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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Como uma “certa” “América” vê o mundo, colocando-o à beira da guerra.


 ...um mundo a preto e branco, com “maus” absolutamente maus e “bons”, sempre bem-intencionados, “justos” e  “heroicos”.

É esse o mundo visto por uma certa América, longe da América cosmopolita, multicultural e criativa de S. Francisco ou Nova Iorque, uma América que se revelou em toda a plenitude com Trump, que contaminou o Partido Republicano e agora parece contaminar o Partido Democrático.

O pior é que essa ideologia, fomentada pela “Marvel”, pela “FoxNews” e pelos “jornais de referência” é consumida, sem ser questionada, pelo mundo “ocidental”.

E é isso que se está a ver na “questão Ucraniana”, como já se viu nas “questões”” jugoslava” “iraquiana”, “afegã”, “líbia” e “síria”, com os resultados conhecidos.

Toda a economia norte-americana é sustentada pelo complexo económico-militar e por isso, desde a 2ª guerra, que o poder económico e político norte-americano precisa de criar sempre novos “inimigos” para o justificar e para vender o seu arsenal militar pelo mundo fora.

Ora, “inimigos” à medida é o que não falta por aí, da China, à Rússia, ao Irão…

É só preciso depois criar uma narrativa credível, de diabolização de gente fácil de diabolizar.

Putin é uma dessas figuras.

Já o disse algumas vezes : Putin é o “Hitler do nosso tempo”, não porque considere Putin um sociopata e um genocida como Hitler, mas porque as razões que o levaram ao poder, instituindo uma autocracia na Rússia pós-soviética, fazem lembrar  as mesmas condições que levaram Hitler ao poder nos anos 30 do século passado.

Ao apoiar oligarcas, ao incentivar a desagregação da Rússia, ao humilhar os russos, ao faltar à palavra sobre a promessa de travar a expansão da NATO para leste ( para convencer as autoridades pós-soviéticas a dissolverem o Pacto de Varsóvia), o “ocidente”, com os norte-americanos à cabeça, criou as condições ideais para o aparecimento de um Putin.

O problema é que Putin não é muito diferente dos líderes da Ucrânia, ou mesmo de líderes de  países da NATO, como na Turquia ou nas “iliberias”  Polónia e  Hungria.

Quanto às lições de “superioridade moral”, em “democracia e liberdade” dadas pela NATO e pelas lideranças norte-americanas, é bom recordar que, quando da sua fundação, em 1949, a NATO aceitou, como país fundador, um Portugal liderado pelo ditador Salazar,  a mesma NATO, permitiu (e, ao que se sabe, até incentivou) a instauração de uma ditadura militar na Grécia em 1967, sem beliscar esse regime num país membro da NATO desde 1967. E podíamos recordar a importância de uma autarcia como a turca, no seio da mesma NATO.

À actual retórica militarista dos Estados Unidos e da NATO não será estranho o descalabro militar no Afeganistão, que se segue ao mesmo descalabro na Líbia, às dificuldades de política interna do presidente Biden, à crescente perda de influência a nível global dos Estados Unidos.

Quando é o próprio presidente da Ucrânia a referir que a retórica militarista da NATO e dos Estados Unidos é exagerada e prejudicial à própria Ucrânia, está tudo dito.

O problema é que o crescente clima de provocação em relação à Rússia pode levar Putin a cair na armadilha, até porque, aliada à retórica militarista, a única ameaça concreta em relação a uma invasão russa é a das “sanções económicas” e armar milícias ucranianas, mal preparadas e dominadas pela extrema-direita (um dos tirocínios dos movimentos extremistas ocidentais é fazerem um “perninha” nas milícias ucranianas que combatem nas províncias autonomistas ucranianas controladas pela população de maioria russa, apoiada pela Rússia).

Apoiado pela China, as sanções económicas ocidentais não fazem muita mossa a Putin, a não ser conjunturalmente a alguns oligarcas russos, já que a China é a principal potência económica do mundo actual.

Depois de décadas a fechar os olhos aos negócios dos oligarcas da Rússia e do leste na Europa e à crescente influência financeira e económica da China, pois o sector financeiro europeu e as grandes empresas europeias beneficiaram desses negócios, quem vai ficar a perder, a prazo, com uma situação militarmente descontrolada no leste da Europa, é o próprio mundo “ocidental”.

Obviamente que os Estados Unidos, que fomentam o clima de guerra na Europa, como já o fomentaram na Ásia e no Médio Oriente, só têm a ganhar com a destabilização da Europa, reforçando o seu militarismo e o seu domínio político-militar e económico sobre a Europa.

Para já, tal como fizeram no passado com as célebres “armas de destruição maciça” “controladas “ por Saddam Hussein (outro “mauzão” credível, como hoje o é um Putin), os Estados Unidos vão inventando narrativas cada vez mais irracionais, como a última que circula por aí (sem apresentarem provas) sobre o hipotético vídeo de propaganda, a ser “filmado” pelos russos, “inventando” um ataque ucraniano a forças russas, para “justificar” uma verdadeira invasão da Ucrânia pelo exército russo.

Essa informação parece-nos mais reveladora sobre os métodos fomentados pelos Estados Unidos para justificar  muitas das guerras onde se tem envolvido, do que pela credibilidade da mesma.

Provavelmente o que vai acontecer, para justificar um conflito contra a Rússia, até para justificar o investimento militar crescente do ocidente na Ucrânia e o reforço financeiro na NATO, é que algo de parecido aconteça, mas elaborado pelos sempre competentes serviços secretos norte-americanos.

Putin é um autocrata, não é de confiança, mas é inteligente. Como o lobo da história do menino mentiroso que gritava sempre que vinha aí o lobo, que é o que faz o “ocidente”, Putin só avança, se essa for a sua intenção, quando já ninguém acreditar que vem aí o lobo.

Só uma última pergunta. Se a Rússia resolvesse instalar no México o arsenal militar que o ocidente está a colocar na Ucrânia e em países vizinhos da Rússia, ou se procurasse atrair o mesmo México para a área de influência russa, como reagiriam os norte-americanos?

E já agora, se a Ucrânia, como estado soberano, tem todo o direito para aderir à organização militar que quiser e instalar material de guerra no seu território apontado à Russia, então porque é que que os americanos fizeram tanto barulho quando, nos anos 60, houve a crise dos mísseis em Cuba?

A ditadura cubana, um regime reconhecido internacionalmente, não tinha então mesmo direito de escolher a sua posição, direito que hoje o “ocidente” pretende atribuir ao estado autocrático da Ucrânia?

É o que se chama de “dois pesos e duas medidas” ou, pior ainda, brincar com o fogo (dos outros)!!

 

 

 

 

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