Ucrânia: Os tártaros da Crimeia, o povo ‘boomerang’
“Num mundo existe um pequeno povo que se considera
"boomerang" porque, à semelhança desse objeto de arremesso, insiste
em regressar às suas origens apesar das muitas tentativas para o dispersar e
desenraizar, os tártaros da Crimeia.
No restaurante Mustafir (Convidado), não longe do centro de Kiev e
transferido do tradicional reduto tártaro de Bakhchysarai para a capital
ucraniana após a anexação da península pela Rússia, em fevereiro de 2014, Alim
Aliev personifica esse peculiar instinto de resistência.
"Somos como um ‘boomerang’ porque o destino remeteu-nos para outro
lugar, mas regressamos sempre. Os meus avós nasceram na Crimeia, os meus pais
na Ásia Central, também nasci na Ásia Central, o meu irmão mais novo já nasceu
na Crimeia e agora vivo em Kiev. Uma movimentação impressionante", contou
à Lusa.
Esta ativista de 33 anos, cofundador da organização Crimeia SOS e
vice-diretor do Instituto ucraniano, vocacionado para promover a visibilidade
da Ucrânia no exterior, a interação profissional e a difusão da cultura do seu
povo, nasceu tal como os seus pais no Uzbequistão, ex-província soviética da
Ásia central, após toda a população tártara ter sido deportada em 1944 por
ordem de Estaline sob a acusação de colaboração com o ocupante nazi durante a
Segunda Guerra Mundial.
O "Surgun", como designam na sua língua a grande deportação
dos 200.000 tártaros da Crimeia, também disseminados à força pelo Quirguistão,
Cazaquistão, Sibéria ou Urais, prolongou-se durante décadas e até 1989, quando
o então Presidente soviético Miklahil Gorbatchov, pouco antes da desintegração
da União Soviética, permitiu o regresso deste povo às suas terras ancestrais.
O Mustafir, que preserva a traça original, é o mais recente testemunho
desta odisseia. Nas paredes e almofadas com cores garridas e desenhos
geométricos, candeeiros ornamentados, o Yantir, o prato nacional tártaro à base
de carne de borrego envolvido por uma massa, e a tradicional bebida Ayran, são
servidos com diligência por jovens homens e mulheres com as suas roupas
tradicionais. As salas estão cheias, escuta-se uma suave música ambiente vinda
dos confins da memória deste povo autóctone da península da Crimeia e de
religião muçulmana.
Em 1989, tinha apenas um ano, a família mudou-se para a Crimeia de onde
eram naturais os avós, numa primeira vaga de regresso dos tártaros às suas
terras de origem. Aí viveu até 2010, estudou, colaborou num jornal local
tártaro e mudou-se para Lviv (oeste da Ucrânia), onde foi consultor de
comunicação e ‘media’.
Alim é um dos mais aguerridos opositores à anexação da Crimeia pela
Rússia, a "nova colonização" como a designa, e a "terceira
tentativa" de reforçar na península o predomínio de população russa.
"Monitorizamos a situação dos direitos humanos na Crimeia e
detetámos mais de 3.000 casos de abusos dos direitos humanos após a ocupação de
2014. A maioria destes abusos são contra os tártaros da Crimeia. Mas é apenas o
topo do iceberg. No fundo, existe esta colonização com várias tendências, em
particular a militarização da península", assinala.
Os tártaros, que se exprimem numa língua com raízes turcófonas, são
hoje cerca de 300.000, 15% da população total de uma península com 2,5 milhões
de habitantes. Dos restantes, 21% dizem-se ucranianos e mais de 60% russos.
"Após a anexação, 30.000 tártaros saíram da Crimeia e
instalaram-se na Ucrânia e agora apenas 3% da população da Crimeia pode
aprender a nossa língua, que segundo a lista da Unesco está em vias de
extinção. Nas escolas existem cada vez menos aulas de língua tártara e nos
tempos da URSS apenas a aprendíamos no meio familiar".
Em simultâneo, registou-se uma vaga proveniente da Rússia. "Pelo
menos 500.000 pessoas, entre eles militares, membros do FSB [os serviços de informações
russos], funcionários administrativos, empresários, pensionistas. Há cada vez
mais russos instalados na Crimeia".
