A época de incêndios em Portugal iniciou-se este ano muito mais cedo do
que o habitual, e de forma trágica, e está a prolongar-se muito para além do
habitual, como se viu pela situação desta semana.
Se existe uma causa genérica para essa situação, atribuída às
alterações climatéricas e a um ano de seca prolongada, estas foram potenciadas
por erros cometidos, ao longo de décadas, na gestão da floresta portuguesa.
Não é preciso ser especialista para enumerar algumas delas:
- a grande alteração desse tecido florestal, com a introdução em larga
escala de uma espécie como o eucalipto, que se tornou dominante, muitas vezes
plantado em locais inadequados. Desde que me lembro, e desde que existem
movimentos ambientalistas em Portugal que somos alertando para os perigos da
plantação excessiva do eucalipto, pela facilidade como o fogo se propaga nas
zonas onde existe essa espécie, pela própria violência dos fogos nesse cenário,
assim como pela destruição em massa de outras espécies, vampirizadas pelo
eucalipto, para além de secarem os terrenos onde são plantados;
- a falta de meios adequados à nova realidade florestal, associada à
desertificação humana das zonas do interior, ao abandono dos que ficam nessas zonas
à sua sorte e à redução de forças de prevenção e vigilância, é outra das
situações que potencia a dimensão desses fogos;
- a falta de civismo, ainda muito enraizada na população, como o
simples facto de atirar beatas pelas janelas dos automóveis, fazer queimadas
fora da lei, lançar foguetes em locais desapropriados, transformar as florestas
em lixeiras ou a falta de tratamento das matas também contribuem para uma
situação cada vez mais trágica;
- a mão criminosa de muitos, num contexto legal permissivo e pouco
rigoroso, muitas vezes com motivações obscuras que ficam por investigar, é
outro motivo para a rápida propagação de muitos incêndios.
Mas existe um outro motivo, raramente abordado, que são os interesses
que, implícita ou explicitamente, beneficiam com esta situação.
Um deles prende-se com o incentivo que as grandes empresas de celulose
têm vindo a dar à plantação de eucaliptos. A responsabilidade dessas empresas e
dos seus accionistas em relação à grave situação da floresta portuguesa
raramente é investigada, até porque essas empresas envolvem interesse poderosos
(bancos, jornais, políticos…).
Não me posso esquecer de uma situação que observei em Agosto passado:
aí, uns dias antes de 10 de Agosto, e depois do governo, na sequência da
tragédia de Pedrogão Grande, ter avançado com um projecto de lei para limitar a
plantação do eucalipto e apressar a aprovação de um projecto de ordenamento florestal,
uma determinada empresa, cotada em bolsa, uma das maiores celuloses existente
em Portugal, ameaçava sair de Portugal se esse projecto avançasse.
Dias depois desta notícia iniciou-se o período de grandes fogos que
durou semanas, interrompido por pouco tempo em Setembro e que regressou em
força nestes primeiros dias de Outubro.
O que me chamou a atenção é que, poucos dias depois do inicio desses
incêndios, as acções em bolsa dessa empresa, e de outras do sector, ter
conhecido uma subida acentuada, mostrando assim a relação directa entre os
incêndios e o lucro dessas empresas, à custa do facto de possuírem em armazém uma
matéria prima que se torna rara, ao mesmo tempo que conseguem reduzir o preço
pelo qual compram madeira queimada aos particulares vitimas dos incêndios (
baixa de preço que também foi noticiada na comunicação social de Setembro).
Pode ser coincidência ou mero oportunismo económico, mas qualquer
investigação sobre a tragédia deste ano devia ter em conta a investigação sobre
esses empresas.
Aguardamos, pois, com expectativa, essa investigação.
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