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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

DIÁRIOS DE KIEV – (3-4-5) por Pedro Caldeira Rodrigues (Agência LUSA) - 18 e 19 de Fevereiro de 2022



18 de Fevereiro de 2022

Ucrânia: Os longos protestos contra o colapso económico que juntam inimigos políticos

“ Na manhã de quinta-feira, rodeados por numeroso dispositivo da polícia de intervenção, algumas centenas de pessoas regressaram à Praça Maidan, centro de Kiev, em protesto contra a situação económica e o aumento dos impostos.

Num dia com um tímido sol a despontar, quatro graus positivos e vento persistente que depois trouxe chuva, a pequena multidão, com bandeiras brancas e a frase “Salvem a Ucrânia”, lema do movimento, foi forçada a dispersar por dezenas de polícias de intervenção equipados a rigor. Momentos de tensão, num país em tensão permanente desde o início da guerra no leste, na região do Donbass.

A concentração, que interrompeu o trânsito na avenida Khreschatyk, voltou a ser apoiada por forças irreconciliáveis entre si, mas unidas na oposição ao Presidente Volodymyr Zelenski.

“Não foi uma manifestação política, foi de pequenos empresários que protestam contra diversas medidas do Governo e exigem a redução da pressão dos impostos e dos decretos administrativos dirigidos ao pequeno comércio”, disse à Lusa Volodymyr Ariev, deputado do Solidariedade Europeia (YeS), o antigo bloco de Petro Poroshenko que nas legislativas de outubro de 2014 garantiu 132 dos 423 lugares na Rada.

Este partido de centro-direita, nacionalista e pró-europeu, foi derrotado em 2019 pela formação do atual Presidente, que também se impôs por larga margem ao rival Poroshenko nas presidenciais que decorreram em simultâneo.

“Protestam há mais de ano e meio, e por vezes fazem grandes manifestações, como agora sucedeu”, acrescenta Ariev.

Mas este protesto também obteve o apoio da Plataforma da Oposição - Pela Vida (OPZZh), um partido definido como pró-russo que contesta a aproximação à União Europeia, dirigido pelo oligarca Viktor Medvedchuk e que se afirma solidário com os pequenos empresários em protesto pelas recentes medidas sobre transações bancárias aconselhadas por Bruxelas e que consideram fatais para o seu negócio, onde imperava o ‘dinheiro vivo’.

Progressivamente, a frase que ecoou por toda a praça, com a ajuda de um megafone, acabou por se dissipar, também abafada pelo ruído dos automóveis que retomaram a circulação, e tudo voltou ao normal.

Mas a situação económica da Ucrânia, um país com quase 40 milhões de habitantes, muito dependente de empréstimos e doações das grandes instituições financeiras internacionais, é grave. O PIB ‘per capita’ coloca-o no 119º lugar à escala global e o desemprego e a pobreza parecem desafiar todas as estatísticas oficiais.

Anton Naychuk, 31 anos, doutorado em Ciências Políticas e um dos diretores da Fundação Diplomacia Civil, um instituto próximo do atual Governo, reconhece o momento crucial que o seu país atravessa. “Devido à permanente pressão internacional, os investidores estrangeiros estão a tentar retirar o seu dinheiro da Ucrânia, e isso está a provocar muitos problemas. O Presidente, o Governo, a sociedade civil, entendem que o risco de uma agressão russa está presente, mas tentamos manter a calma e explicar aos nossos parceiros internacionais que este contexto pode ser ultrapassado”, afirma.

“Já perdemos cerca de seis mil milhões de dólares [5,3 mil milhões de euros] em investimentos desde o início desta crise [em 2014 com a anexação da Crimeia pela Rússia e o início da guerra no Donbass], e o desemprego é outro grande problema. Muitos investidores não querem trabalhar com a Ucrânia, apesar de tentarmos transmitir garantias”, prossegue o responsável da Fundação e mandatado para delinear o processo político e a preparação de um roteiro para investimentos estrangeiros na Ucrânia.

