Ucrânia: Os longos protestos contra o colapso económico que juntam inimigos políticos
“ Na manhã de quinta-feira, rodeados por numeroso dispositivo da
polícia de intervenção, algumas centenas de pessoas regressaram à Praça Maidan,
centro de Kiev, em protesto contra a situação económica e o aumento dos
impostos.
Num dia com um tímido sol a despontar, quatro graus positivos e vento
persistente que depois trouxe chuva, a pequena multidão, com bandeiras brancas
e a frase “Salvem a Ucrânia”, lema do movimento, foi forçada a dispersar por
dezenas de polícias de intervenção equipados a rigor. Momentos de tensão, num
país em tensão permanente desde o início da guerra no leste, na região do
Donbass.
A concentração, que interrompeu o trânsito na avenida Khreschatyk,
voltou a ser apoiada por forças irreconciliáveis entre si, mas unidas na
oposição ao Presidente Volodymyr Zelenski.
“Não foi uma manifestação política, foi de pequenos empresários que
protestam contra diversas medidas do Governo e exigem a redução da pressão dos
impostos e dos decretos administrativos dirigidos ao pequeno comércio”, disse à
Lusa Volodymyr Ariev, deputado do Solidariedade Europeia (YeS), o antigo bloco
de Petro Poroshenko que nas legislativas de outubro de 2014 garantiu 132 dos
423 lugares na Rada.
Este partido de centro-direita, nacionalista e pró-europeu, foi
derrotado em 2019 pela formação do atual Presidente, que também se impôs por
larga margem ao rival Poroshenko nas presidenciais que decorreram em
simultâneo.
“Protestam há mais de ano e meio, e por vezes fazem grandes
manifestações, como agora sucedeu”, acrescenta Ariev.
Mas este protesto também obteve o apoio da Plataforma da Oposição -
Pela Vida (OPZZh), um partido definido como pró-russo que contesta a
aproximação à União Europeia, dirigido pelo oligarca Viktor Medvedchuk e que se
afirma solidário com os pequenos empresários em protesto pelas recentes medidas
sobre transações bancárias aconselhadas por Bruxelas e que consideram fatais
para o seu negócio, onde imperava o ‘dinheiro vivo’.
Progressivamente, a frase que ecoou por toda a praça, com a ajuda de um
megafone, acabou por se dissipar, também abafada pelo ruído dos automóveis que
retomaram a circulação, e tudo voltou ao normal.
Mas a situação económica da Ucrânia, um país com quase 40 milhões de
habitantes, muito dependente de empréstimos e doações das grandes instituições
financeiras internacionais, é grave. O PIB ‘per capita’ coloca-o no 119º lugar
à escala global e o desemprego e a pobreza parecem desafiar todas as
estatísticas oficiais.
Anton Naychuk, 31 anos, doutorado em Ciências Políticas e um dos
diretores da Fundação Diplomacia Civil, um instituto próximo do atual Governo,
reconhece o momento crucial que o seu país atravessa. “Devido à permanente
pressão internacional, os investidores estrangeiros estão a tentar retirar o
seu dinheiro da Ucrânia, e isso está a provocar muitos problemas. O Presidente,
o Governo, a sociedade civil, entendem que o risco de uma agressão russa está
presente, mas tentamos manter a calma e explicar aos nossos parceiros
internacionais que este contexto pode ser ultrapassado”, afirma.
“Já perdemos cerca de seis mil milhões de dólares [5,3 mil milhões de
euros] em investimentos desde o início desta crise [em 2014 com a anexação da
Crimeia pela Rússia e o início da guerra no Donbass], e o desemprego é outro
grande problema. Muitos investidores não querem trabalhar com a Ucrânia, apesar
de tentarmos transmitir garantias”, prossegue o responsável da Fundação e
mandatado para delinear o processo político e a preparação de um roteiro para
investimentos estrangeiros na Ucrânia.
“É muito difícil garantir novas oportunidades, novos negócios, porque
os investidores não vêm para aqui, e há muitos que tentam mesmo fechar os seus
negócios”, acentua Naychuk.
