
à partida não podem frequentar um colégio privado por falta de dinheiro terão
de ir para o ensino público, logo as populações pretensamente estudadas pelas
classificações das escolas não são comparáveis.
“Outro aspecto menos positivo das classificações tem que ver com a
pressão exercida sobre os “maus” alunos. Com a obsessão dos rankings, os
estudantes mais frágeis são submetidos a enorme desgaste por críticas tantas
vezes injustas, sem que a escola se preocupe em perceber o alcance, para esse
jovem, de uma discriminação tão acentuada sobre o seu desempenho académico.
“Analisemos as escolas, claro, mas com mais verdade”.
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