“É muito difícil garantir novas oportunidades, novos negócios, porque os investidores não vêm para aqui, e há muitos que tentam mesmo fechar os seus negócios”, acentua Naychuk.

Neste contexto, os contínuos alertas ocidentais sobre uma “invasão iminente” estão a motivar um grande incómodo na liderança de Kiev, incluindo no Presidente Volodymyr Zelensky.

A cumplicidade com o atual poder instalado no palácio Mariinsky leva Anton Naychuk a interrogar-se se a concentração na praça Maidan foi um “protesto” ou antes uma “iniciativa política que pretende extrair benefícios”, e quando o Governo, assegura, mantém “contacto direto com os empresários” ucranianos e tenta encontrar compromissos.

O combate à corrupção e ao poder da oligarquia financeira também associada ao político e empresário milionário Poroshenko – acusado em dezembro de 2021 pelas autoridades ucranianas de alta traição num caso relacionado com a alegada compra de carvão em territórios das repúblicas separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk e a aguardar o julgamento em liberdade – foi anunciada como uma das prioridades dos novos dirigentes, mas os resultados escasseiam.

“A corrupção é um problema para todos os países, mas na Ucrânia talvez tenha sido um pouco mais problemática porque não foram tomadas medidas suficientes para resolver a situação. Houve uma reforma do sistema judicial que não obteve bons resultados após um conflito entre diversas instituições do Estado”, diz Naychuk.

A presença dos “grupos de influência”, dos oligarcas, permanece muito visível, apesar da íntima colaboração entre o chefe de Estado e o parlamento, dominado pelo partido presidencial, na elaboração de projetos-lei para contrariar essa influência e impedir que muitos deputados permaneçam controlados por grupos financeiros.

“A nossa prioridade é o reforço dos laços económicos com a União Europeia, mas em simultâneo, em particular nas regiões do leste, muitos negócios continuam a ser orientados pela Rússia, onde continuam a existir fábricas, produção”, indica Naychuk.

“Apesar de dizermos que a Rússia é a agressora, tentamos construir uma política de vizinhança, existem riscos militares dos dois lados, mas em simultâneo é necessário construir a nossa política regional tendo em conta os nossos interesses nacionais”, adianta.

A guerra no leste implicou que a Ucrânia perdesse importantes unidades industriais, agora sob controlo das administrações pró-russas das autoproclamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, e com centenas de milhares de passaportes russos distribuídos pela sua população, perto dos quatro milhões.

“Todos estes factores têm um reflexo negativo na nossa situação económica, e explicam como a nossa economia não está tão bem como desejávamos. O covid-19 também teve um impacto muito negativo, e o principal objetivo do nosso Governo é encontrar uma solução para estes problemas”, concluiu”.

Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)

19 de Fevereiro de 2022

Ucrânia: A cidade que não esqueceu os seus mortos

“Em Kiev, oito anos após a “Revolução de Maidan” do inverno de 2014, presta-se tributo a quem tombou durante os violentos confrontos que ditaram o fim de uma contestada opção política, iniciando uma prolongada guerra ainda sem desfecho.

Junto a uma pequena capela de madeira fica o mausoléu em memória dos “Cem Celestiais”, mártires da “Revolução de Maidan”. Um grupo de raparigas, algumas com ramos de flores, perfila-se junto a uma grande lápide de aço e granito com dezenas de fotos. A professora pede para tirar uma fotografia frente ao pequeno templo à guarda da Igreja greco-católica ucraniana, uma construção de madeira erguida em memória dos caídos.

Tinha já decorrido a cerimónia religiosa celebrada por dois padres, com cânticos e ornamentos coloridos e reluzentes, frente a uma grande cruz de madeira com Cristo crucificado, esculpido. Um ritual de uma Igreja católica, fiel ao Vaticano, mas de rito bizantino, herança da conflituosa história que assolou estas regiões do leste, com fronteiras disputadas entre impérios rivais e distintas obediências ao sagrado.

