O texto que aqui se divulga resulta dos apontamentos que reunimos para
servir de base à nossa comunicação, que ontem teve lugar no Teatro-Cine Ferreira
da Silva, por ocasião da passagem do segundo filme da iniciativa, que está a
decorrer esta semana, para comemorar a 100ª sessão de “Café com Filmes”, com a
exibição integral, em cinco sessões, da monumental obra “A História do Cinema –
Uma Odisseia”, de Mark Cousins, e à qual já nos referimos AQUI.
A primeira parte desta comunicação, sobre a situação em Torres Vedras, pode ser lida AQUI.
Em baixo reproduzimos o
resumo das suas restantes partes da nossa comunicação.
2 – O Cinema em Portugal entre 1930-1960
No documentário que vamos ver,
não aparece uma única menção ao cinema português, apesar de Portugal ter sido
um dos países pioneiros na produção cinematográfica, como se comprova pela
atenção que Georges Sadoul, na sua monumental história do cinema, lhe concede.
Em 1930 a proveniência dos filmes estreados e exibidos nas centenas de
salas já existentes um pouco por todo o país, a maior parte concentrada em
Lisboa e no Porto, de acordo com um estudo de Alves Costa de 1978, era a
seguinte:
574 filmes norte-americanos;
143 filmes franceses;
105 alemães;
19 ingleses;
6 russos;
3 dinamarqueses;
2 brasileiros;
2 mexicanos;
1 suaeco;
1 austriaco;
1 japonês.
O período entre 1930 e 1960 é balizado em Portugal pela introdução do
cinema sonoro, inaugurado em Portugal em 5 de Abril de 1930 no Royal Cine, à
Graça em Lisboa, e pela inauguração da televisão, entre 1955 e 1956.
Este período corresponde também à afirmação do Estado Novo e por isso o
cinema sofre as consequências do regime em vigor, onde a censura e a propaganda
política salazarista eram os pilares nesta área da cultura.
Referindo-se à situação do cinema português entre 1940 e 1958 George
Sadoul, na sua obra citada que “o cinema português não deu mais de 3 a 8 filmes
por ano.
“A rede de exibição é das mais reduzidas de toda a Europa.
“Segundo a UNESCO, os 433 cinemas de todo o país vendiam, em 1954,
apenas 3 bilhetes por ano e por habitante”.
O levantamento feito por José de Matos Cruz, na sua obra “O Cais do
Olhar”, confirma em parte essa fraca produção, mas revela algumas variações
interessantes.
Assim, na década de 30, que foi também a da produção do primeiro filme
sonoro em Portugal, “A Severa” de Leitão de Barros (1930), produziram-se 15
filmes, uma média de 1,5 filmes por ano. Na década seguinte a situação é mais
optimista, como resultado da criação, ainda na década anterior, da produtora
Tobis, em 1932, e do investimento feito pela criação do Secretariado Nacional
de Informação, em 1935, na utilização da produção nacional como veículo de
transmissão dos valores culturais e sociais do Estado Novo, registando-se 56 estreias de filmes
portugueses, numa média de 5,6 filmes portugueses produzidos por ano. No
conjunto das três décadas é nesta que se regista o ano de maior produção, o ano
de 1946 com 11 filmes estreados.
Na década de 50 regista-se uma ligeira quebra, sendo produzidos 49
filmes, uma média de 4,9 por ano.
A maior parte desses filmes dividiam-se entre a comédia e a pura
propaganda dos valores salazaristas, com rara e honrosas excepções e marcaram
por muito tempo, com um peso ainda significativo nos nosso dias, o gosto
cinematográfico do público, até porque, nas décadas seguinte, fizeram parte da
programação cinematográfica da recém criada RTP.
Entre esse filmes populares e de evasão, destacamos obras como “A
Canção de Lisboa” (1933) de Cortinelli Telmo, “A Aldeia da Roupa Branca” (1938)
de Chianga de Garcia, “Pai Tirano” (1941) de António Lopes Ribeiro, “Pátio das
Cantigas” (1941) de Ribeirinho, “A Menina da Rádio” (1944) e “O Leão da Estrela”
(1947) ambos de Arthur Duarte, ou “Cantiga de Lisboa” de Henrique Campos.
Mas também se realizaram filmes de pura propaganda ideológica, como “A
Revolução de Maio” (1937) de António Lopes Ribeiro, os “Chaimite” (1953) de
Jorge Brum do Canto.
