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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O Fascismo “nunca existiu”!??...ou existiu “apenas” num país!???...ou “anda ainda por aí”!??



Nunca, como nos últimos tempos, o debate sobre o fascismo e a utilização desse termo para interpretar a situação actual foi tão usado.

E, na verdade, a definição de “fascismo”, continua por esclarecer e clarificar e é, desde longa data, tema de debates acalorados envolvendo historiadores, politólogos (seja lá o que isto for) e sociólogos.

Nos anos 90 chegou-se a um relativo consenso entre investigadores.

O Fascismo, na “pureza” das suas características, "apenas existiu" na Itália de Mussolini.

Tanto o nazismo, à sua direita, e o franquismo e o salazarismo (entre outros) à sua “esquerda” não encaixavam nas características puras do fascismo teórico.

O nazismo, embora seguindo o modelo de Mussolini, era, acima de tudo, “totalitário”, um conceito que, embora defendido teoricamente pelo fascismo italiano, só se teria concretizado, sem qualquer controle (da Igreja ou do rei, como aconteceu na Itália) na Alemanha de Hitler.

Contudo, o conceito de “totalitarismo” foi-se tornando pouco operativo, por um lado porque podia ser igualmente aplicado a regimes diferentes, como o estalinismo na União Soviética ou a China do tempo da “revolução cultural”, por outro, porque o seu termo se generalizou e vulgarizou como argumento da propaganda ocidental, durante o período da Guerra Fria,contra os regimes do “socialismo real” do leste europeu.

Por sua vez, regimes como o salazarista e o franquista não se encaixavam totalmente na classificação e no tipo de estrutura politica e social do fascismo.

O regime salazarista era um regime autoritário, antiliberal e antidemocrático, mas faltava-lhe o caracter de movimento de massas do fascismo, embora recorresse a estas sempre que necessitava do apoio da rua (lembram-se das célebres “manifestações espontâneas?”).

Apesar disso, até à 2ª Grande Guerra, principalmente quando se tornou evidente a derrota dos nazis, e a partir da Guerra Civil de Espanha, o salazarismo exacerbou a retórica e o modelo do fascismo italiano (Salazar era grande admirador do ditador italiano), altura em que se fundaram movimentos de características fascistas, baseados em organizações do nazismo e do fascismo, como a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa. Esta última organização foi mesmo a única organização do Estado Novo que fez, abertamente, o elogio do nazismo.

A partir do final da guerra essas organizações perderam as suas características fascistas, muito por influência da Igreja e do Exército e, claro, para branquear a sua origem quando o antifascismo saiu vitorioso da Guerra, e o regime alterou habilmente a sua natureza dos anos 30/40 para poder sobreviver, tendo mesmo conseguido tornar-se fundador da NATO.

A definição do que é o fascismo enforma de duas dificuldades:

- Se o resumirmos ao culto da violência contra os inimigos, ao governo autoritário e ditatorial e à rejeição da democracia e do liberalismo, teríamos de alargar o conceito a um universo mais vasto, que incluiria os regimes do “comunismo real” , as ditaduras militares de todas as cores e muitos dos regimes autoritários dos nossos dias (na Turquia, na Rússia, no Irão, na Arábia Saudita, na Hungria, na Polónia ….);

- Se desenvolvermos muito essas características, apenas o Fascismo Italiano e um certo número de movimentos nacionais, fixados nos anos 30, podem ser classificados como tal, com a agravante que, nem mesmo o fascismo italiano, pela sua evolução e adaptação, nãose  encaixaria plenamente nessas características retóricas.

E quais são elas (resumidamente)?

Recorremos a Stanley Payne:

- “As negações fascistas”: antiliberal, anticomunista, anticonservadorismo;

- “Ideologia e objectivos” : criação de um novo Estado nacionalista autoritário; organização de estruturas económicas nacionais integradas, reguladas e “pluriclassistas”, numa palavra, corporativista; a criação e a defesa de um Império que implicará uma relação de força com as outras nações; um novo credo idealista e voluntarista, impondo um novo tipo de cultura secular, moderna e "autodeterminada";

- “Estilo e Organização” : Importância estética dos símbolos, dos mitos e da coreografia politica; mobilização das massas, militarizando as relações sociais e da vida politica, através de organizações de massas; uso da violência contra os “inimigos”; dominação masculina; exaltação da juventude, fomentando o conflito de gerações, pelo menos na sua fase inicial de transformação politica; tendência para uma liderança pessoal, autoritária e carismática, mesmo recorrendo inicialmente à via eleitoral.

Conseguir o pleno destas características, só mesmo no Fascismo italiano de Mussolini.

Mas, para ser classificado como fascismo não é necessário fazer o pleno, basta a existência da maioria dessas características.

Assim, para Stanley Payne o fascismo, nos anos 30/40,  é uma das famílias daquilo que ele classifica como as “três caras do nacionalismo autoritário”, sendo as outras duas a “direita radical” e a “direita conservadora”.

Como “fascistas” classifica, entre outras, o Partido nacional-socialista alemão, o Partido Nacional Fascista Italiano, a Falange em Espanha e o Nacional-sindicalismo português.

Na “Direita radical” coloca, entre outros, a figura de Papen na Alemanha, os Integralistas em Portugal e os Carlistas em Espanha.

Na “direita conservadora” cabem, entre outros, o presidente Hindenburg na Alemanha,  o governo de Vichy em França, o presidente Horthy da Hungria, Pilsudski na Polónia, a União Nacional e Salazar em Portugal e a CEDA em Espanha.

Recorde-se que, em Portugal, a maior parte dos nacional-sindicalistas  e dos integristas, mais ou menos forçados, mais ou menos voluntariamente, acabaram por integrar o regime salazarista, sendo significativo o caso de Rolão Preto, líder dos nacional-sindicalistas, que, depois de preso, veio a apoiar a candidatura de Humberto Delgado.

O caso espanhol também é peculiar. Franco conseguiu fundir as várias organizações acima citadas, durante a Guerra Civil, numa falange mais abrangente, que se tornou o partido único do regime e que, na transição para a  democracia, se integrou, quase todo, no actual Partido Popular.

O caso português tem sido muito estudado por vários historiadores, destacando os trabalhos, divergentes nalguns pontos, de Fernando Rosas, Manuel Loff, António Costa Pinto e de Irene Flunser Pimentel.

Conta a corrente vai a tese de Jorge Pais de Sousa, que defende o salazarismo como um “fascismo de cátedra”, ou seja, um fascismo sem movimento de massas.

De qualquer modo, toda problemática referida coloca o fascismo como uma situação histórica “irrepetível”.

Não é essa a tese de Umberto Eco, no seu ensaio de 1997, mas mais actual do que nunca, “como reconhecer o fascismo”.

Mas a ele voltaremos em próxima crónica, analisando, até que ponto o fascismo “ainda anda por aí”.

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