No percurso em direção ao monumento, em fitas atadas a árvores ou colocadas nos arbustos, dezenas de figuras de sinos, de anjos, todos brancos e recortados a papel.

A capela de madeira, que designam de “Templo do Arcanjo Miguel e Novos Mártires Ucranianos”, foi erguida em três dias, tal como a cruz. Cerca de um mês antes, em 20 de fevereiro, 47 defensores da brigada “Porta de Lviv”, da “42ª unidade da autodefesa de Maidan” foram mortos neste local, em confrontos com as forças policiais.

“Foram pessoas que morreram, dispararam sobre eles… Foi a professora que nos trouxe aqui, já viemos antes. Foram mortos por coisas do Governo”, diz Vi, 12 anos, integrada na visita escolar.

Por toda a cidade, grupos de jovens, de mulheres, de idosos, recolhem-se frente aos altares a céu aberto, tributo aos “heróis” tombados na também designada “Revolução da Dignidade”.

Cravos vermelhos, coroas de flores, capacetes de segurança geralmente usados nas construções que pertenciam a insurgentes abatidos na “Revolução de Maidan e dos ‘Snipers’” – como também se designa a rebelião contra o Presidente “pró-russo” Viktor Yanukovych para recordar os atiradores furtivos que dispararam em direção aos protestos – estão alinhados com devoção.

Perto da praça Maidan, outro altar improvisado com uma cruz, uma bandeira nacional azul e amarela, restos de uma barricada e um pneu acompanham as fotos dos 11 caídos que, incentivados pelas oposições, se juntaram aos milhares que desceram às ruas em protesto pela recusa de Yanukovych em assinar um acordo de associação comercial com a União Europeia. O pretexto para a revolução.

Nas proximidades, dois idosos vendem pequenas fitas de pano coloridas que depois são atadas num corrimão, às centenas, ou presas às fotos. Nessa rua que sobe a partir da grande praça, pequenos tijolos de cimento colocados num muro enquadram duas centenas de fotos dos mortos de Maidan, a maioria homens, algumas mulheres. Muitos com cravos vermelhos no pequeno nicho, velas, mesmo objetos pessoais que lhes eram queridos, uma longa tradição religiosa ortodoxa.

Perto, numa ponte aérea pedonal, está colocada uma grande faixa que exige a libertação de Nariman Jelal, tártaro da Crimeia, ativista, detido após a anexação da península pela Rússia.

Em diversos pontos da cidade também foram instalados painéis de metal com fotos dos “heróis ucranianos” mortos nos combates que eclodiram após a rebelião separatista das populações russófonas do leste na primavera de 2014, também acompanhados pelos seus cravos e velas. Deixaram-se mensagens, poemas em lápides ou em papel, bandeiras nacionais.

Há oito anos que a Ucrânia parece viver em estado de luto permanente, desanuviado na primavera de 2019 com a vitória de um “marginal da política”, o ex-comediante e atual Presidente Volodymyr Zelenski, que prometeu melhor nível de vida, combate à oligarquia corrupta, solução negociada do conflito no leste. Uma esperança que se desvaneceu com as resistências internas, e ultimamente com o agravamento das relações com a Rússia e as alegações de iminentes invasões militares emitidas por aliados ocidentais.

Tudo parece ter regressado ao passado mais cinzento. E uma das formas de colocar em segundo plano os desafios do dia a dia, no país rotulado como “o mais pobre da Europa”, consiste na contínua mobilização em torno de reemergentes referências nacionais.

Assim sucedeu na passada quarta-feira, um dia estipulado pelo aliado norte-americano para a anunciada invasão.  O Presidente Zelenski dirigiu-se na noite anterior ao país pela televisão e decidiu declará-lo “Dia da Unidade”. Bandeiras azuis e amarelas foram hasteadas nos edifícios, colocadas nos postes de iluminação nas principais avenidas, e às 10:00 em ponto entoou-se o hino nacional. Kiev ficou engalanada.

