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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Putin “contra” Lenine, ou as “lições” de “história” de Putin


Um dos momentos mais significativos da comunicação de ontem de Vladimir Putin não foi o reconhecimento dos estados separatistas ucranianos, já que esta situação foi um mero reconhecimento de uma situação de facto, embora violando as leis internacionais e  criando condições para uma efectiva ocupação militar dessas regiões, situação que pode levar a uma escalada militar contra a Ucrânia, com consequências imprevisíveis na paz mundial.

Um dos momentos mais esclarecedores dessa comunicação foi a “lição de história” de Putin, uma visão que o mesmo já tinha escrito há alguns anos.

Curiosamente poucos se debruçaram sobre o conteúdo dessa lição, talvez porque põe em causa dois discursos dominantes que, por razões diferentes, procuram colar Putin ao legado “soviético”, de um lado os que anseiam pelo seu regresso, e, do outro, os que o usam para diabolizar o “socialismo”.

Em termos gerais, nessa comunicação Putin acusou Lenine de ter criado uma Ucrânia autónoma, que, até à “traição” da Revolução Bolchevique, era parte “integrante” e “indivisível” do Império Russo.

Esse principio levou-o mesmo a reforçar o argumentário a favor da  invasão da Crimeia em 2014, recordando que este território tinha sido integrada “à força” no Estado Soviético federal da Ucrânia, por outro líder soviético, Krutchev, líder comunista de origem ucraniana.

Ou seja, acaba por considerar a Ucrânia um Estado “inventado” pelos bolcheviques e reforçado ao longo do regime soviético.

Mas a sua narrativa foi ainda mais longe, dizendo que, os ucranianos, ao derrubarem as estátuas de Lenine, estavam a derrubar quem lhes deu “razão” para a sua independência e, acrescentou, se querem mesmo “descomunizar” a Ucrânia devem ir “até ao fim”, estando ele, Putin, “pronto para vos mostrar o que significa para a Ucrânia a verdadeira descomunização”, ou seja, essa “descomunização” só estará completa, se acabar com essa “invenção” bolchevique de uma Ucrânia independente e autonoma, integrando-a na “mãe” pátria, o grande império Russo, “destruído” pelos bolcheviques e que Putin visa reconstruir.

Para aqueles, nostálgicos da “grandeza” da  União Soviética,  que viam em Putin uma espécie de regresso à “grandeza” do “comunismo” soviético, espero que este discurso tenha sido revelador e esclarecedor sobre quem é de facto Putin, uma espécie de Hitler dos nossos tempos.

Aquela revisão da história revela toda a natureza política de Putin, um autocrata imperialista, um populista nacionalista, que bebeu o pior de Stalin e o pior do fascismo para construir a sua narrativa histórica.

Basta ver quem tem estado activamente do seu lado ou tem sido por ele apoiado: Le Pen, Trump, Bolsonaro…

Claro que, como já dissemos noutro texto, o “ocidente” e a NATO não estão isentos de responsabilidade na escalada bélica, nem podem dar grandes lições de história ao ditador russo. 

Aliás, muito da estratégia e da narrativa Russa para se apoderar de parte da Ucrânia (veremos, no futuro, se não de toda a Ucrânia) não é muito diferente da utilizada pelo “ocidente”, em especial pelos Estados Unidos, e mais recentemente pela NATO, para várias intervenções militares por esse mundo fora, ao longo da história.

Durante as últimas décadas humilharam a Rússia, apoiando todas os movimentos separatistas e independentistas que enfraquecessem esse país, colocando armamento às suas portas, ao mesmo tempo que fechavam os olhos e beneficiavam dos investimentos financeiros no Ocidente, feitos pelos corruptos oligarcas, que são a principal base de apoio de Putin.

Claro, também, que, se aceitamos que vários estados se tenham separado da Rússia para fundarem novos estados, sem ter em conta outros “direitos internacionais” e sem qualquer referendo popular para os tornar independentes, temos de aceitar que certas regiões, algumas integradas à pressa nesses novos Estados, tenham direito a escolher a sua autonomia ou a sua integração noutra região.

Mas, contudo, tal só poderá ser aceitável com recurso a referendos democráticos, e respeitando a negociação, situação que não é aquela que se passou, ou passa, quer na Crimeia quer nos actuais estados agora reconhecidos pela Rússia.

O diálogo e a verdade histórica não são, como já sabemos, e aquela comunicação confirma, as principais preocupações de Putin.

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