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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O Fascismo "nunca existiu"!??...Ou existiu "apenas" num país!???...ou "anda ainda por aí"!?' (parte 2)


Nos anos 90, depois da derrota do comunismo real, e com o fim da Guerra Fria, parecia que a democracia e a liberdade iam vencer por todo o mundo.

Recorde-se que na década anterior se tinham desmoronado as ditaduras militares na américa latina e o apartheid na África do Sul.

Era o “fim da história” de Fukuyama.

Também por essa altura estudava-se afincadamente o fascismo, chegando a maior parte dos investigadores à conclusão que este regime estava datado histórica e geograficamente.

O fascismo puro só tinha existido em Itália.

Estabeleciam-se as diferenças entre os vários regimes que até aí tinham sido “misturados” sob a designação de “fascistas”: o Estado Novo português, o governo de Vichy em França e o franquismo espanhol, entre outros, não encaixavam no modelo fascista dos investigadores .

Mesmo o nazismo era uma excrescência totalitária do fascismo.

Já em artigo anterior abordámos algumas das características do fascismo apontadas por esses estudos.

Não deixa de ser, contudo, curioso, que, encontrando-se tantas diferenças entre esses regimes, nunca ninguém tenha feito  o mesmo exercício para distinguir os regimes e os movimentos comunistas, quer do ponto de vista cronológico, quer do ponto de vista sincrónico.

É que, na realidade, existem tantas diferenças, em termos práticos, em termos de violência ou em termos económicos e sociais,  entre o Estado Novo português, o nazismo alemão ou o fascismo italiano, como entre a União Soviética de Lenin, de Stalin ou Gorbachev, ou entre Cuba e a Coreia do Norte, ou entre o chamado eurocomunismo e o Partido Comunista Português…

Mas a preocupação em fazer esta distinção não terá motivado da mesma maneira os investigadores dessa altura.

Era mais importante retirar certos regimes e certos partidos da família fascista, do que fazer o mesmo exercício em relação aos regimes ditos comunistas.

Não questiono a seriedade desses estudos. Apenas noto a diferença de prioridades.

Claro que pode haver uma situação que explica essas opções.

A maior parte dos regimes que se inspiraram, com maior ou menos convicção, no modelo do fascismo italiano, raramente se designaram ou classificaram como fascistas, ao contrário do que aconteceu com os regimes comunistas ou com os vários movimentos comunistas, mesmo quando se combatiam entre si.

A maior parte dos regimes autoritários de direita e os futuros partidos de extrema-direita, principalmente depois da 2ª Guerra, não se gabavam, pelo menos publicamente, de admirarem Mussolini ou Hitler, a não ser em casos muito marginais.

Pelo contrário, apesar de todas as suas diferenças, tão grandes ou maiores do que as que existiram ou existem entre regimes e partidos da direita autoritária e antiliberal, os regimes do “comunismo real” e os partidos assim designados, todos invocavam a mesma origem comum, mesmo que aplicada ou interpretada de forma diferente, como mínimo denominador comum, em Engels, Marx e Lenine.

Nos anos 90 o fascismo era considerado assunto histórico encerrado e irrepetível, ao contrário do “comunismo real” que continuou a sobreviver até hoje na China, no Vietname, na Coreia do Norte e em Cuba, e em Partidos Comunistas que continuam a ter um peso significativo em muitos países democráticos.

Contudo, houve um autor que remou contra a maré.

Esse autor foi Umberto Eco que em 1997 publicou um ensaio intitulado “O fascismo eterno”, publicado e traduzido em Portugal com o título “Como reconhecer o fascismo”.

Para Umberto o fascismo não estava morto e enterrado, ao contrário do nazismo.

Começava por desmentir que o fascismo, ao contrário do nazismo, tivesse uma filosofia própria, mas apenas “retórica”.

Demonstrou que o fascismo italiano não era fácil de classificar ou de caracterizar, pois, ao contrário do modelo coerente em que muito o tentavam encaixar, era um movimento pragmático, muitas vezes contraditório e incoerente.

Ora, essa capacidade camaleónica do fascismo, permitiu a sua sobrevivência e a capacidade de reaparecer em qualquer outro lado ou época sob outras “vestes”.

A partir destas premissas, Umberto Eco identifica um conjunto de características do “novo fascismo”, que ele apelida de “Ur-fascismo”, avisando, contudo, que essas “características não poderão ser ordenadas num único sistema: muitas contradizem-se reciprocamente, e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma nebulosa fascista”.

Hoje, esse ensaio, com mais de vinte anos, veio revelar-se mais actual do que nunca, quando assistimos ao renascimento de regimes, partidos e retóricas de extrema direita, pondo em causa a existência das democracias liberais que se julgavam eternas e em expansão naquela década.

Aliás, o próprio termo de “democracia liberal” é defensivo, como se a democracia não fosse liberal.

O que é um facto é que a maioria desses movimentos substituíram a rua e os golpes militares pela campanha em redes socias  e pela participação democrática e, onde chegam ao poder, como na Hungria, por exemplo, criaram um novo conceito, o de “democracia ileberal”, ou seja, manipulam as regras democráticas, mantendo a  fachada de actos eleitorais para se legitimarem e legitimarem o controle sobre a justiça e a comunicação social.

Vemos isso também na Turquia, na Russia, na Polónia, nas Filipinas…

Quais as são características do “Ur-fascismo” apontadas por Umberto Eco?

Fica para próximo artigo.

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