“O risco de uma guerra total não é tão direto. Mas não excluo a possibilidade de um conflito local na linha de contacto no Donbass. Os dois lados podem iniciar um conflito e que poderá alastrar”, admite Anton Naychuk, 31 anos, doutorado em Ciências Políticas e um dos responsáveis da Fundação Diplomacia Civil, uma organização que se afirma vocacionada para a adoção de decisões acertadas em política externa e muito próxima do atual Presidente.

“Tentamos equacionar todas as variantes possíveis, a forma como poderá ser abordada a situação. Mas espero que não se assista ao confronto direto entre dois grandes exércitos, isso seria uma grande tragédia para a Ucrânia e para toda a Europa, incluindo a Federação russa”, assinala após pedir desculpa pelo atraso no encontro, justificado pelo trânsito intenso numa tarde cinzenta e chuvosa em Kiev.

“Com as conversações diplomáticas sobre garantias de segurança, atendendo à situação do [gasoduto russo-alemão] Nord Stream II e todos os restantes casos, espero que Putin não decida atacar a Ucrânia”.

Na Ucrânia, institutos oficiais, organizações da sociedade civil, investigadores independentes, prosseguem na análise de um processo pelo qual uma sociedade relativamente pacífica degenerou para a rebelião civil, o conflito e a guerra. Um ponto de viragem que implica profunda reflexão, incluindo as consequências futuras de uma derrota ou vitória nesta guerra entre “irmãos”, mesmo que remetida ao campo diplomático.

E existem setores da sociedade ucraniana mais renitentes perante um eventual acordo de paz que apenas signifique o regresso a uma “guerra congelada”, sem qualquer perspetiva de recuperação de territórios.

“A possibilidade de uma invasão permanece muito elevada. Não ocorreu uma importante retirada de tropas e prosseguem os preparativos para uma invasão, com todos os cenários ainda possíveis”, diz à Lusa Volodymyr Ariev, deputado do Solidariedade Europeia (YeS), um partido conservador, nacionalista, e principal força da oposição.

Apesar de o seu partido, liderado pelo ex-presidente Petro Poroshenko continuar a promover em simultâneo uma feroz oposição a Zelensky e ao seu partido Servo do Povo (SN) com maioria na Verkhovna Rada, o parlamento unicameral ucraniano, a “defesa do território” gera consenso nacional.

“Os perigos vão aumentar, pode começar no leste e depois alastrar a outras regiões sob controlo do Governo ucraniano. Se a Rússia reconhecer a independências das repúblicas populares secessionistas isso pode significar uma escalada imediata porque essas designadas repúblicas gostariam de controlar mais territórios dos oblast [províncias]”, prognostica.

Após a “revolução de Maidan”, que Moscovo considera um “golpe de Estado” dirigido a partir do exterior, a Rússia respondeu com a anexação da península da Crimeia e de seguida forneceu apoio técnico e logístico aos separatistas armados pró-russos da região do Donbass (leste), que declararam “duas repúblicas populares” em Donetsk e Lugansk, ainda não reconhecidas por Moscovo.

Na quarta-feira, a Duma russa (parlamento) aprovou uma resolução nesse sentido dirigia a Putin, que cautelosamente ainda não acatou a ordem, porque a medida significaria o fim das negociações assentes no acordo de Minsk II de 2015, favoráveis às pretensões separatistas de ampla autonomia.

Numa aparência de um dia a dia normal, os tambores da guerra continuam a assolar os ucranianos. Temem que o seu país seja abandonado, remetido a um limbo, à mercê dos interesses das grandes potências, porque sabem ter sido nesta estratégica região entre as “duas Europas” que os poderosos elegeram um novo palco para esgrimir os seus argumentos”.

Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)

19 de Fevereiro de 2022

Ucrânia: Uma guerra no horizonte, mas com negócios à parte

“ Armas e munições dos Estados Unidos, Polónia ou Lituânia, drones da Turquia e capacetes da Alemanha, material militar que nas últimas semanas tem reforçado o exército ucraniano e que denuncia divergentes abordagens geopolíticas face ao conflito com a Rússia.