Neste contexto, os contínuos alertas ocidentais sobre uma “invasão
iminente” estão a motivar um grande incómodo na liderança de Kiev, incluindo no
Presidente Volodymyr Zelensky.
A cumplicidade com o atual poder instalado no palácio Mariinsky leva
Anton Naychuk a interrogar-se se a concentração na praça Maidan foi um
“protesto” ou antes uma “iniciativa política que pretende extrair benefícios”,
e quando o Governo, assegura, mantém “contacto direto com os empresários”
ucranianos e tenta encontrar compromissos.
O combate à corrupção e ao poder da oligarquia financeira também
associada ao político e empresário milionário Poroshenko – acusado em dezembro
de 2021 pelas autoridades ucranianas de alta traição num caso relacionado com a
alegada compra de carvão em territórios das repúblicas separatistas pró-russas
de Donetsk e Lugansk e a aguardar o julgamento em liberdade – foi anunciada
como uma das prioridades dos novos dirigentes, mas os resultados escasseiam.
“A corrupção é um problema para todos os países, mas na Ucrânia talvez
tenha sido um pouco mais problemática porque não foram tomadas medidas
suficientes para resolver a situação. Houve uma reforma do sistema judicial que
não obteve bons resultados após um conflito entre diversas instituições do
Estado”, diz Naychuk.
A presença dos “grupos de influência”, dos oligarcas, permanece muito
visível, apesar da íntima colaboração entre o chefe de Estado e o parlamento,
dominado pelo partido presidencial, na elaboração de projetos-lei para
contrariar essa influência e impedir que muitos deputados permaneçam
controlados por grupos financeiros.
“A nossa prioridade é o reforço dos laços económicos com a União
Europeia, mas em simultâneo, em particular nas regiões do leste, muitos
negócios continuam a ser orientados pela Rússia, onde continuam a existir
fábricas, produção”, indica Naychuk.
“Apesar de dizermos que a Rússia é a agressora, tentamos construir uma
política de vizinhança, existem riscos militares dos dois lados, mas em
simultâneo é necessário construir a nossa política regional tendo em conta os
nossos interesses nacionais”, adianta.
A guerra no leste implicou que a Ucrânia perdesse importantes unidades
industriais, agora sob controlo das administrações pró-russas das
autoproclamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, e com centenas de
milhares de passaportes russos distribuídos pela sua população, perto dos
quatro milhões.
“Todos estes factores têm um reflexo negativo na nossa situação
económica, e explicam como a nossa economia não está tão bem como desejávamos.
O covid-19 também teve um impacto muito negativo, e o principal objetivo do
nosso Governo é encontrar uma solução para estes problemas”, concluiu”.
Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)
19 de Fevereiro de 2022
Ucrânia: A cidade que não esqueceu os seus mortos
“Em Kiev, oito anos após a “Revolução de Maidan” do inverno de 2014,
presta-se tributo a quem tombou durante os violentos confrontos que ditaram o
fim de uma contestada opção política, iniciando uma prolongada guerra ainda sem
desfecho.
Junto a uma pequena capela de madeira fica o mausoléu em memória dos “Cem
Celestiais”, mártires da “Revolução de Maidan”. Um grupo de raparigas, algumas
com ramos de flores, perfila-se junto a uma grande lápide de aço e granito com
dezenas de fotos. A professora pede para tirar uma fotografia frente ao pequeno
templo à guarda da Igreja greco-católica ucraniana, uma construção de madeira
erguida em memória dos caídos.
Tinha já decorrido a cerimónia religiosa celebrada por dois padres, com
cânticos e ornamentos coloridos e reluzentes, frente a uma grande cruz de
madeira com Cristo crucificado, esculpido. Um ritual de uma Igreja católica,
fiel ao Vaticano, mas de rito bizantino, herança da conflituosa história que
assolou estas regiões do leste, com fronteiras disputadas entre impérios rivais
e distintas obediências ao sagrado.
No percurso em direção ao monumento, em fitas atadas a árvores ou
colocadas nos arbustos, dezenas de figuras de sinos, de anjos, todos brancos e
recortados a papel.