Devemos também recordar o “Jornal
Português – Revista mensal de actualidades” promovido pelo SNI, que era exibido
em todas as salas de cinema, antes da projecção das longas-metragens, um
poderoso instrumento de propaganda informativa, numa altura em que não havia
ainda televisão, que foi produzido entre
1938 e 1951 (actualmente a ser reeditado em fascículos pelo jornal Público).
Durante este período, com a ajuda da imprensa e de uma grande
quantidade de revistas de cinema, desenvolveu-se uma espécie de “star system” à
portuguesa onde pontificavam figuras como Ribeirinho, Beatriz Costa, António
Silva ou Vasco Santana.
Apesar da censura e das perseguições foi possível, apesar de tudo,
neste difícil período para o movimento cultural independente, produzir algumas
obras inconformistas e inovadoras, como “Aniki-Bobo”
(1942) de Manoel de Oliveira, obra que George Sadoul aponta como antecessora do
neo-realismo no cinema, ou filmes como “Ala
Arriba” (1942) de Leitão de Barros ou “Saltimbancos” (1951) de Manuel
Guimarães, sem esquecer vários ensaios, no campo experimental e do
documentário, promovidos pelo movimento cineclubista que conheceu grande
expansão no pós segunda guerra.
Para além desse movimento cineclubista dos anos 40/50, é e referir ainda
o papel importante da Cinemateca Nacional, criada em 1948 por António Félix
Ribeiro.
Durante esse período houve também um considerável movimento editorial ligado
a imprensa cinematográfica, com destaque, pela longevidade ou pela inovação,
para o “Cinéfilo” (1928-1939), a “Imagem” (uma 1ª série entre 1930 e 1935 e uma
2ª série a partir de 1954 até finais da década) para além da mais comercial “Plateia”,
fundada em 1951, e que ainda se publicava na década de 70, sem esquecer a
crescente importância dada pela imprensa à critica cinematográfica.
3 – Os “Gloriosos 30” do cinema mundial (1930-1960)
Quando comecei a consultar informações sobre este período da história
do cinema, fui-me apercebendo que datam desta época algumas das obras e dos
realizadores fundamentais , não só para a história do cinema, mas também para
consolidação da escrita e dos géneros cinematográficos.
Se fizer uma lista com os melhores filmes que vi na minha vida, a
grande maioria data deste período.
Durante este período, o cinema é o grande espectáculo de massas, ao lado
da rádio, em grande parte porque coincide com a difusão do cinema sonoro e o
início progressivo da produção do cinema a cores, o tempo do tecnicolor.
É a época do chamado “cinema clássico”, com grandes filmes e grandes
realizadores que vão marcar definitivamente o cinema como uma espécie de realidade
paralela ao mundo “real”.
Os grandes géneros do cinema, o filme de terror, o policial (“film noir”),
o “Western”, o musical, a comédia, têm
neste período os seus principais modelos que vão servir de referência aos que
se fará até hoje.
O modelo de Hollywood torna-se dominante neste período e serve de modelo
noutros lugares do mundo, como a Cinecitta em Roma, inaugurada em 1937, beneficiando
da promoção que lhe é dado pela criação dos Óscares, em 1929 ou do “star system”.
Mas, principalmente no pós guerra, surgem outras correntes
independentes e alternativas a esse modelo, como o neo-realismo italiano, a
afirmação do cinema do terceiro-mundo, ou a aparecimento da Nouvelle Vague no
final da década de 50, beneficiando do aparecimento de Festivais de cinema como
Veneza, em 1932, Cannes, em 1946, ou Berlim, na década de 50.
Na década de 30 vemos a estreia de grandes obras como “O Anjo Azul” (1930)de
Josef von Sterneberg, onde se destaca Marlene Dietrich, “Luzes da Cidade”
(1931) de Chaplin (que resistiu ao sonoro nesta sua última obra muda), “M-Matou”
(1931) de Fritz Lang, “Zero em Comportamento”
(1933) de Jean Vigo, “Os Grandes Aldrabões “ (1933)de Leo McCarey, que
marca a afirmação dos irmãos Marx, o documentário “Las Hurdes” (1933)que lança
um dos mais famosos realizadores espanhóis, Luis Buñuel, no mesmo ano em que se
estreia a primeira versão de “King Kong” (1933), ou duas obras fundamentais
para compreender a manipulação no cinema, “O Triunfo da Vontade” (1934) e “Ídolos
do Estádio” (1936) de Leni Riefenstahl, “Os Tempos Modernos” (1936) de Chaplin,
“A Grande Ilusão” (1937)de Jean Renoir, “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937)
de Walt Disney, a primeira longa metragem de animação, “Alexandre Nevsky” (1937)
de Sergei Einsenstein , “A Cavalgada Heróica”(1939) de John Ford ou “O
Feiticeiro de Oz” e “E Tudo o vento Levou”, ambos de 1939 e de Victor Fleming, entre
muitos outros, aí estão para comprovar o início de uma época prodigiosa na
história do cinema.