Neste rodopio de armamento envolvendo avultadas verbas - e que alguns consideram um incentivo para o exército ucraniano efetuar uma operação-surpresa nas regiões controladas pelas forças separatistas pró-russas no leste, região do Donbas - tem-se destacado a Turquia através de um delicado jogo de equilíbrio com os vizinhos Rússia e Ucrânia com qual este membro da NATO tem pretendido afirmar-se como potencial e decisivo mediador do conflito.

No início de fevereiro, a convite do seu homólogo Volodymyr Zelensky, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou Kiev e assinou diversos acordos bilaterais que preveem um contínuo reforço das relações entre os dois países, que também ensaiam em paralelo uma aproximação a Israel.

Após a assinatura de um acordo de cooperação nas áreas da Alta tecnologia, Aviação e Espaço, Haluk Bayraktar, diretor executivo da Baykar Malina, que produz os drones militares Bayraktar TB2 utilizados pelo exército ucraniano, confirmou a abertura de uma fábrica na Ucrânia para a produção destes aparelhos.

Na ocasião, durante uma conferência de imprensa conjunta e após agradecer a Erdogan – que emitiu um discurso cauteloso para não irritar o Presidente russo Vladimir Putin, esperado proximamente em Ancara –, Zelensky disse que o acordo vai expandir a produção na Ucrânia dos veículos aéreos não tripulados (UAV) da Baykar Makina, uma empresa familiar na qual Selçuk, irmão de Haluk e genro de Erdogan, é sócio.

"Também cria mais empregos e reforça as capacidades militares da Ucrânia", acrescentou Zelensky.

A apresentação do catálogo desta empresa constituiu uma das prioridades de Erdogan nas suas vistas oficiais, e o produto está em alta. Os Bayraktar TB2 foram decisivos na vitória militar do Azerbaijão sobre a Arménia em torno do enclave do Nagorno-Karabakh, no outono de 2000, e já foram utilizados pelo exército ucraniano contra as forças russófonas no Donbas, uma ação que implicou fortes protestos de Moscovo.

"Apesar do reforço do nosso exército, não penso que uma ofensiva militar ucraniana para recuperar os territórios do Donbas seja uma opção. O Governo ucraniano, os responsáveis militares e civis têm sublinhado que a Ucrânia não prevê qualquer operação militar para libertar os territórios ocupados", indicou à agência Lusa Milan Lelich, o apodo de Oleksandr Khymych, analista político para a agência noticiosa RBC-Ukraine.

A sua abordagem contraria as informações sobre uma súbita escalada da tensão junto da "linha de contacto" delineada nos dois acordos de Minsk (junho de 2014 e fevereiro de 2015), com os dois exércitos a acusarem-se mutuamente de contínuas violações do cessar-fogo – uma constante nos últimos oito anos agora confirmada pelos observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) –, ou os anúncios da retirada de populações de territórios das "repúblicas populares" secessionistas para zonas mais seguras e a ordem de mobilização geral.

"Todo o armamento que temos recebido dos nossos aliados e parceiros ocidentais, que muito agradecemos, é apenas para propósitos defensivos e destina-se a conter uma eventual invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia. É tudo. Estamos totalmente empenhados numa solução diplomática. Não haverá uma operação militar contra as designadas repúblicas terroristas, as ‘repúblicas populares de Donetsk e Lugansk’. Tenho 100% de certeza", acrescenta Milan Lelich.

Um recente estudo promovido pelo World Value Survey indicou que as Forças Armadas são a instituição que motiva mais confiança entre a população ucraniana (74%), seguida pelas instituições religiosas (72%).

As únicas outras instituições com balanço positivo na confiança social são o "sistema educativo" e as organizações da sociedade civil (ONG).

Neste estudo, os voluntários que se incorporaram no exército são particularmente elogiados, em particular a partir de 2014. As Forças Armadas passaram a ser consideradas "o exército do povo" e não uma máquina hierárquica de generais e oficiais.