A capela de madeira, que designam de “Templo do Arcanjo Miguel e Novos
Mártires Ucranianos”, foi erguida em três dias, tal como a cruz. Cerca de um
mês antes, em 20 de fevereiro, 47 defensores da brigada “Porta de Lviv”, da
“42ª unidade da autodefesa de Maidan” foram mortos neste local, em confrontos
com as forças policiais.
“Foram pessoas que morreram, dispararam sobre eles… Foi a professora
que nos trouxe aqui, já viemos antes. Foram mortos por coisas do Governo”, diz
Vi, 12 anos, integrada na visita escolar.
Por toda a cidade, grupos de jovens, de mulheres, de idosos,
recolhem-se frente aos altares a céu aberto, tributo aos “heróis” tombados na
também designada “Revolução da Dignidade”.
Cravos vermelhos, coroas de flores, capacetes de segurança geralmente
usados nas construções que pertenciam a insurgentes abatidos na “Revolução de
Maidan e dos ‘Snipers’” – como também se designa a rebelião contra o Presidente
“pró-russo” Viktor Yanukovych para recordar os atiradores furtivos que
dispararam em direção aos protestos – estão alinhados com devoção.
Perto da praça Maidan, outro altar improvisado com uma cruz, uma
bandeira nacional azul e amarela, restos de uma barricada e um pneu acompanham
as fotos dos 11 caídos que, incentivados pelas oposições, se juntaram aos
milhares que desceram às ruas em protesto pela recusa de Yanukovych em assinar
um acordo de associação comercial com a União Europeia. O pretexto para a
revolução.
Nas proximidades, dois idosos vendem pequenas fitas de pano coloridas
que depois são atadas num corrimão, às centenas, ou presas às fotos. Nessa rua
que sobe a partir da grande praça, pequenos tijolos de cimento colocados num
muro enquadram duas centenas de fotos dos mortos de Maidan, a maioria homens,
algumas mulheres. Muitos com cravos vermelhos no pequeno nicho, velas, mesmo
objetos pessoais que lhes eram queridos, uma longa tradição religiosa ortodoxa.
Perto, numa ponte aérea pedonal, está colocada uma grande faixa que
exige a libertação de Nariman Jelal, tártaro da Crimeia, ativista, detido após
a anexação da península pela Rússia.
Em diversos pontos da cidade também foram instalados painéis de metal
com fotos dos “heróis ucranianos” mortos nos combates que eclodiram após a
rebelião separatista das populações russófonas do leste na primavera de 2014,
também acompanhados pelos seus cravos e velas. Deixaram-se mensagens, poemas em
lápides ou em papel, bandeiras nacionais.
Há oito anos que a Ucrânia parece viver em estado de luto permanente,
desanuviado na primavera de 2019 com a vitória de um “marginal da política”, o
ex-comediante e atual Presidente Volodymyr Zelenski, que prometeu melhor nível
de vida, combate à oligarquia corrupta, solução negociada do conflito no leste.
Uma esperança que se desvaneceu com as resistências internas, e ultimamente com
o agravamento das relações com a Rússia e as alegações de iminentes invasões
militares emitidas por aliados ocidentais.
Tudo parece ter regressado ao passado mais cinzento. E uma das formas
de colocar em segundo plano os desafios do dia a dia, no país rotulado como “o
mais pobre da Europa”, consiste na contínua mobilização em torno de
reemergentes referências nacionais.
Assim sucedeu na passada quarta-feira, um dia estipulado pelo aliado
norte-americano para a anunciada invasão.
O Presidente Zelenski dirigiu-se na noite anterior ao país pela
televisão e decidiu declará-lo “Dia da Unidade”. Bandeiras azuis e amarelas
foram hasteadas nos edifícios, colocadas nos postes de iluminação nas
principais avenidas, e às 10:00 em ponto entoou-se o hino nacional. Kiev ficou
engalanada.
“O risco de uma guerra total não é tão direto. Mas não excluo a
possibilidade de um conflito local na linha de contacto no Donbass. Os dois
lados podem iniciar um conflito e que poderá alastrar”, admite Anton Naychuk,
31 anos, doutorado em Ciências Políticas e um dos responsáveis da Fundação
Diplomacia Civil, uma organização que se afirma vocacionada para a adoção de
decisões acertadas em política externa e muito próxima do atual Presidente.