Marcada pelo horror da guerra, a
década de 40 deu-nos obras tão marcantes como “O Mundo a seus pés” (1941) de
Orson Welles , a “Relíquia Macabra/O Falcão de Malta”(1941) de John Huston, que
marcou a afirmação do cahamdo “film noir”, ou o clássico dos clássicos “Casablanca”
(1942) de Michael Curtiz.
Mas a grande novidade da década foi o aparecimento do neo-realismo
iniciado por “Obsessão”(1943) de Visconti, “Roma Cidade Aberta” (1945) de
Rossellini, ou “Ladrões de Bicicletas” (1948) de Vittorio De Sica.
Data ainda desta década o último filme de Eisenstein, “Ivan o Terrível”,
de 1944 mas que só pode ser estreado dez anos depois, após a morte de Stalin.
A década terminava com a afirmação, em 1949, de um novo tipo de filmes,
os musicais, com “Um Dia em Nova Iorque” de Stanley Donen e Gene Kelly.
A última década da nossa evocação dá continuidade a grandes
realizadores das década anteriores mas vem afirmar uma nova geração nos Estados
Unidos, com os de George Stevens ("Um Lugar ao Sol"(1951) , "Shane"(1953), "O Gigante"(1956)), os de Fred Zinemann ("O Comboio apitou três vezes"(1952), "Até à eternidade"(1953)...), de
Howard Hawks ("Os Homens preferem as loiras"(1953),"Rio Bravo"(1959)...), de Nocholas Ray ("Johnny Guitar"(1954), "Fúria de Viver" (1955)...), Billy Wilder ("O Crespúculo dos Deuses" (1950), "Quanto mais quente melhor"(1959)), de Elia Kazan ("Um electrico chamado desejo" (1951), "Há Lodo no Cais"(1954)...), de Davis Lean ("A Ponte do Rio Kwai"(1957)...) ou de Stanley
Kubrick ("A Caminho da Glória"(1957)), secundados por um conjunto de actores que marcam uma ruptura com a
representação clássica, com Marlon Brando, James Dean ou Marilyn Monroe, uma
época também muito marcados pelo período do maccartismo.
Na Europa afirmam-se Jacques
Tati ("As Férias do Sr. Hulot" (1953), "O Meu Tio"(1958)), Ingmar Bergman("Sorrisos de uma noite de Verão"(1955), "O Sétimo Selo" e "Morangos Silvestres"(ambos de 1957)) , ou os primeiros realizadores da “nouvelle vague”, como Alain
Resnais("Noites de Nevoeiro" (1955) e "Hiroshima Meu Amor"(1959)), François Truffaut ("Os 400 golpes"(1959) ou Jean-Luc Godard ("O Acossado"(1959), que dão os seus primeiros passos
no último ano da década.
Mas a década de 50 é igualmente marcada pelo cinema emergente de outras
paragens, como o dos cineastas japoneses Ozu ("Viagem a Tóquio" (1953)), Mizoguchi("Contos da Lua Vaga" (1953)) ou Kurosawa ("Às Portas do Inferno"(1950), "Os Sete Samurais" (1954)) ou o do
indiano Satyajit Ray("O Indomável" (1957)).
Deixámos para o fim a referência a um cineasta que atravessou os “trinta
gloriosos”, realizando uma média de um filme por ano e que simboliza toda uma
época e fez a ligação entre o período anterior do cinema mudo e as décadas
seguintes.
Referimo-nos a Alfred Hitchcock.
Se há um rosto para o cinema dos “trinta gloriosos” do cinema é o de
Hitchcock.
Entre as dezenas de filmes que realizou, destacamos, ao longo deste
período, “39 Degraus” (1935), “Rebeca” (1940), “Difamação” (1946), “Janela
Indiscreta” (1954), “Vertigo” (1958) ou “Intriga Internacional” (1959).
Pensamos que está assim justificada a designação de “trinta gloriosos”
que damos a este período da história do cinema.
FONTES:
- MATOS-CRUZ, José de , "O Cais do Olhar", ed. Cinemateca Portuguesa;
- SADOUL, Georges , História do Cinema Mundial, 2º Volume, Livros Horizonte
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