Tem sido um nojo miseravelmente demagógico e oportunista aquilo que
temos ouvido de comentadores encartados, que discutem tudo, do futebol à politica,
da economia aos incêndios, da realidade internacional ao pequeno escândalo de
aldeia, sempre cheios de certezas, mas que pouco acrescentam ao debate
necessário que urge fazer (ou saber) sobre incêndios e ordenamento do
território.
Tem-se salvo o trabalho da Antena 1, da RTP 1, 2 e 3, que, pelo
contraste com os restantes órgãos de comunicação social, mostra porque é
importante continuar a manter um serviço público de comunicação social.
O que ouvimos e vimos de interessante e de valor acrescentado sobre o
tema, ouvimos e vimos quase exclusivamente nesses órgãos de comunicação que
chamaram técnicos e especialistas, nas várias áreas relacionadas com o problema
dos incêndios florestais: meteorologistas, bombeiros especializados, técnicos
de protecção civil, silvicultores, professores universitários....
Claro que isto não dá “espectáculo”, mas isto deve ser o objectivo
nobre de qualquer órgão de comunicação social democrático, que deve dar lugar a
um debate sereno, independente, crítico e diverso sobre qualquer tema em
agenda.
Se, nos outros canais, o objectivo era queimar a ministra da
administração interna, esmiuçando, com gritaria e frases feitas, até ao ridículo, alguma falta de jeito que
aquela tem demonstrado para enfrentar a voracidade assassina da comunicação
social controlada pela oposição à “geringonça”, os canais publico revelaram preocupação em esclarecer com serenidade, mantendo
a independência critica em relação aos erros que podem ser imputados ao
governo, mas não lançando a confusão boçal, apanágio da maioria dos
comentadores de serviço nos canais privados.
Não deixa de ser curioso que os ideólogos do neoliberalismo e do “ajustamento”
se mostrem agora tão escandalizados com a “falta do Estado” na prevenção de
incêndios, como se não soubessem que:
- foi a austeridade neoliberal,
que tanto defendem, que afastou serviços públicos do interior (encerramento de
escolas, centros de saúde, tribunais, policias, guardas florestais…),
desertificando-o;
- foi a economia neoliberal que tanto defendem que entregou a floresta
ao total desordenamento levado a cabo por interesse privados, floresta que hoje
é, de forma esmagadora, de gestão privada;
- foi o “ajustamento” que tanto defendem que, ao desagregar a organização das freguesias e ao
acabar com os governos civis, desregulou toda a organização da protecção civil
e deixou que, entre o poder central, bastante afastado, e o poder municipal, de
dimensão demasiado pequena, se pudesse responder atempadamente a tragédias de
grandes dimensões, dificultando a coordenação e a tomada de decisões urgentes,
- enfim, foram esses mesmos que passaram a vida a desdenhar e a ridicularizar os alertas de ambientalistas e cientistas da área do ambiente para os riscos provocados pelas alterações climatéricas.
A não ser que desejem que o Estado passe a vigiar cada cidadão que
lança uma beata pela janela do carro, que não limpa o terreno à volta da sua
casa, que não cuida do terreno florestal, geralmente um minifúndio, num local
desconhecido e isolado, enfim, que seja o mesmo Estado, que essa gente tanto abomina, a responsabilizar-se pela falta de
civismo de muitos.
Leia-se, aliás, a propósito, a reportagem de Ana Fernandes, editada no Público de hoje, alertando para a responsabilidade civica a que muitos, alguns mais tarde, transformados em vítimas dos seus próprios actos, tentam escapar, tentando fugir ao controle do tal Estado, a quem depois vêm pedir responsabilidade.(uma reportagem a contra-corrente com o conteúdo desta edição).
Enfim, é de facto urgente e necessário uma profunda reforma (talvez
fosse mais adequado falar em “revolução”, palavra que esses tais tanto temem)
no ordenamento do território e no ordenamento florestal, bem como na prevenção
e no combate aos incêndios, mas isso só se pode fazer com uma verdadeira e
corajosa regionalização do país, outra coisa que esses hipócritas comentadores
abominam.
É caso para se dizer que, juntamente com a floresta, ardeu também a
credibilidade e a independência política de grande parte da comunicação social
privada, e dos seus comentadores, liderada ideologicamente pelo Observador e logo
secundada pela SIC e pelo Expresso, sem esquecer a cada vez mais aguerrida
“facção Dinis” que procura forçar uma mudança de rumo no projecto “Público”.
Além das cinzas da floresta, também a credibilidade e independência da chamada
comunicação social “liberal” ficou em cinzas nesta tágica época de incêndios.
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