“Tentamos equacionar todas as variantes possíveis, a forma como poderá
ser abordada a situação. Mas espero que não se assista ao confronto direto
entre dois grandes exércitos, isso seria uma grande tragédia para a Ucrânia e
para toda a Europa, incluindo a Federação russa”, assinala após pedir desculpa
pelo atraso no encontro, justificado pelo trânsito intenso numa tarde cinzenta
e chuvosa em Kiev.
“Com as conversações diplomáticas sobre garantias de segurança,
atendendo à situação do [gasoduto russo-alemão] Nord Stream II e todos os
restantes casos, espero que Putin não decida atacar a Ucrânia”.
Na Ucrânia, institutos oficiais, organizações da sociedade civil,
investigadores independentes, prosseguem na análise de um processo pelo qual
uma sociedade relativamente pacífica degenerou para a rebelião civil, o
conflito e a guerra. Um ponto de viragem que implica profunda reflexão,
incluindo as consequências futuras de uma derrota ou vitória nesta guerra entre
“irmãos”, mesmo que remetida ao campo diplomático.
E existem setores da sociedade ucraniana mais renitentes perante um
eventual acordo de paz que apenas signifique o regresso a uma “guerra
congelada”, sem qualquer perspetiva de recuperação de territórios.
“A possibilidade de uma invasão permanece muito elevada. Não ocorreu
uma importante retirada de tropas e prosseguem os preparativos para uma
invasão, com todos os cenários ainda possíveis”, diz à Lusa Volodymyr Ariev,
deputado do Solidariedade Europeia (YeS), um partido conservador, nacionalista,
e principal força da oposição.
Apesar de o seu partido, liderado pelo ex-presidente Petro Poroshenko
continuar a promover em simultâneo uma feroz oposição a Zelensky e ao seu
partido Servo do Povo (SN) com maioria na Verkhovna Rada, o parlamento
unicameral ucraniano, a “defesa do território” gera consenso nacional.
“Os perigos vão aumentar, pode começar no leste e depois alastrar a
outras regiões sob controlo do Governo ucraniano. Se a Rússia reconhecer a
independências das repúblicas populares secessionistas isso pode significar uma
escalada imediata porque essas designadas repúblicas gostariam de controlar
mais territórios dos oblast [províncias]”, prognostica.
Após a “revolução de Maidan”, que Moscovo considera um “golpe de
Estado” dirigido a partir do exterior, a Rússia respondeu com a anexação da
península da Crimeia e de seguida forneceu apoio técnico e logístico aos
separatistas armados pró-russos da região do Donbass (leste), que declararam
“duas repúblicas populares” em Donetsk e Lugansk, ainda não reconhecidas por
Moscovo.
Na quarta-feira, a Duma russa (parlamento) aprovou uma resolução nesse
sentido dirigia a Putin, que cautelosamente ainda não acatou a ordem, porque a
medida significaria o fim das negociações assentes no acordo de Minsk II de
2015, favoráveis às pretensões separatistas de ampla autonomia.
Numa aparência de um dia a dia normal, os tambores da guerra continuam
a assolar os ucranianos. Temem que o seu país seja abandonado, remetido a um
limbo, à mercê dos interesses das grandes potências, porque sabem ter sido
nesta estratégica região entre as “duas Europas” que os poderosos elegeram um
novo palco para esgrimir os seus argumentos”.
Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)
19 de Fevereiro de 2022
Ucrânia: Uma guerra no horizonte, mas com negócios à parte
“ Armas e munições dos Estados Unidos, Polónia ou Lituânia, drones da
Turquia e capacetes da Alemanha, material militar que nas últimas semanas tem
reforçado o exército ucraniano e que denuncia divergentes abordagens
geopolíticas face ao conflito com a Rússia.
