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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

DIÁRIOS DE KIEV – (13) por Pedro Caldeira Rodrigues (Agência LUSA) – 25 de Fevereiro de 2022

                                

Noite em branco nos abrigos de Kiev

Kiev, 25 fev 2022 (Lusa) – Kiev teve uma noite agitada numa cidade quase deserta e com o bulício a decorrer nos diversos abrigos subterrâneos após espaçados sinais de alerta sobre possíveis intensos bombardeamentos, que afinal foram esporádicos.

Temia-se um ataque da aviação russa a pontos estratégicos, mas os responsáveis civis e militares asseguraram que a ofensiva “foi travada”. De madrugada, pela rua, passam dois soldados, fardados, capacete, colete antibalas, pistola, equipados a rigor, e que se esquivam por uma esquina, decerto direção ao seu posto. Diz-se que os russos estão a concluir o cerco à capital ucraniana.

No caso de “ocupação” da cidade pelas forças enviadas pelo Presidente Vladimir Putin, os dirigentes ucranianos já prometeram resistência bairro a bairro, rua a rua, casa a casa, também assegurada pelos milhares de voluntários já convocados após a declaração da lei marcial e do recolher obrigatório, das 21:00 às 07:00.

O piso menos dois da garagem de um hotel situado no centro foi adaptado para abrigo, onde se chega através de um pequeno labirinto de corredores e onde as paredes com setas impressas em folhas de papel que indicam o percurso. 

“Vivo sozinha, estou muito nervosa. Pedi para ficar aqui de noite, moro perto”, indica uma mulher loira, de profundos olhos esverdeados, com ar cansado. Pouco se dormiu esta noite em Kiev.

“Primeiro disseram que não aceitavam, mas veio muita gente pedir abrigo e acabaram por também nos acolher. Estou muito nervosa e não conseguia estar sozinha em casa”.

No amplo espaço da garagem do segundo piso, com alguns carros estacionados, improvisou-se um acampamento. Famílias inteiras sentam-se em volta de mesas, avós, filhos e netos, que conversam em baixa voz. Uns dormitam, outro servem-se de um café, chá, bolos, que o hotel pôs à disposição e espalhados por diversas mesas. “Guardem os copos de plástico, já temos poucos”, apela uma funcionária. O início do racionamento.

Muitos jornalistas estão também encurralados neste espaço. Alguns trazem os edredons e almofadas dos seus quartos, buscam um pedaço de cartão e improvisam uma cama. Muitos habitantes das redondezas fizeram o mesmo, e alguns conseguem mergulhar num sono profundo.

Um jovem casal tenta confortar o seu bebé, que teima em ficar acordado noite dentro. Muitos jornalistas de televisões também não pregaram olho, e aproveitam para sair à rua e enviar as suas reportagens. A noite está fria, e muitos acabam por regressar aos quartos, para pouco depois serem de novo acordados pela receção, que avisa sobre prováveis novos ataques. De novo, a peregrinação em direção ao piso menos dois, após o som de uma ou outra explosão.

O dia começa a despontar, de novo cinzento. Do outro lado da rua, uma pequena mercearia abre portas. Alguns compram pão, outros bebidas, dois soldados totalmente equipados, com a insígnia da bandeira ucraniana azul e amarela cozida na manga da farda, levam uma embalagem de enchidos, e também se somem. Alguns carros cruzam apressados a rua. Alguns devem transportar gente importante, uma coluna de modernos todo-o-terreno em alta velocidade.

Mais uma explosão, ao longe. A capital ucraniana também está só, as forças da invasão já sabem que caso pretendam ocupá-la não terão tarefa fácil. Mas, lentamente, vai-se instalando cansaço, ainda não o desânimo, na grande Kiev e nos seus cinco milhões de habitantes”.

PEDRO CALDEIRA RODRIGUES (LUSA)

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