Povo de agricultores e comerciantes, muitos tártaros optaram nos tempos
soviéticos pela carreira médica ou de engenharia, por serem compulsivamente afastados
da área das humanidades.
"Era um povo que se opunha ao regime e, por isso, não convinha que
tivessem educação na área da política ou do jornalismo", afirmou Alim.
Até 1954, a Crimeia estava integrada na República socialista federativa
soviética da Rússia, mas em fevereiro desse ano o ‘presidium’ do Soviete
supremo da URSS, emitiu um decreto sobre a transferência da região da Crimeia
para a República socialista soviética da Ucrânia. Na ocasião, era
secretário-geral do PCUS o ucraniano Nikita Khrushchev e a medida, que não foi
submetida a qualquer referendo ou consulta à população local, motivou muitas
dúvidas sobre a sua legitimidade, sendo inclusive considerada um ato contrário
à lei soviética.
E foi esse um dos pretextos que justificou a anexação da Crimeia pela Rússia de Putin em fevereiro de 2014 – na sequência da "revolta de Maidan" que impôs um Governo "pró-ocidental" em Kiev –, seguida de um referendo em março que confirmou a integração do território na atual Federação russa.
"Agora, a maioria das pessoas na Crimeia tem hoje dois
passaportes, ucraniano e russo. Porque quem não possuir um passaporte russo tem
muitas dificuldades em viver na Crimeia. Estão proibidos de comprar terrenos,
construir casas, ter trabalho", indica o ativista.
O responsável do Instituto ucraniano, que mantém contactos regulares
com as autoridades ucranianas da península agora "no exílio", está
proibido de entrar na Crimeia, onde vivem os seus pais e irmão, que o visitam
com regularidade.
"Atualmente estão detidos 130 tártaros na Crimeia e desde 2014
registámos 15 casos de rapto e sete casos de morte por motivos políticos. Além
de 300 casos de buscas em casas promovidas pelo FSB", revela.
"Mas pretendemos garantir a nossa autonomia numa Ucrânia
democrática e independente. Para nós é importante preservarmo-nos como nação e
assumir mais responsabilidades na Crimeia. Seria um bom modelo, também para a
Ucrânia", sustentou.
O militante mantém contactos com muitos dos tártaros, muitos deles
jovens, que abandonaram a península há oito anos, num processo que designa de
"limpeza de cérebros" e que abrangeu desde jornalistas a figuras
políticas, artistas, estudantes, ativistas de ONG.
"Mas com os meus colegas e amigos estamos a lutar pela Crimeia,
porque é a nossa terra-mãe. Quero regressar à minha terra-mãe livre",
sublinha, com firme convicção, e num processo que define de resistência
pacífica.
"Reivindicamos a desmilitarização e o fim da ocupação da Crimeia.
Também é crucial a preservação da nossa identidade, língua, cultura, tradição,
religião… E por cada ano que passa torna-se num desafio mais difícil. As minhas
atividades focam-se na identidade dos tártaros da Crimeia", afirmou.
Além da atividade no Instituto ucraniano e no SOS Crimeia, uma
organização não governamental (ONG), Alim Aliev também está envolvido no
projeto de 2021 Plataforma Crimeia, uma iniciativa do atual Presidente
ucraniano Volodymyr Zelensky e um "mecanismo internacional" contra a
ocupação da Crimeia com o objetivo de ser difundido por diversos países.
Organizam encontros políticos, culturais, cursos ‘online’ sobre a
história da Crimeia, diversos projetos, a monitorização dos direitos humanos, a
herança cultural da Crimeia.
A mais recente iniciativa é um projeto teatral designado 5 AM, com um
livro editado em 2021 e focalizado em 11 tártaros da Crimeia que estão detidos,
alguns condenados a pesadas penas e onde se incluem políticos e jornalistas.
"Designa-se 5 AM, porque as principais operações de buscas do FSB
na Crimeia iniciam-se às cinco da manhã", explica. Na capa dois ponteiros
negros sob fundo branco apontam para as cinco da manhã.
Um projeto que já tem confirmados espetáculos além-fronteiras, também
em nome da reintegração desta região banhada pelo mar Negro na Ucrânia. Apesar
de muitos dos seus cidadãos já terem migrado, e os novos residentes serem
cidadãos russos”.