Neste rodopio de armamento envolvendo avultadas verbas - e que alguns consideram um incentivo para o exército ucraniano efetuar uma operação-surpresa nas regiões controladas pelas forças separatistas pró-russas no leste, região do Donbas - tem-se destacado a Turquia através de um delicado jogo de equilíbrio com os vizinhos Rússia e Ucrânia com qual este membro da NATO tem pretendido afirmar-se como potencial e decisivo mediador do conflito.
No início de fevereiro, a convite do seu homólogo Volodymyr Zelensky, o
Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou Kiev e assinou diversos acordos
bilaterais que preveem um contínuo reforço das relações entre os dois países,
que também ensaiam em paralelo uma aproximação a Israel.
Após a assinatura de um acordo de cooperação nas áreas da Alta
tecnologia, Aviação e Espaço, Haluk Bayraktar, diretor executivo da Baykar
Malina, que produz os drones militares Bayraktar TB2 utilizados pelo exército
ucraniano, confirmou a abertura de uma fábrica na Ucrânia para a produção destes
aparelhos.
Na ocasião, durante uma conferência de imprensa conjunta e após
agradecer a Erdogan – que emitiu um discurso cauteloso para não irritar o
Presidente russo Vladimir Putin, esperado proximamente em Ancara –, Zelensky
disse que o acordo vai expandir a produção na Ucrânia dos veículos aéreos não
tripulados (UAV) da Baykar Makina, uma empresa familiar na qual Selçuk, irmão
de Haluk e genro de Erdogan, é sócio.
"Também cria mais empregos e reforça as capacidades militares da
Ucrânia", acrescentou Zelensky.
A apresentação do catálogo desta empresa constituiu uma das prioridades
de Erdogan nas suas vistas oficiais, e o produto está em alta. Os Bayraktar TB2
foram decisivos na vitória militar do Azerbaijão sobre a Arménia em torno do
enclave do Nagorno-Karabakh, no outono de 2000, e já foram utilizados pelo
exército ucraniano contra as forças russófonas no Donbas, uma ação que implicou
fortes protestos de Moscovo.
"Apesar do reforço do nosso exército, não penso que uma ofensiva
militar ucraniana para recuperar os territórios do Donbas seja uma opção. O
Governo ucraniano, os responsáveis militares e civis têm sublinhado que a
Ucrânia não prevê qualquer operação militar para libertar os territórios
ocupados", indicou à agência Lusa Milan Lelich, o apodo de Oleksandr
Khymych, analista político para a agência noticiosa RBC-Ukraine.
A sua abordagem contraria as informações sobre uma súbita escalada da
tensão junto da "linha de contacto" delineada nos dois acordos de
Minsk (junho de 2014 e fevereiro de 2015), com os dois exércitos a acusarem-se
mutuamente de contínuas violações do cessar-fogo – uma constante nos últimos
oito anos agora confirmada pelos observadores da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE) –, ou os anúncios da retirada de populações de
territórios das "repúblicas populares" secessionistas para zonas mais
seguras e a ordem de mobilização geral.
"Todo o armamento que temos recebido dos nossos aliados e
parceiros ocidentais, que muito agradecemos, é apenas para propósitos defensivos
e destina-se a conter uma eventual invasão em larga escala da Ucrânia pela
Rússia. É tudo. Estamos totalmente empenhados numa solução diplomática. Não
haverá uma operação militar contra as designadas repúblicas terroristas, as
‘repúblicas populares de Donetsk e Lugansk’. Tenho 100% de certeza",
acrescenta Milan Lelich.
Um recente estudo promovido pelo World Value Survey indicou que as Forças Armadas são a instituição que motiva mais confiança entre a população ucraniana (74%), seguida pelas instituições religiosas (72%).
As únicas outras instituições com balanço positivo na confiança social
são o "sistema educativo" e as organizações da sociedade civil (ONG).
Neste estudo, os voluntários que se incorporaram no exército são
particularmente elogiados, em particular a partir de 2014. As Forças Armadas
passaram a ser consideradas "o exército do povo" e não uma máquina
hierárquica de generais e oficiais.