Para além dos efetivos nos três ramos militares, a Ucrânia possui uma Guarda Nacional (NGU), força paramilitar dependente do ministério do Interior, e os Batalhões de Defesa territoriais (VTO) na sequência de uma lei específica que permite a mobilização de milhares de cidadãos para treinos militares que decorrem em geral aos fins de semana.

Na sequência de uma decisão governamental, todas as unidades de voluntários foram incorporadas nas Forças Armadas ucranianas, incluindo a "Unidade de operações especiais Azov" (A3OB), uma força nacionalista de extrema-direita e ideologia neonazi, acusada pela OSCE de crimes de guerra no auge do conflito, incluindo raptos, tortura e execuções sumárias. Uma prática também apontada a "unidades especiais" do contingente separatista.

O atual nível de preparação do exército ucraniano, munido de sofisticado material de guerra e mais de 100.000 efetivos – a Alemanha, devido à sua "posição estratégica" apenas forneceu armamento não letal – tornou-o num dos mais eficazes da Europa para situações de combate, quando este confito provocou nos últimos oito anos cerca de 14.000 mortos, dezenas de milhares de feridos e perto de 1,5 milhões de deslocados, dos dois lados.

"De momento estamos no centro do mundo, a Ucrânia tornou-se um elemento de confrontação, incluindo no decurso dos contactos diplomáticos sobre garantias de segurança na Europa", assinala Anton Naychuk, doutorado em Ciências Políticas, um dos diretores da Fundação Diplomacia Civil e considerado próximo do Presidente Zelensky.

"A Ucrânia também se encontra no meio da situação porque a Federação russa quer evitar a adesão da Ucrânia à NATO… E com os EUA e a NATO a afirmarem que a Ucrânia é independente e que deve ser mantida a política de portas abertas".

Com contactos privilegiados no círculo do "partido do Presidente", Anton Naychuk considera que o risco de uma guerra total "não é tão direto" apesar de não excluir a possibilidade de um conflito centrado inicialmente na "linha de contacto", a linha da frente no Donbass. "Os dois lados podem iniciar um conflito e que poderá alastrar", prognosticou.

"Espero que a guerra não se agrave, mas se compararmos hoje o exército ucraniano com a primeira fase da agressão russa, desenvolvemos as suas capacidades, garantimos uma boa colaboração com diversos parceiros, por exemplo a Turquia, conseguimos colocar grande parte do nosso orçamento na área da Defesa, garantimos o nosso armamento, acumulámos muita experiência militar após 2014 e que o tornou num dos mais experientes da Europa, disso não tenho dúvidas".

Na perspetiva de diversos analistas locais, este conflito não pode ser dissociado de uma questão decisiva e da qual os dois países são muito interdependentes: a extração e distribuição do gás.

À margem da "ocupação russa", e antes dos mais recentes e constantes alertas sobre uma invasão militar, o gigante russo Gazrpom e a Naftogaz Ukrainy firmaram em 2020 um contrato sobre o trânsito de gás russo através da Ucrânia por um período de quatro anos, e que permanece em vigor. As relações comerciais bilaterais também aumentaram, com muitos negócios orientados a partir do lado russo.

"O nosso Governo também quer prosseguir estes contratos porque não se trata apenas de um negócio, mas também de garantias de segurança devido à passagem desse gás pelo nosso território. Nessa situação a Rússia não iria intervir no nosso território. É a posição política do nosso Governo", adianta Anton Naychuk.

A insistência dos Estados Unidos na iminência de uma invasão da Rússia ao país vizinho também tem sido motivo de intensa polémica, com muitos a associarem a firmeza de Washington à aproximação das decisivas eleições intercalares de novembro, um teste crucial para Joe Biden.

"Para o Presidente dos EUA, sobretudo após o que sucedeu no Afeganistão, é importante que mantenha autoridade, garanta uma vitória diplomática sobre Putin e surja como um Presidente que conseguiu travar a guerra. E com esta campanha de informação pretendem obter uma grande resposta", concluiu o responsável da Fundação Diplomacia Civil”.

Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)

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