Pedro Caldeira Rodrigues (LUSA)
20 de Fevereiro de 2022
Ucrânia: Campanha “Punir Putin” lançada no dia das celebrações de Maidan
“ No praça Maidan, centro de Kiev, algumas dezenas de pessoas
juntaram-se ao início da tarde de hoje para assistir ao lançamento da “Campanha
Punir Putin”, que envolve diversos ativistas e pretende levar a julgamento o
Presidente da Rússia.
Num palco improvisado, a referência em inglês "#Putin criminoso de
guerra", ao lado a frase “Sim à Ucrânia”, num ecrã eletrónico, em rodapé,
“Ucranianos resistirão”.
No painel colado ao palco surgem quatro fotos, lado a lado: Saddam
Hussein, Slobodan Milosevic, Muammar Kadhafi, os três riscados com uma cruz
vermelha, e Putin, com um ponto de interrogação no meio da face. Os promotores
desta iniciativa parecem desejar ao líder russo o destino fatal dos defuntos
dirigentes do Iraque, Sérvia e Líbia.
“A ideia é criar um comité internacional que
será dirigido por diversos membros da sociedade civil, incluindo um antigo juiz
no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia [TPIJ]”, o extinto
organismo ‘ad hoc’ da ONU responsável pelo julgamento de crimes de guerra,
indica um dos promotores da iniciativa.
“Esta campanha terá sucesso, muitos países,
muitas pessoas estiveram submetidas à agressão russa, a agressão de Putin, e
quando unirem os seus esforços esta campanha vai reforçar-se”, prossegue o
jovem, pleno de convicção.
No cimo da escadaria, onde se perfilavam vários homens fardados que
filtravam as entradas para mais perto do palco, exibiam-se alguns dos despojos
da “revolução de Maidan”, entre finais de 2013 e inícios de 2014. Escudos,
capacetes, máscaras de gás, barras de ferro. Os jornalistas acotovelam-se, e o
seu número quase rivaliza com os participantes.
“Pelo microfone passou um representante da
República Chechénia da Ichkeria [no exílio] que luta pela independência desta
república russa do Cáucaso do Norte, um representante dos tártaros da Crimeia
[a península anexada pela Rússia em fevereiro de 2014], um dissidente da
ex-URSS membro da sociedade civil e
representante da comunidade judaica na Ucrânia”, precisa.
Na escadaria, um pequeno grupo de georgianos mostra a frase que
escreveu num longo rolo de papel, “A Geórgia e a Ucrânia serão membros da NATO.
Declaração da Cimeira de Bucareste 2008”. Ao lado, uma rapariga com um cartaz
azul, “Os georgianos apoiam a Ucrânia”. Um país do Cáucaso onde, à semelhança
da região do Donbas, leste da Ucrânia, também foram declaradas duas repúblicas
separatistas, Ossétia do Sul e Abkházia, reconhecidas por Moscovo.
Um casal abandona a praça com a bandeira polaca, vermelha e branca,
estendida pelas costas. Não longe, muitos cidadãos prestam homenagem aos caídos
de Maidan, junto às suas fotos espalhadas pela cidade, em muros, em painéis,
atadas a troncos de árvore.
A iniciativa na praça Maidan terminou com um pequeno comício, no dia do
“início da agressão russa”, esclarece ainda o jovem, que também prestou tributo
aos “Cem Celestiais”, os heróis da revolta desse inverno que mudou os destinos
do país.
Desde o início da manhã que muitos habitantes da capital da Ucrânia
celebraram o oitavo aniversário da “Revolução da Dignidade”, como também é
conhecida a revolta pró-europeia de Maidan que depôs o Presidente “pró-russo”
Viktor Yanukovich, mas em ambiente mais tranquilo.
Uma discreta cerimónia, com fanfarra, juntou o atual Presidente
Volodymyr Zelensky e o seu arquirrival e ex-chefe de Estado, Petro Poroshenho,
que por um momento esqueceram as dissensões políticas e participaram numa missa
de domingo a céu aberto junto ao “Templo do Arcanjo
Miguel e Novos Mártires Ucranianos”.
Mas Alisa, uma fiel partidária de Maidan, revela um perspetiva muito
particular do atual momento.
“Penso que os países europeus esqueceram a
verdadeira razão por que motivo aconteceu Maidan. Em França, por exemplo,
podemos ver candidatos às presidenciais que tentam demonstrar as suas posições
pró-russas apenas por considerarem que a Federação russa é mais forte.
