Nunca, como nos últimos tempos, o debate sobre o fascismo e a
utilização desse termo para interpretar a situação actual foi tão usado.
E, na verdade, a definição de “fascismo”, continua por esclarecer e
clarificar e é, desde longa data, tema de debates acalorados envolvendo historiadores,
politólogos (seja lá o que isto for) e sociólogos.
Nos anos 90 chegou-se a um relativo consenso entre investigadores.
O Fascismo, na “pureza” das suas características, "apenas existiu" na
Itália de Mussolini.
Tanto o nazismo, à sua direita, e o franquismo e o salazarismo (entre
outros) à sua “esquerda” não encaixavam nas características puras do fascismo
teórico.
O nazismo, embora seguindo o modelo de Mussolini, era, acima de tudo, “totalitário”,
um conceito que, embora defendido teoricamente pelo fascismo italiano, só se
teria concretizado, sem qualquer controle (da Igreja ou do rei, como aconteceu
na Itália) na Alemanha de Hitler.
Contudo, o conceito de “totalitarismo” foi-se tornando pouco operativo,
por um lado porque podia ser igualmente aplicado a regimes diferentes, como o
estalinismo na União Soviética ou a China do tempo da “revolução cultural”, por
outro, porque o seu termo se generalizou e vulgarizou como argumento da propaganda ocidental, durante o período da Guerra Fria,contra os regimes do “socialismo real” do leste europeu.
Por sua vez, regimes como o salazarista e o franquista não se
encaixavam totalmente na classificação e no tipo de estrutura politica e social
do fascismo.
O regime salazarista era um regime autoritário, antiliberal e antidemocrático,
mas faltava-lhe o caracter de movimento de massas do fascismo, embora recorresse
a estas sempre que necessitava do apoio da rua (lembram-se das célebres “manifestações
espontâneas?”).
Apesar disso, até à 2ª Grande Guerra, principalmente quando se tornou
evidente a derrota dos nazis, e a partir da Guerra Civil de Espanha, o salazarismo
exacerbou a retórica e o modelo do fascismo italiano (Salazar era grande
admirador do ditador italiano), altura em que se fundaram movimentos de características
fascistas, baseados em organizações do nazismo e do fascismo, como a Mocidade
Portuguesa e a Legião Portuguesa. Esta última organização foi mesmo a única
organização do Estado Novo que fez, abertamente, o elogio do nazismo.
A partir do final da guerra essas organizações perderam as suas características
fascistas, muito por influência da Igreja e do Exército e, claro, para
branquear a sua origem quando o antifascismo saiu vitorioso da Guerra, e o
regime alterou habilmente a sua natureza dos anos 30/40 para poder sobreviver,
tendo mesmo conseguido tornar-se fundador da NATO.
A definição do que é o fascismo enforma de duas dificuldades:
- Se o resumirmos ao culto da violência contra os inimigos, ao governo
autoritário e ditatorial e à rejeição da democracia e do liberalismo, teríamos de
alargar o conceito a um universo mais vasto, que incluiria os regimes do “comunismo
real” , as ditaduras militares de todas as cores e muitos dos regimes
autoritários dos nossos dias (na Turquia, na Rússia, no Irão, na Arábia
Saudita, na Hungria, na Polónia ….);
- Se desenvolvermos muito essas características, apenas o Fascismo
Italiano e um certo número de movimentos nacionais, fixados nos anos 30, podem
ser classificados como tal, com a agravante que, nem mesmo o fascismo italiano,
pela sua evolução e adaptação, nãose encaixaria plenamente nessas características retóricas.
E quais são elas (resumidamente)?
Recorremos a Stanley Payne:
- “As negações fascistas”: antiliberal, anticomunista,
anticonservadorismo;
- “Ideologia e objectivos” : criação de um novo Estado nacionalista
autoritário; organização de estruturas económicas nacionais integradas,
reguladas e “pluriclassistas”, numa palavra, corporativista; a criação e a
defesa de um Império que implicará uma relação de força com as outras nações;
um novo credo idealista e voluntarista, impondo um novo tipo de cultura
secular, moderna e "autodeterminada";
- “Estilo e Organização” : Importância estética dos símbolos, dos mitos
e da coreografia politica; mobilização das massas, militarizando as relações
sociais e da vida politica, através de organizações de massas; uso da violência
contra os “inimigos”; dominação masculina; exaltação da juventude, fomentando o
conflito de gerações, pelo menos na sua fase inicial de transformação politica;
tendência para uma liderança pessoal, autoritária e carismática, mesmo
recorrendo inicialmente à via eleitoral.
Conseguir o pleno destas características, só mesmo no Fascismo italiano
de Mussolini.
Mas, para ser classificado como fascismo não é necessário fazer o
pleno, basta a existência da maioria dessas características.
Assim, para Stanley Payne o fascismo, nos anos 30/40, é uma das famílias daquilo que ele classifica
como as “três caras do nacionalismo autoritário”, sendo as outras duas a “direita
radical” e a “direita conservadora”.
Como “fascistas” classifica, entre outras, o Partido
nacional-socialista alemão, o Partido Nacional Fascista Italiano, a Falange em
Espanha e o Nacional-sindicalismo português.
Na “Direita radical” coloca, entre outros, a figura de Papen na
Alemanha, os Integralistas em Portugal e os Carlistas em Espanha.
Na “direita conservadora” cabem, entre outros, o presidente Hindenburg
na Alemanha, o governo de Vichy em
França, o presidente Horthy da Hungria, Pilsudski na Polónia, a União Nacional
e Salazar em Portugal e a CEDA em Espanha.
Recorde-se que, em Portugal, a maior parte dos
nacional-sindicalistas e dos
integristas, mais ou menos forçados, mais ou menos voluntariamente, acabaram
por integrar o regime salazarista, sendo significativo o caso de Rolão Preto, líder
dos nacional-sindicalistas, que, depois de preso, veio a apoiar a candidatura
de Humberto Delgado.
O caso espanhol também é peculiar. Franco conseguiu fundir as várias
organizações acima citadas, durante a Guerra Civil, numa falange mais
abrangente, que se tornou o partido único do regime e que, na transição para a democracia, se integrou, quase todo, no actual
Partido Popular.
O caso português tem sido muito estudado por vários historiadores,
destacando os trabalhos, divergentes nalguns pontos, de Fernando Rosas, Manuel Loff,
António Costa Pinto e de Irene Flunser Pimentel.
Conta a corrente vai a tese de Jorge Pais de Sousa, que defende o
salazarismo como um “fascismo de cátedra”, ou seja, um fascismo sem movimento de
massas.
De qualquer modo, toda problemática referida coloca o fascismo como uma
situação histórica “irrepetível”.
Não é essa a tese de Umberto Eco, no seu ensaio de 1997, mas mais
actual do que nunca, “como reconhecer o fascismo”.
Mas a ele voltaremos em próxima crónica, analisando, até que ponto o
fascismo “ainda anda por aí”.
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