Para além dos efetivos nos três ramos militares, a Ucrânia possui uma
Guarda Nacional (NGU), força paramilitar dependente do ministério do Interior,
e os Batalhões de Defesa territoriais (VTO) na sequência de uma lei específica
que permite a mobilização de milhares de cidadãos para treinos militares que
decorrem em geral aos fins de semana.
Na sequência de uma decisão governamental, todas as unidades de
voluntários foram incorporadas nas Forças Armadas ucranianas, incluindo a
"Unidade de operações especiais Azov" (A3OB), uma força nacionalista
de extrema-direita e ideologia neonazi, acusada pela OSCE de crimes de guerra
no auge do conflito, incluindo raptos, tortura e execuções sumárias. Uma
prática também apontada a "unidades especiais" do contingente
separatista.
O atual nível de preparação do exército ucraniano, munido de
sofisticado material de guerra e mais de 100.000 efetivos – a Alemanha, devido
à sua "posição estratégica" apenas forneceu armamento não letal –
tornou-o num dos mais eficazes da Europa para situações de combate, quando este
confito provocou nos últimos oito anos cerca de 14.000 mortos, dezenas de
milhares de feridos e perto de 1,5 milhões de deslocados, dos dois lados.
"De momento estamos no centro do mundo, a Ucrânia tornou-se um
elemento de confrontação, incluindo no decurso dos contactos diplomáticos sobre
garantias de segurança na Europa", assinala Anton Naychuk, doutorado em
Ciências Políticas, um dos diretores da Fundação Diplomacia Civil e considerado
próximo do Presidente Zelensky.
"A Ucrânia também se encontra no meio da situação porque a
Federação russa quer evitar a adesão da Ucrânia à NATO… E com os EUA e a NATO a
afirmarem que a Ucrânia é independente e que deve ser mantida a política de
portas abertas".
Com contactos privilegiados no círculo do "partido do
Presidente", Anton Naychuk considera que o risco de uma guerra total
"não é tão direto" apesar de não excluir a possibilidade de um
conflito centrado inicialmente na "linha de contacto", a linha da
frente no Donbass. "Os dois lados podem iniciar um conflito e que poderá
alastrar", prognosticou.
"Espero que a guerra não se agrave, mas se compararmos hoje o
exército ucraniano com a primeira fase da agressão russa, desenvolvemos as suas
capacidades, garantimos uma boa colaboração com diversos parceiros, por exemplo
a Turquia, conseguimos colocar grande parte do nosso orçamento na área da
Defesa, garantimos o nosso armamento, acumulámos muita experiência militar após
2014 e que o tornou num dos mais experientes da Europa, disso não tenho
dúvidas".
Na perspetiva de diversos analistas locais, este conflito não pode ser
dissociado de uma questão decisiva e da qual os dois países são muito
interdependentes: a extração e distribuição do gás.
À margem da "ocupação russa", e antes dos mais recentes e
constantes alertas sobre uma invasão militar, o gigante russo Gazrpom e a
Naftogaz Ukrainy firmaram em 2020 um contrato sobre o trânsito de gás russo
através da Ucrânia por um período de quatro anos, e que permanece em vigor. As
relações comerciais bilaterais também aumentaram, com muitos negócios orientados
a partir do lado russo.
"O nosso Governo também quer prosseguir estes contratos porque não
se trata apenas de um negócio, mas também de garantias de segurança devido à
passagem desse gás pelo nosso território. Nessa situação a Rússia não iria intervir
no nosso território. É a posição política do nosso Governo", adianta Anton
Naychuk.
A insistência dos Estados Unidos na iminência de uma invasão da Rússia
ao país vizinho também tem sido motivo de intensa polémica, com muitos a
associarem a firmeza de Washington à aproximação das decisivas eleições
intercalares de novembro, um teste crucial para Joe Biden.
"Para o Presidente dos EUA, sobretudo após o que sucedeu no
Afeganistão, é importante que mantenha autoridade, garanta uma vitória
diplomática sobre Putin e surja como um Presidente que conseguiu travar a
guerra. E com esta campanha de informação pretendem obter uma grande
resposta", concluiu o responsável da Fundação Diplomacia Civil”.
Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)
Sem comentários:
Enviar um comentário