Consideram que se houver guerra com a Federação da Rússia, será ela a vencer”.
Também receia que Maidan comece a ser esquecido por muitos dos aliados
que hoje juram fidelidade a Kiev no conflito com o grande vizinho.
“Os países ocidentais deveriam recordar porque
aconteceu Maidan. Após Maidan, muitas pessoas podiam ter deixado o país mas
ficaram, foram para a guerra, proteger o território, desenvolver o seu país, e
não se tornaram refugiados”, um fenómeno que considera decisivo nas relações
com diversos países europeus.
“Entendo as preocupações dos países ocidentais,
julgo que têm medo de um novo grande fluxo de refugiados se houver guerra,
talvez esteja errada… É importante lembrar-lhes que Maidan aconteceu porque não
queríamos refugiados, antes viver no nosso país e desenvolvê-lo”.
Um dia no qual muitas famílias aproveitaram para passar nos amplos parques da cidade, almoçar em restaurantes, enquanto grupos de jovens se concentravam à saída dos centros comerciais ou de cafés para fumar, conversar, beber cervejas por garrafas de meio litro. Parecem muito longe dos sobressaltos provocados pelos tambores da guerra, que insistem em continuar a ecoar. Foi à sua vida, aos seus pequenos prazeres, que dedicaram este domingo”.
por Pedro Caldeira Rodrigues (Agência LUSA)
21 de Fevereiro de 2022
ENTREVISTA (em 18 de Feverreiro): Putin pretende regresso a
pensamento predominante na época do czarismo
“O pensamento de Putin sobre as relações entre a Rússia e a Ucrânia é
contraditório com a ideologia bolchevique e pretende um regresso ao pensamento
que predominava entre a elite do império czarista no século XIX, indicou à Lusa
um académico e ativista ucraniano.
“Putin considera que não existe uma identidade específica ucraniana,
quer um regresso à história do século XIX quando os russos diziam que existia
uma nação russa composta por grandes russos, os moscovitas, bielorrussos, e
pequenos russos, que para eles eram os ucranianos”, disse è Lusa Volodymyr
Yermolenko, filósofo e professor associado na Universidade Kyiv-Mohyla.
“Devemos entender que Putin é muito mais arcaico que a própria
ideologia soviética. Tentou ir além da ideologia soviética”, assinalou, numa
referência a um longo texto assinado pelo Presidente russo em 16 julho de 2021,
intitulado “Sobre a unidade histórica dos russos e ucranianos”, que suscitou
ampla discussão nos meios académicos e políticos dos dois países.
Um documento que contesta “as ideias de um povo ucraniano separado do
povo russo” e que percorre “uma longa história comum” de russos, ucranianos e
bielorrussos, “herdeiros da antiga Rus', que foi o maior país da Europa”, um
estado eslavo medieval, inicialmente centrado em Kiev, que remonta ao século
IX.
Na sua reflexão, o líder do Kremlin também considera que a “verdadeira
soberania da Ucrânia” apenas será possível “em parceria com a Rússia”, recorda
as comuns ligações “espirituais, humanas, civilizacionais estabelecidas desde
há séculos” e sublinha que “formamos um único povo”.
Putin acusa ainda os “atores ocidentais do projeto ‘antirrusso’” de
terem elaborado um sistema político ucraniano “com uma constante orientação em
direção à separação com a Rússia, à inimizade para com ela” – independentemente
de quem ocupar o poder –, assegura que o seu país nunca será “anti-ucraniano” e
frisa que “os dirigentes da Ucrânia moderna e os seus mecenas exteriores”
apenas possuem um objetivo, “conduzir ao enfraquecimento da Rússia, que convém
aos nossos adversários”.
Na perspetiva do académico, o chefe de Estado russo pretende “ir mais
além da União Soviética”, onde a ideologia oficial considerava que russos
ucranianos e bielorrussos constituíam “três nações diferentes”, mas com origens
comuns.
“A abordagem do estalinismo era a de que provavelmente “se uniriam num
único povo”, mas a construção original foi delineada por Lenine, e em torno de um
projeto federal, explicitou.
“Uma federação de Estados soberanos, com as suas fronteiras, hinos,
escudos de armas. Lenine fez isso porque havia uma história de independência da
Ucrânia, de tentativa de independência da Geórgia, etc., e desde o século XIX
diversos intelectuais ucranianos sugeriam a ideia de que o Império russo se
deveria tornar num Estado federado”, prosseguiu Yermolenko, também diretor
analítico na Internews Ukraine e chefe de redação da UkraineWorld.org.
“Os ucranianos sugeriam esta opção porque olhavam para o exemplo dos
Estados Unidos. Tentavam aplicar essa espécie de modelo republicano ao império,
republicanizar, tornar o império numa república de diferentes nações, numa
federação”.
Perante este cenário, confrontados com diversos movimentos nacionais,
os primeiros dirigentes bolcheviques tentam e conseguem integrá-los na União
Soviética, fundada em 1922, mas permitindo que mantivessem a sua identidade, e
uma estrutura interna de tipo estatal.
“Mas houve comunistas ucranianos que pretendiam mais poder, não queriam
o estatuto de república autónoma, antes um Estado soberano. Foi uma
interessante abordagem; em resultado disso a propaganda soviética aceitava
praticamente a entidade separada ucraniana. Mas depois tentaram castrá-la,
aproximar a língua ucraniana da língua russa”, recordou. “Mas a língua mais
próxima do ucraniano é o bielorrusso, seguido do polaco”, e o russo apenas
surge de seguida.
“Basicamente, Putin diz que tudo isso é falso, que Lenine é um traidor,
mesmo se considera que o colapso da União Soviética constituiu ‘a maior
tragédia geopolítica’ da época, mas quer recuar para um período anterior, para
o império russo, para o século XIX”.
Para reforçar a sua tese, Volodymyr Yermolenko recorreu a um recente
artigo de Vladislav Surkov (considerado o mentor do designado ‘putinismo’, a
doutrina de Putin), no qual defende que a Rússia tem de regressar às fronteiras
de 1918, “e da próxima vez poderão dizer que deve regressar às fronteiras do
império russo em 1914, o que significa por exemplo um significativo território
da Polónia”.
Ao prosseguir a dissecação do artigo de Putin, sustentou que o seu
principal objetivo consiste em negar a identidade ucraniana.
Mas para o académico, escritor e ativista ucraniano, “Putin assiste à
progressão para leste dos valores europeus de democracia e direitos humanos”,
acompanhou o “exemplo da Bielorrússia”, apesar do recuo do movimento de
contestação devido à repressão, e pretende com o seu homólogo de Minsk “erguer
um muro face a estes valores democráticos que se deslocam para leste, por
recearem que um dia atinjam território russo. E penso que num certo momento vão
atingir”.
Ainda na sua interpretação, Putin quis sobretudo sublinhar no seu
artigo – “e provavelmente acredita, o seu grande erro” – que os ucranianos são
russos, que o poder em 2014 foi tomado por uma minoria de nacionalistas que
impôs essa ideologia à população baseada no estigma do “anti-Rússia”, que a
população comum rejeita em geral essa abordagem, que os russos serão apoiados
quando regressarem.
“A realidade é totalmente diferente, cerca de 65% dos ucranianos pensa
que a Rússia é a principal ameaça, a ameaça decisiva, e em comparação com
outros. Por exemplo, apenas 15% considera os EUA a maior ameaça”, enfatizou.
“A maioria considera a Rússia a principal ameaça, os partidos russos
estão a perder nas sondagens, o apoio à língua ucraniana por quem se exprime em
russo está a aumentar, há quem fale russo mas considera-se ucraniano e preparado
para defender a Ucrânia”.
Através destas observações, Volodymyr Yermolenko parece sugerir que o
líder do maior país do mundo em extensão, e que pretende voltar a merecer o
respeito dos seus grandes rivais internacionais, está de algum modo fora da
realidade.
“Putin não entende o que se passa, se uma pessoa fala russo deverá aceitar a hegemonia russa, mas basicamente em cidades da Ucrânia toda a gente fala russo mas são muito anti-Kremlin, anti-Putin, antirrussos. É o paradoxo. Pode-se mesmo comparar com os EUA durante a guerra da independência, todos falavam em inglês, mas os patriotas eram anti-ingleses”.
PEDRO CALDEIRA RODRIGUES (Lusa)
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